Quase 50 anos depois, filme sobre a gravação do álbum Amazing Grace, de Aretha Franklin, enfim chega aos cinemas
Nas noites de 14 e 15 de Junho de 1972, Aretha Franklin e sua banda gravaram o álbum Amazing Grace na New Temple Missionary Baptish Church em Los Angeles, com o Reverendo James Cleveland e o Southern California Community Choir. Representando o retorno da cantora de soul às suas origens, a Warner Bros. contratou o diretor Sydney Pollack para filmar a gravação como parte da estratégia de divulgação do álbum.
Entretanto, por causa da falta de uma claquete, Pollack e sua equipe descobriram que o som e as imagens não estavam sincronizadas como deveriam. Depois de muitas tentativas de sincronizar o som com um gravador, Pollack desistiu do projeto e as imagens foram guardadas em um cofre.
Apenas em 2007 o produtor Allan Elliott conseguiu a benção de Pollack para terminar o projeto e hipotecou sua casa para comprar as filmagens ainda em propriedade da gravadora. Apesar da autorização do diretor, Elliott passou anos enfrentando legalmente Franklin pelo direitos das imagens, que ela cedeu à gravadora apenas na época. Após anos de lutas judiciais, a cantora faleceu em 16 de Agosto de 2018 e os novos executores dos bens de Franklin aprovaram o lançamento do filme quase 50 anos depois. Com o avanço da tecnologia digital, finalmente o filme pode ser sincronizado e finalizado.
Sem quaisquer imagens adicionais, o poder de Amazing Grace, o filme, está na construção do equilíbrio perfeito entre fé e showbiz. Enquanto você pode se perder nas músicas e na inesquecível voz de Franklin, os louvores ainda lembram que essa é uma noite de culto e as pessoas estão ali para celebrar uma religião.
É delicioso como Amazing Grace tem uma montagem despreocupada em transformar essas imagens em um show visualmente limpo e perfeitamente cronometrado de uma das maiores cantoras da história. Os enquadramentos desfocados, os cortes e movimentos bruscos e a câmera um tanto desorientada em alguns momentos dão um caráter mais cru e vivo ao material. Claro que as imagens passaram por um claro tratamento, mas nada que as retire da sua época.
Pollack soube exatamente quando manter o foco da câmera para que pudéssemos nos sentir presentes nessa igreja. Mas, principalmente, tornar testemunhas de pequenos momentos como as expressões da cantora e dos membros do coral nos close-ups, o suor escorrendo de cada rosto e a expressão de puro júbilo da platéia em estar vendo algo único. Junte essas imagens com a força do retorno de Franklin às suas origens musicais, familiares e espirituais, e o documentário ganha um peso ainda maior.
Durante as duas noites de gravações, Franklin é doce e curiosamente contida, mas seu comportamento muda visivelmente quando canta. Diferente do carismático Reverendo James Cleveland, que lidera facilmente o seu rebanho entre orações e gracejos, Franklin só se dirige à platéia para agradecer. Entre o púlpito e o piano, a cantora parece quase em transe completamente focada nas canções e em sua fé. Os últimos momentos do documentário registram um único movimento mais dramático da cantora, uma culminação de toda sua concentração.
Com uma platéia bastante enxuta no primeiro dia, a cantora interpreta uma das canções mais bonitas do álbum e que leva o Reverendo às lágrimas. Depois de uma primeira noite impressionante, os bancos da igreja lotam no dia seguinte e presenças ilustres são registradas, como um jovem Mick Jagger – de quem Pollack deveria ser fã, porque a câmera parece seguido em determinados momentos. Mas é o Reverendo CL Franklin, pai da cantora, proporciona um dos momentos mais bonitos do documentário ao ir ao púlpito relembrar com carinho e orgulho a infância da filha. Sentada quietinha, vemos uma força da natureza olhar admirada para o pai.
Estou longe de ser uma pessoa religiosa, no entanto foi difícil segurar as lágrimas ao ver Aretha Franklin cantar com tanta paixão alguma das suas canções gospel favoritas e, em dado momento, ela simplesmente esquece que está em uma gravação de um álbum e simplesmente canta sozinha, de olhos fechados, sua fé.