Com enredo intimista, Pacificado entrega algo brutal e significativo que mostra os efeitos sociais, culturais e até psicológicos da cultura das drogas e do próprio enfrentamento constante do estado na guerra contra elas
Se você mora nas comunidades do Rio de Janeiro ou minimamente acompanha o noticiário policial, já ouviu o termo “pacificação” usado para nomear a operação do governo que tinha como objetivo erradicar o crime e o narcotráfico antes dos Jogos Olímpicos de 2016.
Partindo desse cenário, Pacificado acompanha Tati (Cassia Gil), uma introspectiva garota de 13 anos que tenta criar um laço com o pai, Jaca (Bukassa Kabengele), que acaba de sair da cadeia. Enquanto um eminente confronto entre polícia e traficantes começa a fervilhar com o fim dos Jogos, Tati e Jaca precisam conviver com forças conflitantes que ameaçam um futuro esperançoso para ambos.
Nascido no Texas, o diretor, escritor e fotojornalista Paxton Winters morou por oito anos no Morro dos Prazeres com o pretexto inicial de fugir dos altos aluguéis da cidade por causa dos grandes eventos internacionais. Nesse período, o cineasta decidiu contar uma história na comunidade com uma equipe que pessoas que moram ali e conhecem a realidade do lugar. E assim nasceu Pacificado, uma história que foge dos estereótipos das comunidades cariocas.
Escrito por Winters, Wellington Magalhães e Joseph Carter, o filme aborda questões como dependência química e a brutalidade dos traficantes, mas o ponto central está nas relações interpessoais, fazendo um retrato de uma família que deseja uma vida sem violência para se conectar e encontrar paz em um ambiente turbulento. Winters se preocupa em apresentar as complexas relações nessa comunidade, tanto para as famílias que apenas desejam viver suas vidas pacificamente quanto para a delicada rede hierárquica que deve ser respeitada por todos.
Preso quando era o chefe da comunidade, Jaca retorna para casa com o desejo de ter uma vida tranquila, abrindo uma pizzaria para se manter afastado do crime. Com a comunidade incomodada com o atual chefe, os moradores recorrem à Jaca para resolver problemas diversos, como uma discussão entre vizinhos ou um ex-marido que não paga pensão para os filhos.
O retorno de Jaca também muda a vida de Tati, uma garota inteligente que deseja criar uma ligação com o pai que nunca conheceu, enquanto lida com a mãe dependente química e o ambiente vulnerável onde mora. Pacificado apresenta três personagens presos em um ambiente que limita e condiciona suas escolhas diárias.
Sendo a mais nova, Tati sempre tem sua vida modificada pelas escolhas dos adultos ao seu redor, seja pelas decisões da mãe ou pela distanciamento do pai. Enquanto a mãe Adriana (Débora Nascimento) está cada vez mais presa no seu próprio vício, Jaca e Tati estão unidos pela mesma dificuldade de conseguirem se livrar da atual realidade, mesmo que essa ligação demore para se desenvolver.
Mas a vida pacífica que ambos querem viver é ilusória, já que o ambiente não permite que eles se afastem do que querem fugir. Sem se afastar da realidade das comunidades, Pacificado usa Jaca como um objeto de redenção e Tati como um símbolo de esperança, mesmo que para alcançar algo próximo da paz ambos precisem fazer escolhas difíceis.
Sabiamente, Winters evita o sensacionalismo ao não glorificar ou enaltecer violência de qualquer tipo, preferindo mostrar de uma forma bastante honesta que esse é um elemento comum presente na vida dessa comunidade. Esse é um filme em que a violência é mais emocional e psicológica do que constantemente física ao mostrar como um ambiente vulnerável influência nas escolhas feitas por essas pessoas. O desenrolar do enredo de Tati exemplifica bastante isso.
Com um enredo intimista, Pacificado entrega algo brutal e significativo que mostra os efeitos sociais, culturais e até psicológicos da cultura das drogas e do próprio enfrentamento constante do estado na guerra contra elas. Todos personagens são afetados por esses mesmos elementos, direta ou indiretamente.
Ao apresentar justamente todos esses elementos com bastante eficiência, Pacificado nos faz refletir sobre o sacrifício diário de viver dignamente, se equilibrando entre não se tornar uma vítima ou um agressor, apesar das circunstâncias.