Era uma Vez em Hollywood é uma ode ao cinema, uma espécie de Quentin Tarantino no Tarantinoverse, com diversas fases e facetas de tudo o que ele já produziu, falou, pensou, viveu e VIU num mesmo filme.
Tem uma coisa que vocês precisam saber sobre mim: eu não sou esse ser humano que pode se considerar fã de Quentin Tarantino, ou mesmo da sua obra. Seus filmes costumam ser cinema em estado bruto, técnico, bem escrito, dirigido, bonito, divertido, não dá pra querer negar qualquer coisa assim. Mas eu não consigo entrar na onda do cara que tava do meu lado no cinema, quando eu assisti à Era uma Vez em Hollywood dizendo coisas como “isso sim é Tarantino”.
Ele tava certo? Tava. Corretíssimo. Sua exclamação, feita pra mais da metade do terceiro ato, era mais do que exata. Aquilo era, de fato, Tarantino. As pessoas que lotavam aquela sala podem ter sofrido por mais de 2h na esperança de que aquilo acontecesse, como aconteceu comigo, confesso. Era pra isso que a maioria das pessoas naquela sala estava lá, afinal de contas.
Pra essa maioria, inclusive, isso pode ter bastado. Bora tirar do armário a brusinha “Written and Directed by Quentin Tarantino” e comentar por aí quão perfeito o filme é, encaixar em rankings, dizer que só (não) é melhor que outro dos filmes dele por isso e aquilo. Mas assim... A verdade é que, enquanto essa é a produção com mais elementos TARANTINESCOS de todos, Era uma Vez em Hollywood é também seu filme mais diferente. Que mais foge da sua lista de “nove” que amam organizar.
Era uma Vez em Hollywood é a obra-prima de Quentin Tarantino.
Se for verdade todo esse lance de que ele só vai fazer dez filmes, e se levarmos em consideração a simbologia que o número tem, Era uma Vez em Hollywood deveria ser o décimo. Sim, eu sei que em termos de “ingressos comprados” esse é mesmo o #10, mas como o cara conta Kill Bill, volumes 1 e 2, como um só... Enfim. Era uma Vez em Hollywood é o melhor filme do Tarantino porque ele é a junção de absolutamente tudo o que faz esse cara ser Quentin Tarantino — o que, você sabe, vai além dos filmes que ele faz.
Absolutamente TUDO.
Quentin Tarantino reuniu seus amigos e colaboradores (quem não é protagonista tem, pelo menos, uma participação — pode até ser indireta, como no caso de Rummer Willis e Maya Hawke), suas assinaturas visuais, seus fetiches (caso você não tenha percebido até hoje, vai ser difícil ignorar o tesão que ele tem por pés e botar foto em nazista), e fez uma ode à Hollywood. Aos dublês (Zoë Bell!), aos atores que um dia foram superestrelas, à idade que não perdoa ninguém naquele universo (não sei se dá pra chamar James Marsden de uma ex-superestrela, mas Luke Perry não tá lá de bobeira). Às suas referências (se você nunca ouviu falar da relação dele com o tal do Spaghetti Western, dá uma pesquisada), dentro e fora das telas.
A gente tem uma ideia de como era a publicidade dos filmes naquela época, os sets dos FAROESTES e filmes de lutinha; pode sentir “na pele”, através da interpretação MAGNÍFICA da Sharon Tate de Margot Robbie, toda a relação (quase nunca saudável) daquele lugar com sonhos. Era uma Vez em Hollywood transforma aquela época e aquele lugar em protagonistas de uma história toda baseada em personagens e faz uma ode ao cinema, uma espécie de Tarantino no Tarantinoverse, com diversas fases e facetas de tudo o que ele já produziu, falou, pensou, viveu e VIU num mesmo filme.
Mais importante até do que isso, Era uma Vez em Hollywood junta coisas que, se não foram todas produzidas, ditas, pensadas, vividas e vistas por nós, pessoas que gostam de cinema, um dia veremos, viveremos, pensaremos, diremos e, quem sabe?, produziremos.
São longas e beeeem lentas 2h40 de projeção, que você precisa ter um pouco de paciência pra enfrentar. Como disse no começo, o momento “isso sim é Tarantino” acontece no trecho final do filme, mas não só faz valer à pena tudo o que se passou até ali como encaixa todas as suas peças como mágica e faz com que viva eternamente dentro dos nossos corações — eu não consegui parar de pensar no filme durante dias, o que só me fez gostar e querer ainda mais. Depois de um tempo ocupado com outras coisas, voltei pra escrever essa resenha e cá estou, mais uma vez, pensando no quanto mais de Era uma Vez em Hollywood eu queria. No quão perfeito é um roteiro que nos deixa, literalmente inclusive, ao lado da casa onde aconteceram os assassinatos da Família Manson durante todo o filme, não nos deixando relaxar. Um roteiro que ignora completamente nossas expectativas e, ainda assim, as atinge de maneira tão perfeita; uma história que mistura os mais diversos, de profundezas igualmente diversas, temas.
Um roteiro que diz, claramente, que na hora em que o título do filme aparece na tela, precisa vir primeiro “Era uma Vez” e, depois, “...em Hollywood” porque aquilo é, literalmente, um conto de fadas. Quentin Tarantino fez de Era uma Vez em Hollywood uma obra de ficção a partir de fatos. É uma fantasia feita com a vida real.
Daí a possibilidade real, nunca confirmada, de Cliff Booth (o melhor trabalho da carreira do Brad Pitt, de longe) derrotar Bruce Lee...
Espero, do fundo do meu coração, que os rumores de uma minissérie de mais de quatro horas dessa história no Netflix sejam verdadeiros. Fazia tempo que eu não me sentia assim por um filme, querendo consumir mais e mais, querendo falar mais e mais. Porque não basta Era uma Vez em Hollywood (é, você percebeu certo: oficialmente o título não tem essas reticências. E o pôster fez o favor de colocá-las no lugar errado, dói demais ver aquilo) ser a obra-prima de Quentin Tarantino: é um filme perfeito.