Indicado a 6 Oscars, incluindo de Melhor Filme, Melhor Diretor e Melhor Ator, nova produção dirigida por Mel Gibson e estrelado por Andrew Garfield estreia essa semana no Brasil.
O soldado americano Eugene B. “Sledgehammer” Sledge (sim, aquele mesmo de The Pacific) descreveu a ilha de Okinawa, que fica a cerca de 580km sudoeste do Japão, como “o canto mais horrível do inferno que eu já testemunhei” em seu livro With the old Breed, de 1981. “Cada buraco tinha água até a metade, a muitos dele tinham o cadáver de um Marine. Os corpos ficam lá, pateticamente, como haviam sido mortos. Enxames de moscas enormes ficavam sobre eles”. Segundo ele, onde quer que olhasse, havia “vermes e decomposição. Homens lutaram e sangraram em um ambiente degradante e eu acredito que nos levaram à uma latrina do inferno”.
De 01 de Abril a 22 de Junho de 1945, durante quase três meses o exército e a marinha dos EUA tentaram conquistar a Ilha pra facilitar os bombardeios nas ilhas principais do Japão, acabar com um dos caminhos de suprimentos e a usar como base de apoio à invasão do Japão. Foi a chamada Batalha de Okinawa ou, como chamam os japoneses, tetsu no ame ou tetsu no bōfū, “Chuva de Aço” e “Vento violento de Aço”, respectivamente, por causa não só das balas, mas também dos ataques kamikazes.
Não à toa, essa foi uma das batalhas mais violentas da Segunda Guerra, com cerca de 20.195 mortos, 55.152 feridos e 26.000 com problemas psiquiátricos, só do lado dos EUA. Pelo Japão, estima-se entre 77.166 e 110.000 mortos, além de 7.000 capturas. GENTE PRA CARALHO.
Foi no meio dessa treta bem leve que, depois de servir em Guam e nas Filipinas, o soldado Desmond Doss serviu, salvando entre 50 e 100 soldados na chamada montanha 196, a Escarpa de Maeda ou, como chamam os gringos, Hacksaw Ridge... E sem usar uma única fucking arma. Essa é a história de Até o Último Homem, filme indicado a doze BAFTAs, aos Globo de Ouro de melhor filme, direção e ator e seis Oscars, incluindo melhor filme, direção e ator, que estreia nessa quinta, 26, aqui no Brasil.
No filme, dirigido por Mel Gibson (uma década depois do seu último trabalho), Andrew Garfield interpreta Desmond Doss, um garoto que cresceu na Virginia durante a Grande Depressão e que, depois do ataque a Pearl Harbor, resolveu servir o Exército dos EUA. Só que, por conta das suas crenças religiosas, não só ele sequer encostaria numa arma como somente rezaria aos sábados, o que o tornou um objetor de consciência — pessoa que segue princípios religiosos, morais ou éticos de sua consciência, incompatíveis com o serviço militar.
A questão é que Doss acreditava que a guerra era justa, mas também que matar erra errado — e até por isso nunca aceitou a coisa de “objetor”, considerava-se mais um “colaborador de consciência”: ele queria ir para o campo de batalha, sim, mas com o único objetivo de salvar pessoas.
Dessa maneira, Doss foi o primeiro obje–AHAM colaborador consciente a ganhar uma Medalha de Honra do governo dos EUA.
Diversos produtores tentaram levar a história de Doss para o cinema durante décadas, inclusive Hal B. Wallis, responsável por Casablanca, mas foi só em 2001 que Desmond Doss aceitou vender os direitos da história. De acordo com seu único filho, Desmond Doss Jr., a razão era o medo de que tanto filmes quanto livros fossem contados de maneira equivocada OU sensacionalista. “A razão pela qual ele sempre declinou foi que nenhuma delas atendia ao seu único requerimento: que fosse preciso”.
Foram 14 anos até que Até o Último Homem começasse finalmente a ser gravado, depois de duas negativas de Mel Gibson. Foi esse o mesmo número de nãos que Mel Gibson disse, uns vinte anos antes, quando ofereceram pra ele a direção de Coração Valente.
Coincidência? ;)
Até o Último Homem foi exibido pela primeira vez no Festival de Veneza do ano passado, onde foi aplaudido, de pé, por dez minutos. Pudera: não só a mensagem pacifista do filme é clara e importante no mundo em que vivemos hoje, como o trabalho do Mel Gibson impressiona.
A ideia do produtor Bill Mechanic de chamá-lo pra repetir a mistura de violência e fé de A Paixão de Cristo foi certeira, já que ninguém representa o sofrimento humano tão bem no cinema como Gibson (talvez o faça até bem demais!), ao mesmo tempo em que esfrega na nossa cara o quão ruim tudo aquilo pode ser. E é. “Eu acho isso notável, o nível de precisão em seguir o principal da história neste filme”, afirmou Desmond Doss Jr.
Claro, há algumas, digamos assim, liberdades poéticas, como quando e onde ele conheceu a sua esposa Dorothy (Teresa Palmer), o que o fez decidir jamais, em hipótese alguma, não seguir os 10 mandamentos (o sexto é o que fala sobre “Não Matarás”)... Mas pra isso existe o documentário The Conscientious Objector, de 2004.
Até o Último Homem é aquele filme BASEADO em fatos reais, mas os representa de maneira impressionante.