Afinal, cultura é pra quem? | JUDAO.com.br

Não basta comprar ingresso, tem de gastar perto de R$100

Não é necessariamente novidade discutirmos a democratização da cultura no JUDAO.com.br ou no ASTERISCO, mas esse é um tema que sempre precisa ser discutido, principalmente quando surgem casos de como o contato com a cultura pode ser exclusivo.

Depois de um bom desempenho nas aulas, 120 alunos de escolas da zona rural de Guaratinguetá ganharam a oportunidade de participar da excursão para a exposição Mickey 90 anos, atualmente no shopping JK Iguatemi, em São Paulo. Mas, segundo a educadora Jozeli Gonçalves, as crianças – entre seis e dez anos e que nunca tinham ido ao shopping – só puderam entrar depois de uma negociação que precisou envolver a Secretaria de Educação do Município, mesmo com ingressos em mãos para exposição.

Em depoimento ao G1, a educadora contou que uma funcionária abordou os educadores e afirmou que o local não poderia receber os alunos ao alegar que o espaço “é de elite”. No mesmo depoimento, a educadora disse que crianças maiores perceberam que havia algo errado. E se você não sentiu ódio ou começou a chorar lendo isso, você está completamente morto por dentro e só falta o enterro mesmo.

Voltada para o público de todas as idades, a inédita exposição Mickey 90 anos é um evento pago que comemora o aniversário do personagem mais famoso da história da Disney. Segundo a página oficial da exposição dentro do site do próprio shopping, o visitante poderá ter acesso a uma loja com produtos licenciados, incluindo diversas peças de decoração e roupas feitas à mão por artesãs da ONG Orientavida, também responsável pela organização da mostra. Após o caso, a ONG se posicionou contra a atitude e classificou o fato como isolado e pontual, além de informar o desligamento da funcionária.

Em nota, o shopping JK Iguatemi afirmou que “não compactua com a atitude tomada pela colaboradora da mostra e ressalta que trabalha continuamente para que todos os clientes sempre se sintam acolhidos e bem-vindos”. Mas, então, de onde surgiu a afirmação da ex-funcionária sobre o shopping ser de elite? Ela foi orientada ou tirou isso da própria cabeça?

Nesse mesmo shopping, recentemente, a rede Cinépolis inaugurou sua nova sala VIP equipada com telão LED e poltronas luxuosas, com ingressos que podem variar de R$ 67 a R$ 84, dependendo do dia da semana escolhido. Se você escolher o lounge VIP 3D, o ingresso custa quase R$ 93. Há pouco tempo, a rede de cinema lançou um projeto em parceria com a distribuidora Pandora Filmes com objetivo de exibir filmes independentes quinzenalmente em 25 cidades do país.

Durante a coletiva de lançamento do projeto, o presidente da Cinépolis, Luiz Gonzaga de Luca, foi perguntado sobre como levar o circuito de “cinema de arte para locais onde o público mais pobre está”. Em sua resposta, ele afirmou que quer criar o hábito do público ir ao cinema e fazer essas pessoas se interessarem pela arte. O problema é que ele falou exclusivamente sobre quem frequenta o JK Iguatemi, única unidade onde o projeto estará na cidade de São Paulo, deixando claro que esses filmes são para um público ~diversificado.

Não me entenda mal, o projeto em si é extremamente interessante e é ótimo ver filmes independentes premiados e criticados finalmente chegando ao Brasil, mas é aí que entra a não democratização da cultura. Apenas uma pequena parcela da população poderá ver esses filmes. O ingresso dos cinemas está se tornando cada vez mais caro e nenhuma solução contra isso está sendo discutida. Ao contrário, estamos vendo o aumento dos serviços VIPs para uma população que quer cada vez mais regalias, como poltronas e serviços exclusivos – e nisso, se encaixa cada vez mais qualquer coisa não viver apenas por ela mesma, mas pela tal da experiência.

A mensagem passada parece muito clara quando um grupo de crianças com ingressos é barrado de entrar no local. Fica claro que, aparentemente, para algumas pessoas só uma parcela da sociedade merece consumir o que eles entendem como cultura.

Todos os públicos merecem a chance de escolher assistir qualquer coisa, seja um filme da Marvel ou um filme mexicano independente. O público da periferia também merece a chance de conhecer novas histórias e a oportunidade de se interessar por outras coisas. Para muitas pessoas, não existe a oportunidade de descobrir se elas gostam ou não de alguma coisa e o ponto é sempre esse: A OPORTUNIDADE.