Em meio a adversidades, banda australiana surpreende e entrega disco que supera o anterior, Black Ice
O AC/DC, que desde sempre foi sinônimo da fórmula que inventou e aperfeiçoou, acaba de finalizar mais um capítulo com o lançamento de Rock or Bust, talvez o registro com background mais desfavorável já feito pelo grupo. O afastamento do guitarrista Malcolm Young, alheio à realidade em virtude da demência, e do batera Phil Rudd, se encrencando com a polícia por mijar fora do penico, sinalizavam ventos nada favoráveis.
Contudo, o vigésimo álbum do AC/DC não reflete a atmosfera turbulenta sob o qual foi concebido, portanto, deixemos a doença de Malcolm e a conduta de Phil para lá e nos concentremos naquilo que realmente importa.
À primeira ouvida, Rock or Bust soa mais cru e ao mesmo tempo mais bem produzido que Black Ice, seu antecessor direto lançado em 2008. A bateria de Rudd não traz o fator surpresa, mas soa revigorada apesar da retidão que sempre lhe fora particular; cortesia da produção que se encarregou também de sobressair o baixo de Cliff Williams, cujo som se entrelaçava ao do bumbo em batidas graves — inclusive ao vivo — e volta e meia se perdia. É apertar o play na faixa título e apreciar o melhor feijão com arroz da história das cozinhas da música.
O timbre de Angus Young remonta o básico de Stiff Upper Lip, disco que, a despeito de ser o mais chatinho do AC/DC, traz um som de guitarra deveras gostoso de ouvir, com drives mais blues do que rock e solos que parecem mimeografias de clichés consagrados deste que é o gênero-pai de toda a música contemporânea. Hard Times sumariza bem essa questão. Mas observem: este não é um álbum de blues; o rock reina absoluto com a veia da música negra pulsando forte em momentos cruciais, como Rock the Blues Away e, apesar do nome, Got Some Rock & Roll Thunder.
A voz de Brian Johnson se apresenta em melhor forma e apenas vez ou outra parece ter sido submetida à mesma pasteurização típica dos álbuns do grupo na década de 1980. E por falar em trinta anos atrás, Baptism By Fire e Sweet Candy parecem oriundas de Blow Up Your Video, destoando levemente das demais, todas sonora e estruturalmente pós-Ballbreaker. Aliás, arrisco dizer que Rock or Bust é o melhor trabalho do AC/DC desde 1995 — pelo menos segundo os meus critérios de fã. Aqui estão alguns números que têm tudo para se tornarem eventuais staples no repertório, como Rock the House, Dogs of War e a própria Baptism of Fire, que já estou careca, mas não cansado, de escutar.
Em meio a um cenário de adversidades e incertezas, o AC/DC mostra que está na briga pelo caneco e abre vantagem em relação a alguns que, até o presente momento, tinham lugar garantido no pódio do melhor disco de 2014. A disputa continua e, a julgar pelo efeito inicial de Rock or Bust neste que vos fala, Angus e cia. têm tudo para levar o ouro mais uma vez.