A história de padres estupradores ganhou o Oscar | JUDAO.com.br

Spotlight é mais do que jornalismo, é busca por justiça

Homens de cabelo branco, que usam vestidos pretos, largos e carregam uma grande cruz dourada pendurada no pescoço. Eles se dizem virgens, mas, quando menos se espera, devoram sexualmente meninos e meninas que sequer chegaram à puberdade. O pior de tudo é que este grupo está espalhado pelo planeta e conta com o silêncio condescendente da sociedade global.

Parece a descrição de um filme b de terror ou de algum grupo secreto que desavisados poderiam ter descoberto na Deep Web, mas não é nenhum dos dois casos. Trata-se do mote de Spotlight – Segredos Revelados, produção que ganhou o Oscar 2016 de Melhor Filme. Aliás, sim, é o que todos temíamos: a história é verídica.

Mark Ruffalo e Michael Rezendes

Mark Ruffalo e Michael Rezendes

No entanto, surge um herói em meio a esse cenário nefasto. Atualmente, ele anda ferido após ser atingido pela kryptonita da irrelevância em tempos digitais, embora demonstre sinais de melhora iminente, devidamente transplantado para orgãos mais jovens e inspirados. Seu nome é Jornalismo, assim, com jota maiúsculo mesmo. O mesmo que Xico Sá e Sidney Rezende defenderam ao sair, cada um à sua maneira, de Folha de S. Paulo e Globo News, respectivamente.

O filme de Tom McCarthy conta a história da redação da revista Spotlight, especializada em grandes reportagens, que é distribuída como encarte do Boston Globe. A equipe, em face da mudança de sua chefia, se vê obrigada a largar a pauta que investigava e mergulhar em uma incômoda história de estupros seriais cometidos por padres da poderosa Igreja Católica, que renderia ao grupo o prêmio máximo do jornalismo norte-americano, o Pulitzer.

Spotlight

Existe uma cultura no cinema pop quando o assunto é atuação, que diz que tudo deve ser superlativo, eloquente, que se deve gargalhar quando sorrir e espernear quando chorar. O elenco vai no caminho inverso e o que se vê é uma aula de trabalho cênico nos pequenos espaços, que torna os atores iminente parte do público. Eles ficam estarrecidos quando a gente fica estarrecido, a angústia deles é a nossa, a sede de verdade é compartilhada o tempo todo.

Mark Ruffalo, Michael Keaton, Rachel McAdams e Brian d’Arcy James, que protagonizam os integrantes da equipe de Spotlight, pegam a gente pela mão e levam por um passeio que não sabem onde vai dar, quando atravessam um dos maiores pesadelos contemporâneos, nada menos que padres violentando crianças sexualmente. Não há uma encenação sequer dos abusos, o roteiro de McCarthy e Josh Singer nos leva para o meio do absurdo e nossa imaginação fica à mercê do sofrimento alheio.

Papa

Em um momento onde só cresce a idolatria pelo Papa Francisco, que representa a figura de brincalhão, humanista e agregador, o filme vem como um míssil de longo alcance, uma vez que nenhum líder da Igreja Católica, inclusive o atual, entregou sequer um dentre as DEZENAS DE MILHARES DE PADRES ESTUPRADORES DE CRIANÇAS à justiça.

O prêmio de Spotlight vem não apenas para tentar redimir uma sociedade que bancou essa violência, mas também para implorar de mãos dadas com seu público para que cessem os abusos e que haja, finalmente, justiça.