Apenas parem com estas merdas de turnês de hologramas | JUDAO.com.br

Esta coisa HORROROSA tá longe, mas muuuuuito longe, de ser um jeito bonito de celebrar o legado de um artista

Tecnologia é mesmo uma parada bem foda e este papo de que ela mudou tudo pra pior, “no meu tempo é que era bom”, é tudo mesmo chato PRA CARALHO. Mas é preciso admitir aqui: tem vezes que a galera exagera. E muito. Porque da mesma forma que as redes sociais amplificaram a voz de toda uma leva de babacas machistas, racistas e fascistas, estamos nos caminhando para tempos bem difíceis cujas portas se abriram com uma boa ajuda do WhatsApp.

Mas não para por aí. Porque, senhoras e senhores, 2019 vai MESMO ser o ano das turnês holográficas. E alguém precisava de verdade colocar um fim neste espetáculo grotesco.

Depois de duas apresentações BASTANTE esquisitas, uma no Wacken Open Air, em 2016, e outra na premiação musical Pollstar Awards, no ano seguinte, o que levou a uma série curta de shows pela Europa, eis que a partir do ano que vem a turnê do holograma do finado baixinho Ronnie James Dio vai mesmo sair. Já tem mais de 100 datas confirmadas, contando com a estranha aparição digital que traz o áudio de suas apresentações antigas e que tem a banda Dio Disciples — Simon Wright (bateria), Craig Goldy (guitarra), Scott Warren (teclado) e Bjorn Englen (baixo) — no suporte ao vivo, com os cantores Tim “Ripper” Owens e Oni Logan (Lynch Mob) fazendo participações especiais.

“A grande questão, quando fizemos os primeiros shows do Dio na Europa, foi ‘será que vai aparecer alguém?’. Mas tivemos todos os ingressos esgotados nas três últimas apresentações, por exemplo. Fomos muito bem”, conta Jeff Pezzuti, da produtora Eyellusion, para a Billboard. “Acreditamos muito no que estamos fazendo e somos muito fãs”, afirma ele, que tem total apoio da viúva de Dio, Wendy.

Mas, cá entre nós, com todo respeito à mulher que dividiu a vida com este verdadeiro ícone do heavy metal, isso não quer dizer muita coisa, já que...

A mesma Eyellusion tá lá organizando também pro ano que vem uma turnê holográfica de Frank Zappa, que vai contar com o dedinho de seu filho, Ahmet Zappa. A parada tem um nome sugestivo: The Bizarre World Of Frank Zappa. “Este show do Zappa vai subir o sarrafo de tudo que já foi feito e explodir o seu cérebro”, promete o executivo. “Tem o visual mais incrível e cada canção terá uma produção visual diferente”. Sabe-se que, da mesma forma que vai rolar com o Dio, a turnê terá músicos que já tocaram com Zappa (Ray White, Mike Keneally, Scott Thunes, Robert Martin, Ed Mann), assim como convidados especiais eventuais que já foram seus colaboradores, tipo Ian Underwood, Lady Bianca, Napoleon Murphy Brock, Arthur Barrow e até mesmo Steve Vai.

2019 também será o ano em que a Amy Winehouse versão holograma sairá em turnê, pelo menos nos EUA. Quem negociou a parada, MAS CLARO, foi o pai dela, Mitch Winehouse, numa parceria com a recém-inaugurada empresa de Las Vegas chamada de Base Entertainment — que já emplacou, inclusive, uma bem-sucedida tour com o holograma de Roy Orbison (pioneiro do rock/country, voz da clássica Oh, Pretty Woman) pela Inglaterra e que agora tá passando pelos EUA, além de também desenvolver os shows do holograma da diva da ópera Maria Callas, que inclusive já tá agendada pra passar pelo Brasil em março do ano que vem. Todos com o que eles chamam de “tecnologia proprietária única, reunindo imagens digitais e a laser, além de técnicas de CGI”.

E pra completar, claro, também deve ficar pra 2019 a turnê virtual de reunião do ABBA, quatro músicos que NÃO morreram mas que vão se reunir no palco mais de três décadas depois, em suas versões mais jovens, graças ao mago dos reality shows Simon Fuller, criador do American Idol. “Estamos explorando um novo mundo tecnológico, com realidade virtual e inteligência artificial na linha de frente, o que nos permitirá criar novas formas de entretenimento e conteúdo que jamais poderíamos ter imaginado”, promete Fuller, em comunicado oficial.

Apesar de termos tido Alicia Keys cantando com Frank Sinatra em 2008, no Grammy, e um ano antes a Celine Dion com o Elvis lá no American Idol, dá pra dizer que esta “febre” dos shows com hologramas começou lá em 2012, quando a empresa de efeitos especiais Digital Domain fez com que o rapper Tupac Shakur aparecesse para uma apresentação especial no Coachella, junto com os “parças” Snoop Dogg e Dr. Dre.

Na real, ali não era EXATAMENTE um holograma, mas sim uma variação de um truque de ilusionismo usando espelhos e refração de luz chamado Pepper’s Ghost, usada para criar esta figura com um jeito meio “sobrenatural”. A invenção centenária, criada pelos cientistas Henry Dircks e John Henry Pepper, foi popularizada principalmente em teatros e circos. Lembra da transformação da Monga, a Mulher-Macaco, um verdadeiro clássico da infância de trintões e quarentões? Era isso!

Junte a técnica com uma modelagem 3D mais avançada, cortesia dos caras que cuidaram dos efeitos de O Curioso Caso de Benjamin Button e comandados por John Textor, ex-colega de quarto de Michael Bay, e pronto, toma aí um Tupac premiado no Festival de Cannes do ano seguinte. Daí pro Michael Jackson dançando no palco do Billboard Music Awards em 2014 e cantando a nunca lançada Slave to the Rhythm foi um pulo — com direito até à empresa responsável, a Pulse Evolution (feita dos destroços da falida Digital Domain e comandada pelo mesmo Textor), sendo processada pela principal concorrente, a Hologram USA, por quebra de patente.

A mesma Hologram USA que, em 2016, quaaaaaaaaaase botou na rua uma turnê holográfica da Whitney Houston, mas a família da cantora pisou no freio na última hora, alegando quebra de contrato porque a empresa não teria conseguido entregar uma versão em formato holograma que fosse “real o bastante”.

REAL. Claro. Aí está o erro.

Essa porra toda é, no fim das contas, uma forma de honrar a imagem de um artista e não o seu legado. É o visual dele que importa e não a sua música. E isso é, de fato, o mais triste de tudo. Um holograma no palco é uma honraria mórbida, quase como se você colocasse um zumbi virtual pra percorrer o palco.

Uma verdadeira homenagem seria trazer as histórias do músico ao palco, suas memórias. Seria reunir seus antigos parceiros para cantar suas canções, velhos colegas de banda, os cantores e cantoras diretamente influenciados por seu trabalho, seus herdeiros. Talvez umas imagens raras de arquivo nos telões entre uma faixa e outra, talvez com espaço para que os convidados possam contar passagens divertidas e emocionantes sobre o cara ou a mina que nos deixou.

Isso é o tipo de coisa que só amplia a conexão do fã com seu ídolo, aquece o coração. Todos celebrando a música com MÚSICA. E não com um troço pré-gravado diretamente do além, uma parada falsa, forçada, sem coração, literalmente sem alma. É tipo ir a um estádio pra ver o DVD ao vivo do seu músico favorito. Não cola, né?

Quando rolou um papo de que o Justin Timberlake tava pretendendo se apresentar com um holograma do Prince no intervalo do Super Bowl deste ano, logo alguém tratou de buscar um trecho de uma entrevista que o músico concedeu para a revista Guitar World em 1998 e na qual, quando perguntado se faria uso da tecnologia pra se apresentar ao lado de um cara como Duke Ellington, Prince respondeu na lata: “certamente que não. Esta é a coisa mais demoníaca que se pode imaginar. Tudo é como é e deveria ser. Se eu tivesse que fazer uma jam com o Duke Ellington, deveríamos ter vivido na mesma época. Esta coisa toda de realidade virtual... e tudo muito demoníaco. E eu não sou um demônio”. OUCH.

“Tem mesmo um fator meio assustador nisso tudo”, afirmou, em entrevista pra Wired, Jeff Jampol, o cabeça por trás da Jam Inc, empresa que cuida do gerenciamento do “legado” de músicos como The Doors, Janis Joplin, Ramones e Otis Redding. “Sempre que você brinca com a natureza e cria algo – seja comida transgênica ou bonecas sexuais -, você vai ter uma reação”, opina ele, que obviamente ganha uma boa grana tentando extrair ao máximo o potencial de seus clientes mortos via documentários, exposições e mesmo todos os tipos possíveis de licenciamento.

Logo, o cara sabe que nostalgia é um grande negócio. Mas e quanto à “imortalidade”? O sujeito opina que a tecnologia ainda não passou no teste como “substituição” de uma apresentação ao vivo. “O potencial de um ‘humano digital’ é fascinante. Mas esta técnica do Pepper’s Ghost que se faz hoje em dia eu considero a pior utilização desta tecnologia. Não se mexe, não interage com ninguém a não ser que seja à distância. É o equivalente a um VHS usado”. No entanto, ele faz questão de buscar do baú uma frase que Jim Morrison costuma usar muito: “o dinheiro derrota a alma, todas as vezes”.

E isso é verdade, assim como é triste PRA CARALHO.