Estamos criando uma bolha no mercado de HQs colecionáveis? | JUDAO.com.br

Comix aumenta em até 700% o preço de publicações recentes em resposta ao mercado especulativo e levanta a questão: será sustentável?

Bolha. Você já deve ter ouvido essa expressão em algum momento recente. Pode ter sido sobre o mercado imobiliário brasileiro (principalmente nas grandes capitais), que teve um aumento enorme nos valores cobrados nos últimos anos. Ou, se você é ligado na história da tecnologia, sabe da bolha da bolsa NASDAQ no final dos anos 90.

Aquela bolha noventista explodiu e levou muita gente à falência. Essa atual, a imobiliária, sempre falam que vai explodir – ou, no mínimo, diminuir. Mas, e se eu te falar que (guardadas as devidas proporções) podemos estar começando a viver uma bolha mais nerd? Uma bolha no mercado de HQs usadas. Pois é.

O sinal mais claro surgiu recentemente. A Comix Book Shop, a principal loja de quadrinhos de São Paulo e que também atua como distribuidora e loja online, aumentou os preços de algumas publicações mensais recentes da DC, pós-reboot – ou, editorialmente falando, da fase Os Novos 52. São revistas já esgotadas na editora, a Panini, que realmente já são difíceis de serem encontradas. Em alguns casos, como Batman #2, o preço saltou dos R$ 5,90 escritos na capa para R$ 49,90 cobrados no caixa. Inclusive, o novo preço segue uma tabulação diferente dos originais. Batman #1, originalmente R$ 6,50, também está por R$ 49,90. O caso é idêntico ao de A Sombra do Batman #1, que foi vendido em junho de 2012 por R$ 14,90.

Batman #1, de 2012: relançamento tem R$ 6,50 como preço de capa

Batman #1, de 2012: relançamento tem R$ 6,50 como preço de capa

Os aumentos não acontecem apenas nas primeiras edições. A Sombra do Batman é comercializado pelos mesmos R$ 49,90 até a edição 10. O mesmo acontece com Batman. No último exemplo, os valores chegam a ser mais de 700% maiores que os cobrados pela Panini em 2012.

Poderia continuar com exemplos por mais alguns parágrafos – há outras revistas do Batman, além de Lanterna Verde, Superman, Flash, Dark, Liga da Justiça e outras que estão sendo vendidas por preços entre R$ 49,90 e 29,90. No total, de acordo com a própria Comix, foram “no máximo” 100 itens que tiveram esse tipo de aumento, entre os mais de 10 mil que estão no catálogo da loja.

“Isso se deve por serem revistas esgotados na editora e haver uma grande procura. Se você olhar, o título Edge não foi alterado o valor pois sua procura é mínima. Outras edições mais antigas da DC não aumentaram o valor”, explica Jorge Rodrigues, dono da Comix. “Esse é um fato que acontece no mundo inteiro. Os títulos procurados que se encontram esgotados se tornam raros e têm seus valores elevados”.

Realmente, quando olhamos para o mercado dos EUA, a inflação das HQs é uma questão antiga. O mercado de quadrinhos usados por lá é extremamente desenvolvido (assim como muitas outras coisas), motivado não só pelo espírito colecionador do estadunidense, mas também pela verdadeira adoração que o povo de lá tem pela pop art e pelos seus personagens mais icônicos. Um gibi raro do Superman é um artigo de luxo tanto quanto um quadro de Andy Warhol. Há empresas especializadas, inclusive, na classificação e contabilização desses gibis mais antigos (ou não tão antigos assim).

Só que o mercado dos EUA também tem seu tropeço histórico, uma bolha que explodiu no começo dos anos 90. Com a crescente valorização de edições raras antigas, leitores, colecionadores e donos de comic shops começaram uma busca implacável pelo futuro pote de ouro. As grandes editoras (leia-se Marvel e DC) perceberam a demanda e inflaram o mercado com “edições de colecionador” e “capas variantes”. Um mesmo gibi poderia ter diversas capas, uma prática que existe até hoje, ok. A questão é que, naqueles tempos, todo mundo achou que os gibis teriam uma enorme valorização com o tempo. Surgiu o mercado especulativo e os revendedores passaram a pedir centenas de exemplares da mesma edição. Spider-Man #1 vendeu 2 milhões de exemplares em 1990. X-Men #1, do ano seguinte, tem a maior tiragem já registrada na história das HQs nos EUA: OITO milhões.

X-Men #1: oito milhões de exemplares, valor quase zero

Mas aí então apresento a lógica que qualquer fã do programa Trato Feito conhece: o que tem muito, vale pouco – não importante se é velho ou novo. Dessa forma, a expectativa de valorização daqueles gibis nunca foi alcançada. Hoje, X-Men #1 pode ser encontrado por US$ 4 no eBay. Não demorou para a bolha explodir, o mercado retrair e afastar não só os especuladores, mas os leitores que se cansaram de não serem mais a prioridade das editoras. Como consequência, a Marvel quase faliu e se viu obrigada a pedir concordata.

Ok, trata-se de um exemplo extremo – mas esse é o mais claro dos efeitos nocivos de uma bolha no mercado de gibis.

Causas, consequências e alternativas

Voltando ao mercado brasileiro: o aumento de preços da Comix não é um acontecimento isolado. Rodrigues relata que era comum especuladores identificarem títulos esgotados, comprarem em grande volume na Comix por preço de capa e, depois, revenderem na internet por preços inflados. “Assim [com o aumento] os especuladores de internet não tem como ganhar muito dinheiro em cima do meu trabalho”. Quem também conta o mesmo problema é Edson Diogo, criador da principal bíblia dos colecionadores brasileiros, o Guia dos Quadrinhos. “Como colecionador, é claro que não vou querer pagar muito por uma edição que foi lançada recentemente. Por outro lado, sei que antes da Comix adotar essa política, algumas pessoas compravam as edições pelo preço de capa e vendiam muito mais caras por aí”.

Exemplos do que os dois dizem são bem fáceis de se encontrar. No Mercado Livre, o já citado Batman #1 de 2012 aparece por preços que variam entre R$ 35 e R$ 59,90. Valores que podem ser proibitivos justamente em uma edição que serve de recomeço para o personagem, uma porta de entrada para novos leitores. Vale lembrar que não foram ainda lançados no Brasil os encadernados dessa fase, então a única maneira oficial e em português de ter essas história é realmente pagando os preços praticados.

No caso específico da Comix, o aumento de preços dos títulos de maior demanda e pouca disponibilidade não é apenas uma resposta ao mercado especulativo, mas também uma consequência do aumento de custos – algo que influencia nessa “inflação” de gibis antigos e que, claro, não é algo contabilizado no preço de capa de uma publicação. “Há edições com mais de uma década guardadas que continuam os mesmos valores, apesar de seu custo de armazenamento ter aumentado muito nestes anos todos. Temos 3 galpões onde guardamos o material que tem um custo de mais de R$ 30 mil por mês. É um fator que tenho que considerar, fora o investimento do dinheiro que fica parado e todo o risco”, explica Rodrigues.

A questão é: tais preços são sustentáveis? Para começar, o momento do Brasil como um todo inspira cuidados. A inflação faz com que os preços aumentem mais que os salários e, convenhamos, quando a grana aperta, HQ é um dos primeiros produtos supérfluos que a pessoa irá cortar. Além disso, há alternativas para a compra dessas revistas. É possível importar os encadernados por US$ 10,90 na Amazon, mais frete (e uma boa espera). Outra opção é comprar as edições digitais, que saem US$ 0,99 e US$ 1,99 nas publicações entre 2011 e começo de 2012. E, veja bem, nem vou entrar na questão da pirataria...

Batman #1, publicado pela Editora Abril em 1984

Ok, o principal alvo ao aumentar esse tipo de preço não é o leitor habitual, mas sim o colecionador. Mas será que esse cara, em 2011, já não comprou a edição? E será que ele vê na possibilidade de adquirir um gibi por R$ 60  um investimento passível de revenda, como ocorre nos mercado dos EUA? Bom, nem tanto. Batman #1 – nesse caso, não o de 2012, mas o 1984, publicado pela Editora Abril, pode ser visto pelos mesmos R$ 20 no Mercado Livre. Ou por R$ 1 ou R$ 2 em muitos sebos perdidos pelo Brasil.

“Talvez a gente pudesse ter um norte. Um valor de referência para que os colecionadores possam ter uma ideia se o valor cobrado está sendo exagerado ou não”, conclui Edson Diogo. É uma sugestão que, quem é mais velho, vai lembrar que já existiu, com os Guias de Compra da primeira fase da revista Wizard no Brasil. Quem sabe com o retorno de uma atitude como essa ninguém gaste mais dinheiro do que deveria, não se criam novas bolhas e, o principal: não afastamos novos leitores e novos colecionadores. Afinal, sem eles, o próprio mercado só vai diminuir...