Watchmen é o que Watchmen tem de melhor | JUDAO.com.br

O que parecia impossível se tornou realidade num nível que a gente não tava preparado pra ver. E agora tamos aqui, torcendo JUSTAMENTE pra não inventarem de fazer uma nova temporada.

SPOILER! Era uma vez um Thiago de uns 12, 13 anos de idade, que fazia um curso de quadrinhos no aprazível município de Santos. E este moleque, sabe, não tinha lá muita internet pra se informar das coisas da cultura pop, até porque a própria internet não tinha muita internet naquela época. Aí, ele gastava parte da mesada numa revista, daquelas impressas mesmo, chamada Wizard. Que tinha uma seção que ele amava, chamada Casting Call, na qual os editores se divertiam escalando elencos fictícios para adaptações fictícias de seus gibis favoritos. Porque, sabe, naquela época não existia este tantão aí de filme baseado em HQ.

E quando toda a galera do curso tava junta lendo e discutindo a potencial escalação de Watchmen, vejam vocês, o professor interrompeu a conversa e colocou na cabeça daquele bando de moleques a regra absoluta do universo. “Watchmen é infilmável”. A regra rondou a cabeça do jovem Thiago durante anos e, bom, meio que se provou verdadeira depois que um tal visionário diretor resolveu fazer a sua versão para a telona — ainda que, dizem por aí, a tal da Ultimate Cut seja no mínimo DIGNA.

Só que aí, vejam só, era uma vez também um sujeito chamado Damon, que amava pra caralho Alan Moore mesmo que o Alan Moore sequer desse a mínima bola pra ele. Aí, o menino Damon resolveu provar que a regra do professor do menino Thiago fazia sentido. Mas resolveu SUBVERTER a regra. Porque, ao invés de transformar aqueles doze gibis em uma série, ele foi lá e atualizou, pegou o que funcionava, ampliou o que o ~roteirista original apenas pincelou.

O resultado? Damon, que vê a HQ original como uma sequência da fictícia Minutemen, fez a sua própria sequência. Fez mais do que filmar o infilmável: Damon Lindelof fez Watchmen. O mesmo Watchmen de Alan Moore e Dave Gibbons agora tem Damon Lindelof em sua história.

E é exatamente por isso que a série deveria acabar naquele exato momento em que terminou. Uma história linda, que a gente nem JAMAIS imaginou que precisava tanto ver, com começo, meio e fim, como podia e devia ser. Segue o baile. “Ah, mas sobraram perguntas sem respostas”, justificam alguns. “Não, porque ainda tem alguns ciclos e...”. Gente, e daí?

A jornada tá completa. Tá tudo bem. A gente não precisa saber tudo sobre todo mundo do universo. Podemos QUERER isso, mas até que ponto é só um desejo pessoal, uma curiosidade NOSSA, ao invés de um ponto importante da trama? Você entendeu a trama ou ficou tentando adivinhar coisas e buscar respostas a perguntas que você mesmo criou?

Regina King está esplêndida no papel principal, simplesmente brilhando naquele que deve ser um episódios mais poderosos, intensos e lindos, do ponto de vista cinematográfico, que uma série já viu em muitos anos. This Extraordinary Being, o sexto capítulo, cria uma nova camada de significado para o Hooded Justice, personagem que Moore apenas introduz naquelas hoje lendárias 12 edições. É o mesmo que a série faz, aliás, com o Doutor Manhattan, que demora o tempo exato para aparecer mas, quando aparece, é uma cartada certeira. Quando somos enfim apresentados à sua forma pouco convencional de enxergar o tempo, passado/presente/futuro tudo ao mesmo tempo agora, é uma provocação maravilhosa, que pega o seu cérebro e diz assim: “ôpa, pensou que tava entendendo tudo, então vem aqui que vou te mostrar uma coisinha”.

A presença do Dr. Manhattan, aliás, é um outro argumento para que a série não ganhe uma continuação. Da mesma maneira que ele é o CENTRO da história na HQ, nada teria acontecido nessa série sem sua existência — EXISTÊNCIA, não presença. E agora, como é que faremos?

O mundo vai seguir seu rumo, da mesma forma que seguiu em 1985. A diferença é que agora não há mais nenhum super-homem em Marte... Como nunca houve. :)

Numa performance majestosa de Jeremy Irons, exagerado e caricato da maneira certa, vemos Adrian Veidt / Ozymandias enfim sendo compreendido em toda a sua sutileza fora das páginas dos quadrinhos, numa subtrama surreal e nonsense que não parece fazer sentido logo de cara mas que, conforme vai se afunilando, se mostra fundamental para o todo. A genialidade e egolatria estão lá, com uma deliciosa pitada de humor, explorando um lado meio ridículo em troca da visão quase angelical que o sujeito carregava nos gibis.

Decisão acertadíssima.

Watchmen é um presente para quem leu os quadrinhos, mas também funciona como poesia pura pra quem nunca leu. A narrativa, a edição, a fotografia, é ARTE, com uma história que é estranha o bastante para despertar a curiosidade de quem não faz ideia de que Alan Moore existe. Ambas são experiências poderosas que se complementam de um jeito que dá gosto de presenciar. Além disso, como alguém disse outro dia no Twitter, a série permite a todo mundo que leu o gibi poder ter a experiência de lê-lo como se fosse a primeira vez.

Provavelmente isso vai permitir que o mesmo aconteça com a série.

Vejam Watchmen. Leiam Watchmen. Porque a gente vive neste mundo. No qual o que parecia apenas um conto de fadas distante, uma lenda, um MITO, hoje é real. Sai a Guerra Fria de outrora, a ameaça nuclear entre EUA e Rússia, entram os racistas, neonazistas e fascistas e agora. O que será que vem a seguir?