Arandu Arakuaa: metal brasileiro fincado nas raízes indígenas | JUDAO.com.br

Banda de Brasília mistura a porrada metálica com a sonoridade (e a linguagem) dos índios do cerrado brasileiro

Definitivamente, não tem gênero musical com mais divisões (e aqui temos um trocadilho, sim) do que o heavy metal. Um dos que mais ganhou popularidade nos últimos anos foi o tal do FOLK METAL, que consiste basicamente na mistura sonora de uma ou mais vertentes das mais básicas do metal (tradicional, thrash, death, black, power) com a música popular de raiz de alguma região do mundo. Já é a coisa mais natural do mundo escutar, por exemplo, bandas como os suecos do Amon Amarth fazendo referência à mitologia nórdica ou então os irlandeses do Cruachan, que mesclam sonoridade pesada com um tempero da música celta.

Agora, dá pra imaginar algo do gênero rolando aqui no Brasil? Não, não referenciando os celtas, como os caras do Tuatha De Danann fazem com uma puta competência, mas sim buscando os sons e as histórias do nosso povo. “Ah, mas o Angra fez isso com Holy Land“, você pode me dizer. Só que eu não estou falando apenas de incorporar a batida do baião ao metal, tô indo ainda mais longe, voltando muito mais atrás. Se os irlandeses buscam os celtas para homenagear seus ancestrais, com quem a gente se comunicaria aqui? Quem são os nossos verdadeiros ancestrais? Os brasileiros originais, os índios, aqueles que estavam aqui antes de qualquer homem “civilizado” colocar os pés em nossas terras.

Esta é a proposta do quarteto Arandu Arakuaa, que quer dizer “sabedoria do cosmos”, em tupi antigo. Surgida em 2008 na periferia de Brasília, a banda é um caldeirão que mistura a guitarra furiosa e acelerada de um metal mais melódico com viola caipira, batuques tribais, um vocal feminino mais limpo e outro mais agressivo, gutural. Cantado em inglês? Porra nenhuma. O guitarrista Zândhio Aquino, fundador e principal compositor do grupo, faz questão de que seja tudo cantado em idiomas indígenas, pela necessidade de preservação destas línguas antigas. O mais recente single da banda, que acaba de virar clipe, Ĩpredu, é uma faixa cantada no idioma XAVANTE e com cenas registradas no Memorial dos Povos Indígenas, em Brasília, durante a cerimônia de encerramento da Vigília Guarani Kaiowá.

“Apenas uso o dom de compor músicas que me foi confiado pelos espíritos como forma de honrar nossos ancestrais e dar apoio aos que ainda são vítimas do genocídio e de todo tipo de preconceito”, conta Zândhio, em entrevista ao JUDÃO. Indigenista (pesquisador especializado na histórias dos povos indígenas), ele nasceu e morou até os 24 anos perto da Terra Indígena Xerente, no Tocantins. Mas, além dos xerente, também teve contato frequente com povos como os xavante, os krahô e os karajá, todos da região do cerrado brasileiro. “Depois de sair de casa pra tentar sobreviver na selva de pedra, achei que seria necessário compensar essa ausência física de alguma forma”, explica.

Para compor as músicas, Zândhio revela que geralmente usa apenas viola caipira, chocalho de pé e voz para criar os temas e melodias principais. Aí depois é que entram guitarra, baixo e bateria na equação. “Na verdade, meu contato com a música popular do Norte e Nordeste e com a música indígena é anterior ao rock. Pra mim, é a combinação de três tipos de culturas marginalizadas em nosso país, que fazem parte da minha formação”. Ele conta que sua intenção está longe de ser “fazer música caricata para gringo ouvir” e que não tenta apenas simplificar as canções tradicionais indígenas e depois acelerar o compasso para chamar de “metal”.

Apenas uso o dom de compor músicas que me foi confiado pelos espíritos como forma de honrar nossos ancestrais e dar apoio aos que ainda são vítimas do genocídio e de todo tipo de preconceito

Composições prontas, ele sempre leva o material para a apreciação dos amigos indígenas e deixa claro que, sim, tem alguns que até gostam de heavy metal, indo contra o estereótipo babaca de que metal deve ser cantado inglês pra branco cabeludo da cidade grande ouvir. “Muitos deles apoiam e divulgam nosso trabalho. Mesmo quando não se identificam tanto com a parte musical, ficam felizes por estarmos chamando atenção das pessoas para a sua cultura”. Atenção esta que já foi parar até em salas de aula, durante discussões de história com alunos do ensino fundamental da região e até numa tese de doutorado da área de educação da UNICAMP sobre “Resistência em Ecologia”.

Desde seu primeiro show, em agosto de 2011, o Arandu Arakuaa nunca parou. O álbum de estreia, Kó Yby Oré, veio em 2013 e atualmente eles seguem divulgando o segundo disco, Wdê Nnãkrda (tronco de árvore, em akwẽ-xerente, como representação da fidelidade às raízes mesmo tendo contato com outras culturas), lançado ano passado. “Estamos tentando levantar recursos pra gravar mais um disco em 2017 e já temos bastante material novo”, conta Zândhio.

Arandu ArakuaaAos poucos, o grupo vai conseguindo sair do Centro-Oeste para atingir outros eixos do país, tocando em palcos como o da edição 2015 do Thorhammerfest, em São Paulo, sempre com um repertório 100% autoral. Nada de covers ou versões na área. “Em se tratando de uma banda independente, sempre tivemos uma boa divulgação e aceitação”, afirma, complementando: “nosso público não se restringe apenas à cena do metal e está espalhado em todo o país”.

Embora admita que pretende expandir um pouco mais a divulgação dos trabalhos do Arandu Arakuaa para o exterior (“tivemos alguns bons feedbacks da Europa e aqui da América Latina”), Zândhio corta o barato ao dizer que sua motivação, para fazer sua arte, nunca teve relação com o desejo de ser um rock star. “Ela está intimamente ligada com minha história e a mensagem que quero passar, isso sim”.

Mas e a galerinha mais cabeça fechada do mundo metálico, nunca lhe deu dor de cabeça? Zândhio meio que caga e anda pra isso. “É divertido notar que existe uma ala, digamos, mais conservadora no metal, já que é o gênero musical onde há mais misturas e inovação”, reflete. “Eu não saberia dizer até onde isso nos afeta, nem penso muito sobre, apenas respeitamos as escolhas de cada um. No fim do dia, só queremos ser criativos, passar a mensagem que acreditamos e fazer com ela chegue até as pessoas”.

Agora, se tem uma coisa que aí sim tira o cara do sério é aquela comparação óbvia e imediata com Roots, do Sepultura, que teve duas canções gravadas no meio de uma tribo xavante. “Quando as pessoas ouvem e não são surdos musicais notam que são propostas artísticas BEM diferentes”, solta ele, para emendar uma reclamação. “Na verdade, em geral o headbanger e a mídia brasileira têm essa mania de comparar quase tudo a Sepultura e Angra. Ok, são os maiores representantes do gênero em nosso país e merecem todo nosso respeito e apoio, mas antes e depois deles sempre tivemos bandas fazendo música de qualidade e original”.

True story.