Usando o final apoteótico do episódio da semana anterior de Titans como mote, serviço de streaming da DC faz ao público aquela clássica pergunta da HQ que matou o segundo Robin lá em 1988. Só que o resultado final parece bem diferente…
Ao longo da última semana, o DC Universe, serviço de streaming da DC Entertainment, celebrou um capítulo icônico porém bastante estranho da história da editora. Aproveitando o fato de que em Deathstroke, o episódio de sua série original Titans exibido na sexta-feira, dia 4/10, tinha terminado com um gancho bem dramático, dando a entender que Jason Todd, o segundo Robin, podia morrer depois de uma armadilha tramada pelo Exterminador, eles colocaram no site oficial uma pesquisa — que quem está fora dos EUA não consegue ver, na real.
O lance é que se tratava de uma enquete bastante simples, com duas respostas simples: “Jason Dies” e “Jason Lives”. Foram mais de 12.000 votos, pelo que apuramos, com a opção de “Morre” vencendo por uma pequena margem, de 51% contra 49%. Obviamente, os fãs das antigas logo sacaram qual era a daquela história: claramente, estávamos diante de uma homenagem à Morte em Família, arco de histórias em quatro partes publicado no gibi do Batman lá em 1988.
Sim, naquela época também teve uma pesquisa. E sim, naquela época o resultado da tal pesquisa também cravou que Jason deveria morrer. Só que, nos quadrinhos, o resultado REALMENTE ditou o rumo da história e Jason partiu daqui pra terra dos pés juntos de um jeito bastante trágico, eu diria. Logo, tava todo mundo meio que acreditando, embora o DC Universe não tenha dito nada a respeito, que o mesmo aconteceria aqui — e o destino do segundo Menino-Prodígio seria cravado igualmente pela decisão popular.
No entanto, diversas publicações gringas foram trocar uma ideia com a turma do serviço de streaming e eles responderam, “hey, não, uma coisa não influencia a outra”. E, bom, parece que não influenciou mesmo, pelo menos ATÉ O MOMENTO: porque o episódio de Titans exibido nesta sexta, dia 11, que deveria ser apenas a história de Conner, o Superboy clone de Clark Kent + Lex Luthor, mostra o Garoto de Aço cruzando o caminho dos Titãs e dando um final diferente pra esta história.
Curioso perceber que, no entanto, o ótimo trabalho do ator Curran Walters fez com que o público da série tivesse praticamente a mesma reação dos leitores do gibi cerca de 30 anos antes. Afinal, cá entre nós, para o bem e para o mal, Jason Todd é um pé no saco. Nas HQs ou no streaming, tanto faz. Só que esta era e ainda é, sejamos honestos, a grande graça do personagem. O fato de ele ser um Robin muitíssimo diferente de Dick Grayson, o primeiríssimo a usar a roupa multicolorida como parceiro do Morcegão.
Criado por Gerry Conway (roteirista) e Don Newton (artista), Jason apareceu pela primeira vez em Batman #357, publicada em março de 1983. Mas ele era, originalmente, meio que uma cópia do Dick, até mesmo na origem, filho de um casal de acrobatas de circo, aquela história. Quando veio a Crise nas Infinitas Terras, aí sim a DC deu a ele uma história única e uma personalidade diferente: encontrado pelo Morcegão tentando roubar as rodas do Batmóvel no mesmo Beco do Crime onde o casal Wayne foi assassinado muitos anos antes, Jason era um moleque vivendo nas ruas e sem visão de um futuro possível. Filho de uma mãe que morreu de overdose e um pai desaparecido que trabalhava como capanga do Duas-Caras, o menino foi adotado por Wayne e treinado para se tornar o novo Robin.
Ele não tinha a mesma destreza e agilidade naturais de Dick, um acrobata treinado desde criança? Não, não tinha. Mas Batman achava que conseguiria ajudar a canalizar a raiva do moleque para fazer o bem. E digamos que até que conseguiu... mas com o bônus, também veio o ônus. Afinal, Jason Todd era muito mais rebelde e questionador do que Dick, que de alguma forma era o bom moço da história toda, líder nato, enfim. Mais violento e arrogante, Jason fumava, falava palavrão e desafiava a autoridade do Batman o tempo inteiro.
“Os fãs odiavam ele”, afirmou, em entrevista ao livro The Many Lives of the Batman: Critical Approaches to a Superhero and His Media, o editor do título do herói na época, Dennis O’Neil. “Eu não sei bem se era loucura de fãs que o enxergavam como uma espécie de usurpador da posição de Dick Grayson. Mas algumas das correspondências que recebemos indicavam que este pensamento estava na cabeça de algumas das pessoas”.
Bom, a gente sabe que os fãs tradicionais de nichos como o dos gibis de super-heróis costumam ser bastante conservadores e resistentes à mudanças, né? Já dava pra imaginar que isso ia acontecer — mas aconteceria inevitavelmente, não importando QUEM DIABOS fosse colocado sob a capa amarela. O ponto é que, enquanto personagem, Jason só fazia sentido justamente por ser um contraponto de Dick, trazendo dores de cabeça inesperadas para o Morcegão. Ele era um moleque insuportável mas também era um personagem multifacetado, reflexo de um novo tempo e que gerou uma nova dinâmica para a Dupla Dinâmica (desculpem, não resisti).
De qualquer forma, a aversão dos leitores da época ao Jason o tornaram o alvo perfeito para uma invencionice que O’Neil tinha na cabeça pra usar em algum momento: uma pesquisa telefônica via ligação 1-900 (tipo o nosso 0800 por aqui) para que as pessoas tivessem a chance de influenciar de alguma forma no processo criativo. Ele levou a ideia pra discutir com a presidente da DC Comics na época, Jenette Kahn, que só pediu que aquilo não fosse usado em algo insignificante. Ele topou a empreitada. Era hora de dar ao público a chance de decidir o que aconteceria com Jason. “Ele era o candidato mais lógico porque tínhamos razão para acreditar que ele não era popular, de qualquer forma”, explicou O’Neil em Notes from the Batcave: An Interview with Dennis O’Neil, dos autores Roberta Pearson e William Uricchio. “Era uma iniciativa grande o suficiente que não podíamos fazer com um personagem pequeno”.
Aí, como foi que rolou: tivemos o tal arco Morte em Família, no qual Jason descobre que Catherine Todd não era sua mãe biológica, o que o faz usar as habilidades investigativas aprendidas com Bruce + todos os recursos da fortuna Wayne para descobrir a verdade. E aí que ele vai parar na Etiópia, onde descobre Sheila Haywood, a mulher que lhe deu à luz, trabalhando como voluntária para ajudar as vítimas da guerra. Mas adivinha quem vinha chantageando a pobre mulher em busca de suprimentos médicos a serem usados em situações pouco nobres? O Coringa, vejam vocês.
Ao final da edição 427 do gibi do Batman, o Palhaço do Crime ataca Jason impiedosamente com uma barra de ferro, deixando ele e Sheila para trás, em um armazém abandonado com uma bomba relógio. E na contracapa, bingo, estavam lá os dois números 1-900 pros fãs ligarem: um pra quem quisesse que ele sobrevivesse, outro pra quem preferia vê-lo morto. Bem Você Decide, para quem é brasileiro e tem mais de 20 anos de idade NO MÍNIMO. Enfim, o período de votação durava 36 horas. Foram recebidos exatamente 10.614 ligações, sendo que a morte de Jason Todd ganhou por uma margem bem pequena, 72 votos (5.343 x 5.271).
A bomba explodiu e o Batman não chegou a tempo de impedir, tomando o corpo inerte do Robin 2 em seus braços. A mãe de Jason ainda viveu tempo suficiente para dizer ao Cavaleiro das Trevas que o garoto lutou, mesmo ferido mortalmente, para protegê-la. Seus corpos foram então levados de volta a Gotham City para terem um enterro digno — e a lembrança da morte de Jason Todd se tornou uma espécie de fantasma na vida do Batman. O uniforme deste segundo Robin ali, exposto na batcaverna, como um lembrete daquele que foi considerado seu grande fracasso. Para ser bem franco, o Batman inclusive esteve pronto para acabar de vez com o problema e matar o Coringa. Porém, acabou impedido pelo Superman – que, na real, também sabia que seria um duplo problema, já que o Coringa tinha conseguido imunidade diplomática de um país árabe e sua morte poderia inclusive servir de estopim para uma guerra.
Maaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaas... no material bônus da animação Batman Contra o Capuz Vermelho (2010), que adapta a morte e posterior ressurreição de Jason Todd como vilão usando a identidade que outrora foi do próprio Coringa, O’Neil comenta mais oficialmente um papo de bastidores que leva a crer que a votação pode não ter sido assim tão justa... “Eu ouvi dizer que um cara, que programou seu computador para discar o número de Jason Dies a cada noventa segundos ao longo de oito horas, foi quem realmente fez a diferença. Um advogado usando um Macintosh e morava na Califórnia. Obviamente não tenho informações concretas sobre isso. (...) Se esta história for verdadeira, este cara matou Jason Todd”.
Mas apesar da reação negativa de parte dos fãs e mesmo de alguns representantes da própria indústria (“Pra mim foi provavelmente a coisa mais horrenda e cínica que já vi nos quadrinhos”, afirmou ninguém menos do que Frank Miller, para quem quisesse ouvir), não apenas a DC manteve a morte por bastante tempo como ainda apresentou um TERCEIRO Robin, Tim Drake, praticamente um ano depois. O segredo de Drake ter se tornado hoje um dos favoritos dos fãs, em alguns casos até superando o próprio Dick? Marv Wolfman e Pat Broderick, os criadores responsáveis, fizeram ele ser primeiro ser apresentado ao Dick, já como Asa Noturna, criando uma conexão entre ambos. Depois, ele seria gradativamente introduzido no mundinho do Batman, demorando até que o treinamento começasse e ele assumisse a persona de fato.
Mas se a gente levar em consideração, no fim, que o quarto e atual Robin, Damian Wayne, o único da linhagem a ser filho biológico do próprio Bruce, é justamente o mais marrento de todos, 200% mais insuportável e arrogante do que Jason jamais foi, bom, dá pra entender que a DC pelo menos aprendeu ESTA lição: um bom personagem, que faz sentido para a história, não precisa necessariamente precisa ser o queridinho dos fãs. Afinal, quem foi que disse que os fãs estão sempre certos, não é mesmo? ;)
Manter Jason Todd vivo em Titans, a série, é a escolha narrativa mais certeira. Atendendo a um pedido pessoal do próprio Batman, para que o garoto fosse treinado por Dick como parte de seus Novos Titãs para aprender um pouco de humildade e trabalho em equipe, temos um elemento disruptivo ali, alguém que mexe com as relações entre os integrantes, que provoca, que cria tensão. É disso que se trata uma boa história de time, afinal.
Aqui no Brasil, Morte em Família saiu recentemente em dois formatos de colecionador, completinha, pra quem quiser conferir: tanto pela Panini, dentro do selo “Clássicos DC Comics”, quanto pela Eaglemoss, na edição 11 da coleção de Graphic Novels da DC.