Ou porque até as garotinhas pré-adolescentes passaram a curtir vampiros, lobisomens, múmias e zumbis…
Dia destes, eu estava no metrô, em São Paulo, e me deparei recentemente com o seguinte diálogo: “só vi hoje aquele episódio de Walking Dead em que a Lori morreu”, disse o interlocutor 1. “Sério? Em que século você vive?”, retrucou o interlocutor 2. “Deixa de bogagem. Não deu pra ver antes. Mas agora engoli todos os episódios, até esta primeira metade da quarta temporada”, voltou o interlocutor 1. “E aí, tá gostando?”, quis saber o nosso número 2. “Amando. Fazia muito tempo que eu queria ver os zumbis devorando a Lori, se você quer saber. Amaria mesmo vê-los destroçando os miolos dela”. Seguem-se risadas frenéticas.
O que me causou mais estranheza, claro, é que os dois interlocutores não eram os típicos nerds fãs de quadrinhos/séries de TV de ficção científica, fantasia ou terror a caminho da convenção mais próxima. Eram, na verdade, duas garotas do alto de seus 15/16 anos, aspirantes a fashionistas e usando aquelas camisas dos Ramones deixando um dos ombros à mostra, bem ao estilo das vendidas na loja de departamentos mais próxima. E elas estavam com suas bolsas das Monster High, falando empolgadíssimas sobre sangue, tripas e cadáveres caminhando com seus corpos caindo aos pedaços em busca de tripas para saciar sua fome sem fim.
“Com certeza dá pra se dizer que o terror está se tornando mais pop e saiu do armário”, afirma Marcos Efe, autor do blog especializado 101 Horror Movies (e que você ainda vai ver falando bastante sobre isso aqui no JUDÃO). Pra ele, no entanto, este é um fenômeno que está retornando, já que nos anos 1980 o terror também viveu uma fase de extrema popularidade. “É só lembrar do estardalhaço que o clipe de Thriller do Michael Jackson fez com seus zumbis, a febre das fitas VHS nas locadoras e os personagens icônicos como Freddy e Jason que foram criados naquela década”. Ele completa recordando que o gênero realmente passou por maus bocados depois disso, principalmente nos malfadados anos 90, quando voltou para a obscuridade. Do underground para o mainstream... e depois novamente para o underground. “O que era gênero de culto e de nicho se transformou em possibilidade de altos lucros e diferentes franquias. É um gênero de custos geralmente medianos ou baixos, aumentando ainda mais a rentabilidade”, opina o crítico de cinema Christian Petermann, fã declarado de filmes de terror.
[one-half last=”true”]Petermann tem uma opinião ligeiramente diferente – e defende que, com a internet, a acessibilidade viral e as redes sociais, os ritos de passagem acontecem cada vez mais cedo (leia-se ver o primeiro nu em um filme, ver e dar o primeiro beijo, ter acesso a cenas fortes de violência) – e isto para o bem e para o mal. Se é inimaginável pensar em assistir na telinha à carnificina gráfica de Walking Dead nos anos 1980 e 90, é fato que o espectador de hoje está tão adormecido / entorpecido com a violência real e cotidiana exibida na TV e nas redes e passou nos cinemas por franquias como A Bruxa de Blair, Jogos Mortais e Atividade Paranormal, entre outros”. Além disso, ele afirma que, numa sociedade atolada de atrações e referências, é sempre preciso oferecer algo a mais (em termos de sangue e/ou suor) para o produto se destacar e criar fidelização. “Walking Dead é decorrência do sucesso literário e cinematográfico do gênero fantástico como um todo, numa nova era de ouro na TV, apelando para sentidos cada vez mais extremos”.[/one-half] [one-half]Para Efe, no entanto, essa é uma mudança positiva, que traz o universo do terror para mais perto do público, principalmente dos jovens, que são um dos maiores mercados consumidores do mundo pop, e o torna mais acessível, além de conseguir atrair uma audiência mais ampla, o que seria impossível se só houvesse sangue e tripas nas telas. O segredo estaria na premissa de colocar os monstros como os zumbis, vampiros, lobisomens e afins, dentro de um contexto social para aproximá-lo do espectador médio. “The Walking Dead, por exemplo, trata muito mais dos relacionamentos e dramas humanos em meio a uma hecatombe zumbi do que dos mortos-vivos em si. Já a Saga Crepúsculo capturou os jovens por conta dos problemas existenciais e amorosos em ser um vampiro apaixonado por uma humana e vice-versa”, opina.
A imprensa internacional parece concordar mais com a opinião de Efe. Em um artigo no qual analisa a razão para as audiências ainda bastante substanciais de The Walking Dead no começo de sua quarta temporada, o colunista Brian Lowry lembra que os roteiristas acertaram ao relembrar os espectadores que estes mortos-vivos foram, em algum momento, outros seres humanos, o que ajuda a tornar a experiência do terror mais próxima. “Claro, eles são monstros descerebrados agora, mas não eram antes do mundo se tornar um inferno – e isso nos dá uma amostra das perdas que aconteceram antes mesmo de Rick acordar do coma”, diz Lowry.
[one-half]Aqui no Brasil, The Walking Dead também é um sucesso que não dá pra ignorar. De acordo com um ranking inédito obtido com exclusividade pelo bem relacionado jornalista Daniel Castro, do site Notícias da TV, TWD foi a estreia mais vista da TV paga brasileira entre todos os primeiros episódios de séries inéditas de ou de novas temporadas exibidas desde meados de setembro. O primeiro episódio da quarta temporada da série de zumbis pós-apocalípticos, exibido por aqui pela Fox, foi assistido por 207.575 mil telespectadores nas nove regiões metropolitanas em que o Ibope mede audiência de TV por assinatura em nosso país.Não é diferente na TV aberta. A coluna Outro Canal, do jornal Folha de S.Paulo, afirma que a atração vem registrando índices de audiência maiores que alguns programas ao vivo na Band. A série tem uma média de 5 pontos no Ibope, sendo que cada ponto equivale a 62 mil domicílios na Grande São Paulo.[/one-half][one-half last=”true”]
E você pensa que o hábito de se baixar episódios, com legenda e tudo mais, horas depois de sua exibição nos EUA, tiraria a força da série também como produto de vendas, no mercado de home vídeo? Engana-se. “The Walking Dead é um fenômeno de vendas. Com certeza nos surpreendeu e continua surpreendendo. A série sempre está presente na lista dos 10 mais vendidos”, conta Sidney Gennaro Jr., diretor de vendas da PlayArte, empresa responsável pelo lançamento do título no Brasil desde a primeira temporada. Ele carimba que a série está sendo uma espécie de divisor de águas, um sucesso que trouxe com ele uma legião de novos fãs para o gênero do terror. Mas ele não enxerga este nicho que The Walking Dead supostamente teria aberto como sendo uma moda passageira – e nem que isso tenha facilitado que toda produção com zumbis e congêneres possa ser sinônimo de êxito. “Não são todos os filmes do gênero que são aplaudidos pelo consumidor final”, afirma Gennaro. “Temos que ter muita atenção nos fãs. Eles têm faro para um bom produto”.
Fãs das antigas, Zotto diz que não condena esta nova geração de fãs de terror, dos maníacos por Rick e sua trupe às garotas apaixonadas por Edward e Bella, mas afirma: só pode considerar a pessoa como uma verdadeira amante de bons sustos se ela passar pelo teste d’Os Três: Poltergeist, Ringu (“O Chamado”, original japonês) e O Exorcista. E ainda arrisca, sobre o futuro: “aos antigos amantes de grandes obras arrepiantes, resta aguardar para ver o quanto esta onda mainstream ainda nos renderá verdadeiros filmes de terror”.
E o que é terror de verdade pra você? O que te assusta?