Novo trailer do filme do Esquadrão Suicida joga uma possível pista sobre a origem da personagem nos cinemas – será que ela é fiel aos quadrinhos?
Menos de dois segundos. É isso que dura um pequeno trecho desse último trailer de Esquadrão Suicida em que vemos o Coringa com a Dra. Harleen Quinzel na água do volume morto num líquido estranho, com tinta azul e vermelha colorindo.
Será que essa é a ORIGEM da Arlequina dos cinemas? Pode até ser, mas... Será que a personagem precisa necessariamente cair num tonel de ácido, como o seu Puddin’, pra ser quem é?
Cê sabe: a Arlequina não é uma criação dos quadrinhos, originalmente. A primeira aparição dela aconteceu na clássica Batman: The Animated Series, exibida pelo canal Fox gringo a partir de 1992, no episódio Joker’s Favor – o 22º do desenho animado. Mas ela não foi, logo de cara, pensada pro estrelato.
Paul Dini e Bruce Timm, os responsáveis pela série, pensaram na Harley para um papel pequeno neste episódio, que é sobre um cara comum que fica devendo um favor pro Coringa e, anos depois, o vilão resolve cobrá-lo (um dos melhores da série, diga-se). Pra dublá-la, Dini chamou a atriz e amiga Arleen Sorkin, que havia feito o novelão Days of our Lives e aparecido lá fantasiada de bobo da corte, servindo de inspiração pra ideia do visual da nova parceira do Coringa.
Sabe aquelas coisas da vida que fazemos meio que se entender pra onde estamos indo e tudo dá certo? Então, deu. Arlequina era incrível em cena e os produtores da série perceberam que tinham uma personagem para além de uma só aparição. A partir de então, se um episódio tinha o Coringa, quase que obrigatoriamente tinha a Arlequina. Uma química incrível, que funcionou na tela e nas vozes de Arleen e Mark Hamill, que dublava o PALHAÇO.
No começo, ela servia apenas de suporte para o Coringa, que pisava na parceira. Tanto é que o nome ~civil Harleen Quinzel apareceu apenas no episódio 51, The Man Who Killed Batman, meio que sem querer, quando a vilã se passou por uma advogada. Parecia mais uma brincadeira do que um nome verdadeiro.
O episódio 56 de The Animated Series é o próximo ponto de virada nessa história. Em Harley and Ivy finalmente a Arlequina ganha vida própria, indo viver junto da Hera Venenosa e as duas aterrorizam Gotham como as Rainhas do Crime. Um dos melhores episódios.
(Sim, a lista de “melhores episódios” de Batman: The Animated Series é bem grande.)
Foi aí então que surgiu a ideia de contar a verdadeira origem da Arlequina. De onde ela veio, afinal, nos faria entender para onde ela estava indo. Dini e Timm se juntaram mais uma vez e escreveram a graphic novel Mad Love, que tem arte de Glen Murakami junto com a do Bruce Timm. Tudo dentro do contexto da série animada.
Na HQ, descobrimos que Harleen Quinzel era uma psiquiatra que passava um período de residência no Asilo Arkham. Num dia de trabalho ~normal, Harleen fez uma consulta com o Coringa, descobrindo que, quando criança, ele apanhava de um pai alcoólatra. A cada entrevista, Harleen ia se identificando ainda mais com o paciente e, finalmente, chegou na conclusão que o grande motivador do ódio do Coringa era o Batman. E, a esta altura, ela estava apaixonada pelo paciente.
Como fazer então para que ele a amasse de volta? Primeiro, ajudando o Coringa escapar – e, pra isso, se vestindo de Arlequina. Depois era só MATAR o Batman. Num tanque cheio de piranhas. Quase dá certo, mas o Cavaleiro das Trevas revela para a psiquiatra que o vilão só estava usando-a, que nunca existiu abuso ou infância infeliz. E que, bom, ele nunca acreditaria que o plano da psiquiatra deu certo, afinal não teria um corpo pra provar que o verdadeiro Batman foi morto. Harley não aceita e continua insistindo que o Coringa a ama e então é desafiada: ligar pro seu amado e mandar ele ir até lá, com o Morcegomem ainda vivo.
O Coringa fica PUTO quando descobre que a psiquiatra tentou matar o Homem-Morcego sozinha. Como alguém poderia querer tirar a diversão DELE? De qualquer forma, depois de fazer a Harley voar pela janela, por que não aproveitar a oportunidade para matar logo o Batman, né?
Tudo vira então uma enorme treta, com a perseguição culminando em cima de um dos trens do metrô. “Harley chegou mais perto de me matar do que você jamais conseguiu, PUDDIN’”, provocou o Batman. O Coringa fica ensandecido, ataca, mas... O Batman vence.
A história termina em Arkham, com a Harley muito machucada e, agora, uma paciente da instituição. “Eu finalmente percebi o que ele é: assassino, manipulador, um irremediável...”, diz Harley, parando ao reparar que há um vaso com uma flor em sua cela/quarta. “Fique bem logo –J”. “Anjo”, finaliza, com um sorriso. Nascia, definitivamente, a Arlequina.
Harley é, nessa interpretação original, uma pessoa com suas neuroses, psicoses, obsessões, problemas... Alguém que já é maluca por si só, por mais que não fosse claro antes (AFINAL, quem pensa em matar o Batman não é muito são) e, de uma forma louca, vê beleza no Coringa, enxerga o amor. Será um amor correspondido, ou o vilão apenas usa desse amor em seu benefício próprio? Não sei, e acho que nem o Coringa sabe. De qualquer forma, é essa dinâmica que leva o relacionamento dos dois pra frente.
Mad Love se tornou um clássico instantâneo, vencendo o Eisner Awards (o mais importante das HQs) no mesmo ano. Depois, a graphic novel foi finalmente adaptada para a série animada The New Batman Adventures, que é a continuação direta de The Animated Series, em 1999. Foram feitas poucas mudanças na história e apenas uma adaptação no estilo dos personagens, já que essa nova animação tinha um traço mais “limpo” que a original.
Mais ou menos nessa época, a Arlequina fez algumas aparições em crossovers com o Batman em Superman: The Animated Series e Super Choque, além de aparições na versão em quadrinhos de Batman: TAS desde 1993. A vilã também mostrou sua face em outras HQs fora da cronologia, mas faltava ser introduzida de forma definitiva no Universo DC.
Isso aconteceu finalmente em 1999, durante a fase Terra de Ninguém – que começa após um terremoto devastar Gotham. A graphic novel Batman: Harley Quinn se apropria de diversos conceitos do desenho animado, mostrando que Harleen Quinzel era uma estudante modelo e uma ginasta dedicada. Ela vai estudar psiquiatria e acaba em Arkham, onde vai fazer residência. Obviamente ela começa a fazer terapia com o Coringa, que a seduz...
Ela tenta ajudar o amado a escapar algumas vezes – o que acaba fazendo com que ela seja presa. Eventualmente rola o terremoto em Gotham, ela escapa, assume o nome de Arlequina e vira a nova parceira do Coringa. Como não estamos falando de televisão, as ações e relacionamentos da personagem são mais sombrios. Nesta versão, ela é menos “divertida” e mais assassina, com um relacionamento mais profundo com o seu Puddin’: ao mesmo tempo que ele abusa da parceira, também demonstra diversas vezes carinho e afeto por ela.
Eventualmente, a Arlequina ganhou uma revista própria, de 2000 a 2004. Depois, ela fez aparições em Aves de Rapina como uma dos integrantes do Sexteto Secreto e em diversos arcos do Homem-Morcego.
Em 2011 a DC promoveu um grande reboot da cronologia. A origens de diversos personagens foram modificadas — e a Arlequina não escapou disso.
A personagem apareceu logo de cara em Suicide Squad #1 como uma das integrantes da nova versão do Esquadrão Suicida. E não era só isso: havia um novo uniforme, que deixava o corpo dela mais a mostra, além do cabelo preto/azul-e-vermelho (antes era loiro) e uma pele realmente branca (antes era só maquiagem). Na edição 7 do gibi foi explicado os motivos dessas mudanças físicas.
No passado, o Dra. Serano, de Arkham, descobriu que a então Dra. Harleen estava apaixonada pelo Coringa e, pra provar, roubou suas anotações. Elas acabam tretando e são interrompidos por um dos guardas do asilo. Ela mata ambos, encontra o Coringa e, juntos, eles fogem.
O Coringa então resolveu levar a nova parceira até a Química Ace. “Vamos comemorar o seu novo nascimento”, diz o vilão, que joga Harley em um tonel de ácido igual ao que o transformou anos antes. Ela sai de lá sorrindo, modificada. Nascia a nova Arlequina.
O grande problema dessa versão é que ela reduz um pouco as motivações da Arlequina. Sim, a história ainda deixa claro que ela, antes de tudo, já era uma homicida e apaixonada pelo Coringa, mas define que sua transformação só é concluída depois de sofrer o mesmo acidente que o Coringa. Se antes a loucura dela era mais “plausível”, agora ficou mais “história em quadrinhos” do que nunca.
Com um apelo cada vez maior entre quem lê quadrinhos, a Arlequina finalmente ganhou um novo gibi próprio, em novembro de 2013. Na HQ, Amanda Conner e Jimmy Palmiotti passaram a encarnar a Arlequina de outra forma, com uma forte influência do Deadpool eu diria, tornando-a uma anti-heroína. Pra você ter uma ideia, a edição 0 é completamente metalinguística, com a protagonista passeando pelos quadrinistas da DC para descobrir quem deve assinar o gibi.
Com várias capas variantes, a revista foi um sucesso, teve reimpressão, versão do diretor... No total, foram 120 mil exemplares. Vendeu mais que algumas edições de Justice League e o crossover Forever Evil, por exemplo. Não foi pouco, nem um sucesso passageiro: em 2015, o gibi Harley Quinn vendeu uma média de 68 mil exemplares por mês. É mais do que conseguiram os medalhões Superman (média de 50 mil), Mulher-Maravilha e Lanterna Verde (ambos com 40 mil).
Se tem uma constante em todas as versões da Arlequina (e isso inclui os games da série Arkham) é o amor pelo Coringa e o fato de Harley ter sido, antes, uma psiquiatra. Isso está no filme do Esquadrão Suicida. Mas, será que veremos uma transformação mais natural pra personagem, ou ela vai precisar nadar no ácido?
Sim, esse trecho do trailer dá a entender que teremos essa segunda versão – só que de uma forma, digamos, mais interessante do que nos gibis, sem ser essa coisa de “te joguei”. Por outro lado, no mesmo trailer, é possível ver a Arlequina na prisão sem maquiagem e com o cabelo totalmente loiro. Se é maquiagem, não tem tonel de ácido – afinal, nesse caso, as transformações seriam definitivas.
Por mim, não ter o ácido seria o melhor caminho, no sentido de construir uma personagem mais interessante, mais CRÍVEL. E nada impede dessa cena com o Coringa ser outra coisa, uma referência, apenas.
Mas tem tatuagens. Já deu pra notar que elas são uma marca importante da caracterização tanto do Coringa quanto da Arlequina nessa nova versão. Afinal, 2016. Se ambos expressam na pele (com maquiagem ou não) e nas roupas seus gostos, vontades e delírios, nada mais justo do que tatuar isso. Se você faz, também há diversos motivos para eles fazerem.
O que importa é que a cada versão a Arlequina ganha novos detalhes e, apesar de jovem (22 anos!), vai se transformando numa das personagens mais completas e interessantes da DC.