Ver novamente Bruce Campbell munido de sua boomstick e da serra elétrica foi como revisitar um velho amigo, na melhor (e mais sangrenta) série de terror dos últimos tempos
Enquanto ainda aguardamos a estreia da série no Brasil, o finale da primeira temporada foi exibido nos EUA no último sábado (2) e já posso afirmar sem nenhum medo de errar ou exagerar que Ash vs. Evil Dead é a melhor série de terror que a TV já viu em MUITOS anos.
Em 1981, Sam Raimi, Robert Tapert e Bruce Campbell se juntaram pela primeira vez para criar o terror cult definitivo, A Morte do Demônio. Raimi mudou o destino do cinema de gênero para sempre provando que se pode fazer algo experimental e extremamente inteligente, com um roteiro bacana mesclando forte inspiração do gore italiano com o cinema adolescente americano. E tudo isso com orçamento irrisório (300 mil dólares na época), efeitos especiais práticos e atores amadores para sustentar 85 minutos de fita.
Na história, cinco jovens vão passar uma noite em uma cabana abandonada no meio da floresta e no porão encontram uma gravação feita por um arqueólogo que fazia expedições nas ruínas da antiga cidade de Kandar e também um livro que é denominado O Livro dos Mortos, inspirado no Necronomicon de H.P. Lovecraft (que só seria batizado com esse nome nas continuações). Ao ouvir as gravações, eles despertam um mal SECULAR que vive na floresta e vai possuindo os jovens e os transformando em criaturas demoníacas. Daquela terrível “noite alucinante”, apenas um sobrevivente: Ashley J. Williams. O resto... :)
Na trama da série, depois de 30 anos passados da verdadeira cruzada de Ash contra os demônios kandarianos, o sujeito continua sendo aquele fracassado típico: vive em um trailer, 15 quilos acima do peso, sempre enchendo a cara nos botecos, dando em cima de quem vê pela frente e ainda trabalha em um subemprego numa loja de departamentos (não mais na S-Mart). Em uma noite de farra, Ash e uma garota fumam um CIGARRINHO DE ARTISTA, ficam chapadíssimos e o idiota galanteador, como não sabia nenhuma poesia, recita para ela as passagens proibidas do Necronomicon, que guardava escondido em um baú de metal junto com sua coleção de revistas pornô.
Pronto. Mais uma vez ele mandou pras CUCUIAS o destino da humanidade e caberá ao nosso herói (?) combater novamente as terríveis forças do mal. Só que dessa vez ele contará com o auxílio de Pablo (Ray Santiago), um imigrante hondurenho que possui um tio brujo, que lhe contará sobre a lenda de uma figura conhecida como El Jefe, o escolhido para combater as forças do mal quando o momento da danação chegar, e Kelly (Dana DeLorenzo), ambos colegas de trabalho do nosso herói.
No elenco, ainda há espaço para duas personagens femininas bem fortes. A detetive Amanda Fisher (Jill Marie Jones) que investigará o caso e ficará na bota de Ash, revelando-se mais tarde um “par romântico” (ou quase isso), e também a eterna Xena, Lucy Lawless, no papel de Ruby Knowles, que diz ser a filha do Professor Knowles. Você sabe, aquele que traduziu as inscrições do Necronomicon na cabana – que, como sabemos, junto com sua esposa Henrietta e sua outra filha, Annie, teve um destino trágico no segundo filme. Mas nos últimos episódios, descobrimos que tem algo de podre nesta história...
Ao final de sua primeira temporada, que teve 10 episódios de apenas 30 minutos cada, o mais importante para se avaliar (e curtir) Ash VS. Evil Dead é colocar na cachola que séries de televisão e filmes de cinema são duas mídias COMPLETAMENTE diferentes, por mais que conversem de forma bem próxima. É simplesmente impossível executar a mesma linguagem em ambas, você já ouviu a gente falando um monte sobre isso aqui no JUDÃO. Aos fãs mais puristas de Evil Dead, há de se saber que não haveria a menor possibilidade de utilizar Ash como um personagem solitário, sem seus sideckicks Pablo e Kelly, ao longo de toda uma temporada — simplesmente não haveria roteiro, estrutura narrativa e até mesmo atuação, mesmo se tratando de um Bruce Campbell de volta na sua melhor forma, que suportasse.
A Morte do Demônio e Uma Noite Alucinante, as duas maiores referências para a série, têm lá seus 90 minutos de duração em média, mostrando um homem em uma cabana no meio da floresta enfrentando criaturas demoníacas possuídas, mas não dá para fazer uma série inteira só com isso. PRECISAMOS das tramas paralelas, os parceiros de Ash, o enxerto de personagens, outras ameaças para o trio combater (que se autodenominou como GHOST BEATERS, aliás), elementos que entraram no cânone e até algumas barrigadas e arcos longos demais. É bem complicado uma série, por melhor que seja, ter 100% de aproveitamento em todos os seus episódios.
Houve também quem reclamasse muito da utilização do CGI. Acho que isso passa por um gosto mais pessoal e oldschool, mas devemos lembrar que a série PRECISAVA ser atualizada, com recursos tecnológicos disponíveis. Todo mundo adora a tosqueira, os bonecões, o sangue de guache, o stop-motion e o purê de batata nos filmes com seus efeitos práticos, mas sabemos que isso simplesmente não funciona nos dias — e com a audiência média de hoje. Pra mim, os efeitos foram bem aplicados, sem exagero ou falta de qualidade técnica.
Mas o mais importante é que Ash VS. Evil Dead manteve o espírito do original, com certeza. Principalmente em seus primeiros episódios e nos três últimos, com a volta do personagem à cabana. Todos os deadites mantiveram-se fiéis ao visual das criaturas kandarianas criadas por Sam Raimi, mas com um toque de maquiagem e de efeitos mais modernos. Ver novamente Bruce Campbell, munido da serra elétrica acoplada em sua mão decepada explodindo e decapitando a cabeça dos deadites foi como revisitar um velho amigo que não vemos há algum tempo. Daqueles amigos que amamos, cujos trejeitos conhecemos bem e de quem ficamos à espera de uma piadinha infame e de gosto duvidoso, de uma cantada de pedreiro... Um bom e velho medíocre americano de meia-idade. Ponto para tudo isso.
Nos quesitos gore e splatter, marcas registradas da “franquia” então, a série é indiscutível. Baldes e baldes de sangue, vísceras, tripas, membros amputados, cabeças decapitadas, cérebros espatifados com tiro de espingarda, demônios abertos ao meio com serra elétrica e até um rosto fatiado numa máquina de frios (!!!) estiveram presentes, elevando à estratosfera o nível da violência gráfica já mostrada em uma série de televisão. Em um só episódio havia mais sangue que em toda uma temporada de True Blood!
Para os fãs dos filmes, impossível ignorar a tonelada de referências, homenagens e easter eggs. Desde a reaparição do famoso Oldsmobile Delta 88, do Necronomicon, do punhal kandariano, da sua mão decepada, do Bad Ash (aquele com quem ele treta em Uma Noite Alucinante 3), até chegar à cabana e todos os seus elementos ali presentes. Estão lá a cabeça de veado empalhada, o relógio de pêndulo, o espelho na parede, o tape de rolo com a tradução das inscrições, o balanço na entrada e o porão. Rola até a famosa “shaky cam” – o improviso de um Raimi que não tinha grana para bancar uma steadicam – que faz as vezes do POV da força do mal zanzando entre as árvore da floresta.
O grande ponto negativo da série ficou mesmo por conta de seu final, que deixa um gosto meio ruim na boca, com um recurso preguiçoso de roteiro. Tá bom, até faz algum sentido, uma vez que Ash nunca foi um herói — ele é racista, hipócrita, mulherengo, machista, arrogante e egoísta. Mas o cliffhanger que sobra não tem nada de atraente, não é do tipo que deixa aquele “gostinho de quero mais” para uma segunda temporada – e que já nasce sob desconfiança do que ela poderá se tornar, uma vez que corre o risco de ser mais um Supernatural da vida, com Ash, Pablo e Kelly tendo que caçar demônios por aí, do que Evil Dead propriamente dito. Uma lição que Constantine aprendeu a duras penas.
Sinceramente, penso que deveria ter funcionado como uma temporada única, como um revival do personagem e daquele universo, uma verdadeira volta triunfal, com todos os envolvidos na mais perfeita forma (Campbell está incrível e o piloto dirigido por Raimi é histórico), indo além do simples fan service, e todo mundo ficaria contente. Além disso, ao invés de 10 episódios relativamente curtos, talvez seis, com uma metragem maior (45 minutos habituais ao invés da meia-horinha), condensando algumas passagens e eliminando outras colocadas ali só para encher linguiça.
Mas já que teremos oficialmente uma nova temporada vindo aí no segundo semestre, o jeito é confiar em Campbell e nos produtores, Sam Raimi e Robert Tapert, esperando que eles possam nos surpreender.
E que Ash VS. Evil Dead continue sendo tão GROOVY quanto essa primeira temporada, que apesar de uma ou outra derrapada, nos levou de volta àquela gloriosa cabana e presenteou os fãs com a sensação deliciosa de ver a real sequência de Evil depois de longos anos de espera... ;)