Do mesmo diretor de A Bruxa… :P
“Um conto hipnótico e alucinatório que acompanha Thomas Wake (Willem Dafoe) e Ephraim Winslow (Robert Pattinson), dois guardiões de um farol em uma remota e misteriosa ilha de New England na década de 1890”. Essa sinopse de O Farol, no filme de Robert Eggers, pode parecer muito simples, mas essa era exatamente a intenção do diretor eseu irmão Max, criadores da história.
Presos na ilha e sem previsão de resgate depois de uma piora no tempo, a convivência entre os dois faroleiros começa a se desgatar rapidamente, se tornando tempestuosa e beligerante. Eles passam a lidar com o que podem ser alucinações, frustração sexual, ou até mesmo um ataque sobrenatural causado por uma atitude equivocada de um dos faroleiros.
O Farol é o tipo de filme de terror que pode decepcionar os fãs mais tradicionais do gênero que esperam a grande aparição de um monstro emblemático. Na verdade, o próprio Eggers comentou, na coletiva de imprensa realizada em São Paulo durante a Mostra de SP, que classificava seu filme como um suspense e não como um terror – apesar de afirmar em não se importar em como classificam seus filmes. O terror de O Farol está no clima de inevitabilidade que o diretor constrói desde o momento em que os personagens pisam na ilha e veem o navio ir embora, com a câmera completamente focada nos dois personagens, que parecem estar olhando diretamente para você.
O Farol ainda é um filme bastante claustrofóbico por um conjunto de elementos bem sucedidos, como a trilha sonora de Mark Korven que te sufoca junto com os sons do ambiente, os diálogos complexos e inquietantes entre os personagens, além de imagens que não parecem confiáveis. Eggers fez aquele tipo de filme que você não confia no que está vendo e sai da sala de cinema tocando nas paredes para saber se é real.
Parte fundamental dessa atmosfera está na sensação de insanidade iminente que acaba tornando o filme ambíguo, mesmo com o diretor lidando com essa loucura explicitamente. O charme de O Farol é não termos certeza se essa história é uma fantasia ou um suspense psicológico causado pelo isolamento e superstição.
Essa incerteza foi criada na inteligente escolha de Eggers e seu diretor de fotografia Jarin Blaschke em contar a história inteiramente pela perspectiva de Winslow – em raríssimos momentos vemos o ponto de vista de Wake, e isso é ótimo pois o personagem mantém uma aura misteriosa. Desde a primeira cena dele observando o navio desaparecer na neblina até a penúltima cena. Esse narrador não confiável e isso é fundamental para a sensação de estranheza desse filme. Mas nada disso funcionaria se Pattinson e Dafoe não entregassem atuações impecáveis – Dafoe, particularmente, parece possuído.
O texto dos irmãos Eggers tem pequenos elementos de obviedade importantes para te orientar em determinados pontos, mas grande parte dessa ambiguidade é construída em diálogos importantes, principalmente na estruturação da conflituosa relação entre os dois homens em que alguém em posição de poder está constantemente empurrando seu subordinado. Essa briga por poder acaba agregando noções clássicas de masculinidade tóxica, além de uma tensão sexual em alguns momentos com a busca por conforto em situações extremas. M
Filmado em preto e branco, Eggers comentou na coletiva de imprensa que escolheu câmeras que datavam da década de 1930 e uma lente de 1912 para compor as imagens granuladas e texturizadas. Assim como A Bruxa, sua belíssima estreia em longas-metragens, Eggers fez uma obra de época impressionante com um design de produção tão detalhado que parece que estamos vendo um filme de 1930, principalmente pela proporção 1.19:1 escolhida. A equipe ainda construiu um edifício do zero para ter controle total dos cenários, principalmente ao lidar com câmeras que não são exatamente tecnológicas.
Apesar de um ou outro susto deliberado causado principalmente pela edição, Eggers prefere construir a tensão lentamente e evita utilizar os tradicionais sustos que o terror/suspense tanto se aproveita. O diretor usa a edição e as montagens bruscas para determinar um ritmo cada vez mais errático e inquietante.
Com todos os detalhes pensados para a construção dessa atmosfera, O Farol é puro cinema.
Se em A Bruxa Eggers mostrou que era perfeitamente capaz de explorar elementos tradicionais do terror ao olhar para o passado e criar algo novo – a vertente feminista da sua primeira história nunca foi uma escolha deliberada do diretor -, O Farol mostra que ele está empenhado em dar sua própria versão aos folclores de marinheiros e adicionar elementos atuais que fazem toda a diferença.