Alanis: 20 anos de uma pequena pílula difícil de engolir | JUDAO.com.br

Só dava ela: em todas as rádios, na MTV, nos festivais de rock, casas noturnas. Foi um rolo compressor. Se houve uma cantora que brilhou nos anos 90, foi Alanis Morissette

Você sabe que está ficando velha quando um dos principais álbuns de vocal feminino dos anos 90 faz VINTE anos e você já estava trabalhando com jornalismo musical na época e pegou todo o frisson de seu lançamento. É o meu caso. Jagged Little Pill, da Alanis Morissette, completou duas décadas. o_O

O álbum, cujo título quer dizer algo como: “pequena pílula espinhosa”, é o terceiro disco da cantora, mas o primeiro lançado internacionalmente. Sua estreia data de Junho de 1995 e logo de cara a belezinha já emplacou 5 faixas nas paradas (convenhamos, isso é música pra caralho, quase metade do disco) e vendeu mais de 30 milhões de cópias no mundo, entrando no ranking de álbuns mais vendidos do globo terrestre.

É nele que estão os mega hits You Oughta Know, You Learn, Hand in My Pocket e Ironic, que você cansou de ouvir e cantar em karaokês nessa vida.

Alanis Nadine Morissette sempre foi um gênio da música, precoce na composição musical e nas letras, estilo Björk, que também ingressou pelo mesmo caminho de superstar infantil. Canadense de Ottawa, começou cedo no piano e violão. Era presença quase constante em programas de TV infantil e apresentação de talentos. Ficou famosa localmente e era frequentemente convocada a cantar o hino do Canadá em eventos esportivos, principalmente em campeonatos nacionais de hóquei. Ou seja, era bem conhecida e queridinha no país da polícia montada e do Maple Syrup.

Ok, e do Rush. ;)

Formou-se no conservatório musical durante a adolescência, lançando seu primeiro disco, Alanis, aos 17 anos, logo assinando contrato com gravadoras locais, o que fez com que seu trabalho chegasse até os ouvidos de Scott Welsh, executivo da indústria musical americana, que ficou totalmente encantado com a voz da moça.

A virada em sua carreira se deu quando Morissette resolveu mudar-se para Los Angeles, onde foi providencialmente apresentada ao produtor Glenn Ballard, o grande cérebro por trás da produção musical do disco e seu parceiro de trabalho constante por muito tempo.

No mesmo dia em que se conheceram, Alanis e Ballard já compuseram uma canção, chamada The Bottom Line, que nunca entrou em disco algum, mas alguns de seus trechos foram aproveitados em All I Really Want, faixa de abertura do disco.

Morissette-Ballard eram uma fábrica de hits. Um encontro no estilo grandes duplas da música. Escreviam canções inteiras em cerca de trinta minutos, gravavam demos e BAM, passavam para a próxima. Tanto que todas as versões do álbum são baseadas diretamente nas demos, com pouquíssimas mudanças. Foi um processo muito instintivo, sem muita enrolação e discussão sobre como deveriam soar as músicas. A melodia vinha, eles colocavam letras, gravavam, em um processo intenso e altamente criativo, como se uma entidade tivesse se apossado de ambos. Em entrevistas, os dois declaravam constantemente que gravar Jagged Little Pill foi como tentar “engarrafar relâmpagos”.

Jagged Little Pill

Apesar de tanta genialidade, o caminho para o sucesso não foi tão fácil. Depois de pronto, ambos tiveram bastante dificuldade em emplacar Jagged Little Pill em uma gravadora. Estavam quase desistindo quando simplesmente Guy Oseary, o homem que “fez” a Madonna ser o que é, da Maverick Records (gravadora fundada por Madonna, BTW), ouviu uma demo e resolveu bancar a aposta.

Jagged Little Pill é delicioso. Tem franca inspiração na música de raiz norte-americana, com muito folk, muitas cordas de aço, muito dedilhado, muita gaita, muita caixa e prato de bateria aparente. Mas também não nega seu lado roqueiro com overdrives nas guitarras, baixos proeminentes e vocais gritados.

Aliás, o vocal de Alanis é um assunto à parte. Ela tem um registro mezzo-soprano, comum entre cantoras pop, mas é bem volumosa, preenche os espaços, se dá bem tanto em agudo quanto em graves. E sim, ela faz “aquilo” com a voz, no final das frases cantadas, uma espécie de “mudança de registro” um trêmulo, que acabou virando uma marca registrada, tanto dela quanto de Dolores O’Riordan, do Cranberries.

Glenn Ballard, ao contrário do que acontece com a maioria dos produtores, motivava Alanis a escrever sobre o que quisesse, tanto que suas letras são extremamente agressivas, sarcásticas, ácidas e autobiográficas.

Ela deu voz a muitas angústias, escancarou a alma feminina em letras ressentidas, baladas românticas, respostas ao modo de vida americano, fez elogios à amizade verdadeira, criticou o modelo de perfeição imposto à mulher pela sociedade e o modo como são tratadas de um modo geral, cutucou religiões e filosofou sobre a brevidade da vida, tudo isso em um único disco. Ufa.

Nunca me esqueci a primeira vez que ouvi Not the Doctor (não querendo diminuir a força de You Oughta Know, mas essa todo mundo cita), uma homenagem àquele parceiro sem noção que te confunde com a mãe dele:

    I don’t want to be the filler if the void is solely yours
    I don’t want to be your glass of single malt whiskey
    Hidden in the bottom drawer
    I don’t want to be a bandage if the wound is not mine
    Lend me some fresh air
    I don’t want to be adored for what I merely represent to you
    I don’t want to be your babysitter
    You’re a very big boy now
    I don’t want to be your mother
    I didn’t carry you in my womb for nine months
    Show me the back door

Genial.

Enfim, ela pode estar quietinha agora, mas Alanis é considerada uma das mulheres mais influentes da música, acumula uma série de prêmios e discos de ouro, já desde muito nova, incluindo 13 Juno e 10 Grammy.

Ela é mega-foda e está numa vibe reclusa por querer se dedicar à família, já que virou mãe há pouco tempo. Mas esperamos que volte logo, possivelmente com uma visão diferente do mundo, um pouco como a que pode ser vista (e ouvida) em Guardian, canção de seu disco mais recente, Havoc and Bright Lights (2012), na qual fala a respeito de um “alguém especial que deve ser protegido” (claramente dedicada ao filhote Ever) . E para alguém que já foi Deus no cinema, ela assume o papel de um “mero” anjo no videoclipe de Guardian – mas que tem uma missão bem mais especial desta vez... <3

Jagged Little Pill 20 anos

Futuro

Jagged Little Pill vai ganhar uma edição de luxo, comemorativa, no dia 30 de outubro deste ano. A caixa será composta por quatro discos — o álbum original de 1995 remasterizado; outro ao vivo, feito em Londres no mesmo ano; e a versão acústica da MTV e lançada em 2005 para marcar os dez anos do lançamento do trabalho. Para os fãs de carteirinha, a surpresa está no disco 4, aquele com as demos de canções feitas pela cantora na primeira metade dos anos 1990 que não entraram no álbum original. Isso significa que músicas como Superstar Wonderful Weirdos, No Avalon, King of Intimidation ou Death of Cinderella, conhecidas apenas em versões piratas, finalmente serão lançadas oficialmente.

Uma edição limitada do pacote é fechada não com chave de ouro, mas sim com um um autógrafo DOURADO, que adorna um diário com letras de músicas escolhidas a dedo por Alanis. Presentão, hein?

Além disso, Jagged Little Pill também vai se tornar um musical da Broadway, pelas mãos do experiente compositor Tom Kitt, que já tinha feito a mágica de levar American Idiot, do Green Day, para os palcos. “Estamos na fase embrionária de tudo isso então eu mal tenho o que compartilhar com vocês ainda porque não criamos nada ainda”, afirmou a cantora, em papo com a Billboard. “Mas a história será uma ficção na qual vamos acrescentar algumas músicas, mudar letras, enfim”. Basicamente, para a história poder funcionar. Mais ou menos como aconteceu com American Idiot, que não adaptou literalmente as canções do disco para o teatro mas se manteve, como a própria Alanis afirma, “muito verdadeiro a elas. Eles usaram as faixas lindamente”.

Analisando o disco tanto tempo depois, a cantora afirma que ainda sente como se estivesse naqueles dias iniciais. “O que aconteceu na época é que eu estava passando por uma transição, depois de trabalhar com Leslie Howe. E eu estava cercada de pessoas que estavam mais preocupadas em criar uma imagem ou uma persona, enquanto eu apenas dizia pra mim mesma: não vou parar até escrever um disco que me ajude a expressar de verdade quem eu sou como ser humano”.

You did it. :)