Como uma aventura despretensiosa e pela qual ninguém dava nada se tornou o que pode REALMENTE ser um novo começo pros filmes da DC nos cinemas
“Ah, então, e a Warner também vai fazer um filme do Aquaman, sabe?”. O anúncio de que ia rolar uma produção cinematográfica solo estrelada pelo herói aquático da DC Comics teve meio que este graaaande impacto, como parte de um apanhadão de planos e mais planos do estúdio, aquela coisa de universo cinematográfico integrado apresentado na tela do computador do Lex Luthor, Liga da Justiça gerando uma explosão de novos sabores, vamos derrotar a Marvel, bwahahahahahahaha.
Muito que bem. Aí Batman vs Superman deu no que deu, Liga da Justiça idem (ou quase, mas enfim). Tivemos Mulher-Maravilha? Ô se tivemos. Mas também tivemos Esquadrão Suicida, o vai e não vai do filme do Batman, as muitas mudanças de data e diretor do filme do Flash, o filme do Cyborg indo pra tão longe que ninguém nem se lembra mais dele. Mas sabe quem permaneceu de pé, apesar de todas as adversidades? Aquaman. Justamente aquele personagem pelo qual ninguém dava nada, a gracinha recorrente nas vinhetas do Cartoon Network, a sacanagem explícita nos episódios de The Big Bang Theory.
Como levar este cara a sério?
Bom, o James Wan levou. Quer dizer... digamos que o diretor levou O PROJETO a sério, né? Trouxe aquele caminhão de carisma chamado Jason Momoa pro papel principal, um cara divertidíssimo e que sabe muito rir de si mesmo. Quando surgiram as primeiras fotos e depois ele apareceu chutando um bom quinhão de bundas no filme da Liga, dava pra sacar que tinha algo de diferente ali. Não necessariamente SÉRIO no sentido de sombrio, trevoso. Mas um projeto que o cineasta tava disposto a fazer com garra, com tesão, com amor pelo personagem. Ele realmente queria acabar com a piada do Aquaman.
Depois de assistir ao filme, que já tinha iluminado nossos corações com alguns ótimos trailers, dá pra dizer sem errar: ele acabou MESMO com a piada. Mas, estranhamente, fez isso sem tirar o sorriso do seu rosto. Pelo contrário. Aquaman, o filme, é mesmo uma nova DC nos cinemas. Luz acesa, muitas cores, cenários deslumbrantes, ambientado em grande parte ou na superfície à luz do dia ou então numa Atlântida cheia de cores fosforescentes, tipo um Tron no fundo do mar, pura lisergia daqueles melhores gibis futuristas dos anos 70 — tudo ao som de uns tecladinhos sintéticos deliciosos. Tem momentos dramáticos, de cortar o coração, de encher de vontade de sair distribuindo abraços, isso é claro. Mas tem muito humor, muito coração, muita... vida.
“Aquaman é Led Zeppelin”, descreveu a roteirista Kelly Sue DeConnick ao contar como seria a sua vindoura fase à frente do personagem nas HQs. Mas isso e o que vem a seguir é uma ÓTIMA descrição para o filme também. “É grande, é mítico, é aquela van com o grafite pintado do lado, é um baixo pesado com vocais altos e estridentes”. É isso e muito mais, com espaço inclusive para pequenas sacadinhas políticas, uma boa tripudiada nos terraplanistas (SÉRIO) e uma mensagem ecológica bastante direta e reta, mas sem lição de moral.
Muito deste clima Led Zeppelin, claro, se deve não apenas por conta do Wan, mas também por causa do Geoff Johns. Que é roteirista do filme, OK, numa mais do que bem-vinda fase livre do cargo pomposo no cartão de visita e de volta às suas atribuições criativas, mas que também é a principal inspiração da trama, do visual, de tudo em tela, basicamente. Este Aquaman é claramente, salvo barba, cabelão e tatuagens, o seu Arthur Curry no momento da reinterpretação Novos 52 escrita pelo Johns nas HQs. Apesar do visual inicialmente meio Conan remeter ao Aquaman puto da vida da fase do gancho na mão e armadura com o peito à mostra, anos 90 total, estamos falando do Monarca da Atlântida que, ao brincar com os próprios clichês a seu respeito, ganha uma moral completamente inesperada. “Na verdade, eu gosto de ter um personagem que as pessoas não sabem o que esperar dele, ou que a expectativa é muito baixa”, chegou a afirmar ao CBR News, no começo de tudo, o próprio James Wan. E esta é uma pegada muito presente no filme e que o cineasta usa MUITO a seu favor.
A origem do Arraia Negra enquanto pirata e com uma forte conexão quase shakespereana com Arthur Curry, os monstrengos marítimos do Fosso (responsáveis por uma das sequências mais bonitas e inspiradas de um filme que, por si só, é visualmente DESBUNDANTE), o posicionamento mais forte de uma Mera que tá pau a pau com o Aquaman, tudo isso é a mais pura assinatura do Johns.
Uma história clássica de origem, que neste sentido conversa MUITO com o filme da Mulher-Maravilha, Aquaman parece estar total e completamente desconectado do conceito “somos um universo coeso”. Fora uma pequena menção à luta contra o Lobo da Estepe (o que posiciona este filme, portanto, DEPOIS de Liga da Justiça, só pra constar), não tem mais nenhum nome ou situação que meramente lembre que neste mundo em que ele existe também tem um Superman, um Batman, qualquer coisa assim. A história se fecha em si mesma, funciona muito bem como começo, meio e fim, num tom de aventura quase Indiana Jones em busca do tridente divino do Rei Atlan do que qualquer outra coisa.
Aliás, se Aquaman conversa com outro filme de super-herói, dá pra dizer que é com o Superman II de 1980. Porque estamos falando de uma história CLÁSSICA de um super-herói relutante a princípio, filho de dois mundos, que descobre seu passado e o tamanho de sua responsabilidade mas não parece lá muito disposto a aceitá-la... até que uma gigantesca ameaça bata na porta do lar que, apesar de todos os problemas, o acolheu e ele ama mais do que tudo. É uma história essencialmente sobre assumir o peso de uma herança.
E aí que a gente tem o Momoa, né? Que, injustiça suprema, não dá pra querer comparar com um Christopher Reeve. E nem precisa. O cara é um gigantesco sorriso ambulante, que confere uma leveza ao personagem mesmo nos momentos de maior tensão. Ele é lindo de tudo, inegável, e tem uma presença física brutal nas cenas de batalha (em especial nos dois confrontos diretos com o Mestre dos Oceanos, tridente em punho, com uma força que te faz acreditar que o pau tá comendo MESMO), mas sua participação tá longe de se resumir a só isso. É a intensidade de suas emoções, é a impulsividade, a teimosia, a rebeldia, que fazem deste Arthur Curry um herói que é impossível não amar. Os pequenos e sutis momentos dele ao lado do pai, o jeito que ele fala da mãe com saudades e, principalmente, o momento em que ele conta a história dos dois... É lindão. Sério.
E eis que, do outro lado, temos a Amber Heard como Mera. Que tá perfeita no visual mas, principalmente, perfeita na atitude. Afinal, ela também tem o seu fardo a carregar como filha do homem que apoia de imediato os planos de declaração de guerra contra a superfície do Rei Orm. Mas que, ao mesmo tempo, é a principal agente de confiança de Vulko, o vizir do monarca e que, secretamente, treinou o meio-irmão mestiço do homem que ocupa o trono. Ela tem a sua própria jornada e não é mera (viu o que eu fiz aqui?) coadjuvante ou tampouco apenas um interesse romântico (ainda bem, por mais que exista uma química realmente interessante entre os dois). Mera é tão intensa e poderosa quanto o Aquaman e é foda demais quando ela passa a usar os seus poderes mágicos de hidrocinese (sdds RPG).
Embora o Mestre dos Oceanos de Patrick Wilson, enquanto principal antagonista, seja odioso o bastante em sua cruel missão de reunir a maioria dos sete antigos reinos da Atlântida para poder unir um exército grande o bastante para declarar sua sonhada guerra contra a superfície (além de ter um visual final, com uma roupa idêntica à dos gibis, máscara e tudo, que é magnífico), quem rouba a cena mesmo é o Arraia Negra de Yahya Abdul-Mateen II. Porque, porra, tamos falando do GRANDE malvadão do Aquaman, do seu inimigo supremo, o seu Coringa, o seu Flash Reverso.
A diferença é assim: você tem vontade de bater na cara do Mestre dos Oceanos de tão escroto que ele é, moleque mimado do caralho. Mas a motivação pessoal do Arraia, exposta logo nas primeiras cenas do filme, te faz ter uma estranha empatia monumental pelo cara, o que torna a sua cruzada de vingança contra o Aquaman bastante interessante. Junte a isso o visual incrível de sua armadura preta e você fica torcendo pra ele ter MUITO mais tempo de tela... embora ele não seja, como muita gente supunha, só uma participação especial de luxo. Digamos que ele tem um papel pequeno, porém certeiro e fundamental na história.
E aí, claro, não dá pra deixar de falar da porra do uniforme. Sim, eu me lembro que aqui, neste mesmo site, fiz uma ELEGIA dizendo o quanto não fazia sentido ter aquela malha laranja ridícula nos cinemas. O ponto é que, QUANDO ela aparece, quando tudo que devia acontecer e você tava torcendo pra cacete acontece MESMO, era inevitável que o Momoa vestisse AQUELE uniforme. Não tinha jeito. Mesmo que não tivessem revelado nenhuma foto, eu saberia que era naquela hora e, digo mais, até ESPERARIA que acontecesse naquela hora. Talvez até ficasse frustrado se não rolasse. E ficou bom. E ele ficou bem. E quando ele cavalga numa espécie de cavalo-marinho mutante e/ou dragão-marinho, tanto faz, aquele fica tão, mas TÃO gibi em tela, que é impossível não sorrir.
É a intensidade das de Jason Momoa, é a impulsividade, a teimosia, a rebeldia, que fazem deste Arthur Curry um herói que é impossível não amar
Aliás, inevitável dizer, repetindo o que escutei muitos coleguinhas jornalistas dizendo ao final da sessão de imprensa do filme e preciso concordar: fazia MUITO tempo que eu não via um filme live-action TÃO com cara de gibi quanto este. Talvez nunca tenha nem visto.
Talvez este seja, desta NOVA era, o meu filme favorito da DC nos cinemas. Mais até do que Mulher-Maravilha. E rapaz, levando em consideração o tanto que eu gostei do filme da Diana, acredite: não é pouco afirmar uma parada assim.
PS: A cena pós-créditos era esperada e dá mais destaque a OUTRO bom personagem de suporte da fase Geoff Johns nos gibis. Não, não estamos falando de uma conexão direta com a sequência ao final dos créditos da Liga da Justiça — embora pudesse, se o tal universo compartilhado da DC tivesse tido um outro destino. E se você conhece o trabalho do diretor... Fique de olhos beeeem abertos. ;)