Entre potentes histórias dramáticas e documentários com temas bem pesados, existe este filme extremamente doce sobre uma jovem mulher que nunca conseguiu lidar com suas perdas prematuras e decidiu se fechar para o mundo
Nesta verdadeira maratona de que estou fazendo pra cobrir os destaques da imensa programação da 43ª Mostra de SP, me vi afundada em histórias e narrativas bastante densas, como um todo... até me deparar com esta pequena pérola doce e envolvente.
Cleo – Se Eu Pudesse Voltar no Tempo acompanha a personagem-título, uma criança muito criativa que anda sempre na companhia de seus amigos imaginários, uma trupe que inclui Albert Einstein e Marlene Dietrich. Apaixonada por Berlim, sua cidade natal, Cleo deseja ser capaz de viajar no tempo com a ajuda de um relógio mágico roubado em um assalto na década de 1920 e que está desaparecido desde então. Só que essa busca acaba em tragédia e a agora jovem Cleo (Marleen Lohse) se fecha para o mundo e se torna uma adulta solitária, evitando qualquer relacionamento para fugir de novas dores.
Até que um dia surge Paul (Jeremy Mockridge), que jura que seu mapa do tesouro pode levá-los até os tais objetos roubados no assalto de 1920. Com a ajuda de alguns aliados, Cleo e Paul partem em uma aventura divertida pela fascinante e apaixonante Berlim, sem deixar de fora o passado assombroso da cidade.
Cleo é um filme extremamente doce sobre uma jovem mulher que nunca conseguiu encarar e lidar com suas perdas prematuras e decidiu criar muros ao redor de si, com regras como “não deixar as pessoas se aproximarem”, “fugir das maluquices da cidade” e “não acreditar em magia”.
Mas a medida em que ela e Paul atravessam Berlim seguindo um mapa do tesouro, eles se tornam cada vez mais próximos. Mesmo com seu temor em sofrer novas perdas, Cleo deseja criar uma conexão genuína com outras pessoas e a incansável busca para salvar seus pais é uma prova disso. O problema é que, em sua busca para encontrar o relógio, ela perde a oportunidade de olhar para o que está ao seu lado.
No primeiro longa-metragem do alemão Erik Schimitt, a história co-escrita com Stefanie Ren apresenta detalhes idiossincráticos verdadeiramente fascinantes e tornam esse enredo simples numa história notável – que também podem ser encontrados no seu curta-metragem Rhino full Throttle, disponível no YouTube. O diretor usa diversos truques visuais desde ilusões de ótica até sequências em animação para dar um toque diferente para a trama.
Esses elementos visuais também são importantes para nos orientar sobre o estado psicológico de Cleo, como as plantas vibrarem ao seu redor quando ela está brava ou o apartamento ficar do tamanho do seu quarto no orfanato quando ela está ansiosa. Com muita capacidade, Lohse consegue transmitir a vulnerabilidade de uma mulher incapaz de deixar o passado para trás e focar no futuro.
O trabalho do diretor de fotografia Johannes Louis também é fundamental para dar vida à Berlim e torná-la uma cidade mágica, onde qualquer coisa pode acontecer. Junto com uma trama preocupada em se desprender do passado tenebroso da cidade, a capital alemã pulsa com cores intensas de um perfeito verão europeu. Pelas mãos de Cleo, Schimitt e Louis criaram uma cidade manipulável e muito mais viva. Mesmo com um final daqueles meio óbvios de comédias românticas, Cleo – Se Eu Pudesse Voltar no Tempo ainda consegue ser inesquecível.