O responsável pelos primeiros filmes da Marvel — e consequentemente, por boa parte do sucesso desse novo Universo — falou sobre os erros do passado, as dificuldades de se levar um super-herói a sério nos cinemas, o amor de Peter e Gwen e o que ele gosta nos quadrinhos do Cabeça de Teia
A-Arca JUDÔNICA tem como INTUITO resgatar algumas das melhores publicações dos quase 15 de existência do Judão... e d’A-Arca. Republicaremos por aqui algum artigo, entrevista, podcast ou qualquer coisa que tenhamos feito na nossa vida que faça algum sentido nos dias de hoje. Gotta get back in time!
Um dos principais personagens da notícia mais bombástica da cultura pop desde que a Disney anunciou a compra da LucasFilm (e uma nova trilogia de filmes) é Avi Arad. Se hoje vivemos em um mundo em que o Homem-Aranha já ouviu falar do Homem de Ferro, Viúva Negra, Agente Coulson e a Batalha de Nova York, devemos a ele.
Não só porque foi ele que começou essa história toda, mas porque seu nome não foi citado nem uma vez no acordo anunciado pela Marvel e Sony na madrugada de segunda pra terça, e essa é uma peça chave em toda a história.
Por isso fomos atrás dessa entrevista, publicada na época do lançamento de O Espetacular Homem-Aranha, mas feita alguns vários meses antes, no Rio de Janeiro, pra vocês conhecerem um pouco mais dos bastidores dessa história toda. :)
Guardadas as devidas proporções, e de maneiras diferentes, Stan Lee está para os quadrinhos assim como Avi Arad está para os cinemas. Foi ele que fundou a Marvel Studios, foi ele que levou os X-Men e o Homem-Aranha para os cinemas e, bem, se hoje em dias nós temos filmes sensacionais como Os Vingadores e X-Men: Primeira Classe, a culpa é de Stan Lee, lá atrás, por ter criado os personagens e dele, HOJE, por ter criado a possibilidade de que os personagens de histórias em quadrinhos fossem levados a sério nos cinemas.
Foi uma realização pessoal e profissional estar frente a frente com o velhinho, meio surdo, falando extremamente devagar (e extremamente muito, o que é ÓTIMO pra uma entrevista), usando, assim como Matt Tolmach, um terno e uma camiseta de O Espetacular Homem-Aranha, filme que ele veio, junto de Tolmach e Emma Stone, divulgar aqui no Brasil, no início de fevereiro.
Na época, só tivemos a chance de assistir a uma prévia do filme, que já serviu pra entendermos, pelo menos, onde ele queria nos levar. E foi justamente sobre isso tudo que conversamos... Não sem antes, é claro, falar sobre o que muita gente considera um probleminha na sua carreira: Homem-Aranha 3.
Gostaria e MUITO de ter falado mais com ele sobre isso e, hoje, depois de ter assistido a O Espetacular Homem-Aranha... Mas os 20mins que tive com ele foram bastante produtivos. Creio que os fãs do Escalador de Paredes, dos quadrinhos ou do cinema, vão enxergar as coisas com alguns outros olhos... ;)
!! Eu quero começar com uma pergunta difícil: você acha que Homem-Aranha 3 foi um erro, ou tinha alguma coisa de errado com ele? Você vê algo errado nele?
Bom... a resposta rápida é “Não”. Mas... se você se aprofundar, se for uma pessoa bem otimista, pode ver o que funcionou muito bem ali. Eu acho que o “dark Peter” foi fantástico. Foi uma jornada fantástica pra ele. Eu acho que Topher Grace foi espetacular, o jeito de como as coisas foram se arranjando, quando os dois... Eles nunca tiveram que colidir. Foi muita coisa, muito perto. Essa parte foi fantástica. A morte do Harry foi devastadora.
E eu assumo a culpa pelo Venom.
Sam Raimi queria fazer Eddie e talvez pular o Venom. Às vezes pode ser um erro, mas eu achei que se estamos contando a história do lado sombrio do Peter Parker e quando o simbionte o domina, ele tem de seguir o caminho todo, e não só pela perspectiva da história. Graficamente, foi uma das mais efetivas cenas – feita de uma forma que foi inacreditável. Um dos grandes momentos do filme. Entre o momento em que Topher estava rezando... eu achei que foi “UAU”. Ele sentado na torre... foi uma obra de arte. Então, aquela parte eu achei que foi fantástica.
Acho que colocamos muita coisa no filme... foi uma boa lição para todos nós. O filme foi o mais bem sucedido da série, comercialmente. Mas os fãs... você sabe, é o que é. Alguns deles adoraram, outros odiaram... Se você olhar os fóruns, “eu adorei”, “eu odiei”, “não deviam ter colocado o Venom”, “eu queria mais Venom”... tudo bem, tem que haver um diálogo. Se você se coloca nessa posição, tem que arcar com as consequências. É difícil... eu achei que se cometemos alguns erros, eu acho que foi colocar muitas coisas ao mesmo tempo. A história do Peter era tão forte, e a história do Harry também... e a colisão entre os dois... eu achei que o Venom, especialmente perto do final, tinha de fazer algo que fosse fatal, já que o Homem-Areia não poderia fazê-lo... foi muita coisa pra se assimilar. E algumas coisas, especialmente em se tratando de histórias da Marvel, você tem que passar um tempo com opersonagem. Então, a sensação que ficou foi “ou me dê mais, ou não me dê nada”.
!! Como você está se preparando para o ceticismo que está acontecendo em relação a este filme? Você sabe, um novo Homem-Aranha, uma nova garota, que é a garota original, o amor verdadeiro da vida dele. Como vocês estão se preparando para lidar com os fãs e a resposta deles em relação a tudo isso?
Sabe, na verdade eu já esperava isso. Esperava isso da mesmas pessoas que não gostaram do terceiro filme. Isso faz parte da paixão dos fãs. É algo meio esquizofrênico. Eu senti, pessoalmente, que quando eles puderem conhecer Andrew e Emma, e ver a química, a história... os fãs conhecem aquela a história. Eles são de todas as classes sociais, têm diversas histórias de vida...
Temos uma criança que não sabe o suficiente sobre seus pais, sofre com os segredos do seu passado... eles entendem isso. Geralmente é por isso que eles se tornam geeks; tem alguma coisa, lá dentro, quando são novos... depois de entenderem como ele lida com isso, quando virem que Andrew não é triste, não é depressivo por isso... ele é feliz com ele mesmo. Eu fui filho único, era muito feliz sozinho. Meus filhos parecem sempre precisar brigar entre si, eu vejo isso. Eu era sozinho, era bom! Então eu lia livros, quadrinhos, ouvia música... eu me entretia. Eu não precisava de um grupo grande. Eu era muito feliz daquele jeito. Quando puderem vê-lo, esse Homem-Aranha, que tem humor, tem “alegria de viver”, que é sexy e merece conseguir a garota... é uma das coisas que vai ser maravilhoso, aqui: as garotas mais novas finalmente vão ter uma Gwen Stacy que pode ser um exemplo pra elas, com a qual elas podem se identificar, da mesma forma que os garotos se identificam com ele. Ela é forte, é engraçada, linda... ela dá suporte pro seu homem e é atenciosa. Mas o mais importante: ela acha que é mais esperta do que ele, em algumas formas... e isso cria uma coisa fantástica, que podemos notar em vários relacionamentos. Então nós temos uma química fantástica.
E Martin Sheen... ele é maravilhoso. Eu não quero falar que ele é melhor do que o outro, porque ele já faleceu e também era ótimo, mas Martin Sheen... você se apaixona por ele em cinco minutos. Essa é a chave. Se você consegue fazer com que se apaixonem em cinco minutos... e também temos a maravilhosa Sally Fields, o capitão Stacy... isso é interessante, você tem tudo isso e ainda coloca Rhys Ifans por cima. Você tem um cara que é dramático sobre a sua vida, porque é tão inteligente; ele é praticamente a mesma coisa que o Peter. Peter tem essas falhas essenciais, por um lado, e ele não tem um membro. É complicado, porque eles querem ser “normais”, claro. Querem que as pessoas olhem normalmente para eles. As pessoas não sabem como lidar com esse tipo de coisa. Você vê alguém sem um braço... você não quer olhar. Você não sabe como olhar, é estranho. Você tem defeitos muito reais, aqui. E isso é uma ótima oportunidade para se contar uma história real.
O melhor exemplo é a Comic-Con. Eu fui para San Diego pensando “vamos confiar no que eu faço” e foi o maior evento da feira. Então, tudo que você pode fazer é o melhor filme possível, ser verdadeiro com o personagem – e o que eu quero dizer com isso é o que está dentro dele, é o que faz Peter ser único, sempre foi único; aí introduzir a garota que todos nós queremos... demos muita sorte, porque ela é engraçada, rápida... é maravilhosa. E então temos duas adições maravilhosas: uma delas, claro, é Connors – que é conectado à vida do Peter de tantas formas diferentes, em algumas formas de um jeito mais interessante, complexo, isso o faz mais sombrio. E aí você tem o pai da Gwen, que é basicamente a anti-metáfora extrema. “Aqui temos um ‘justiceiro’, eu sou um policial”... o herói tentando dizer “Ei, eu estou ajudando vocês! Por que vocês estão bravos comigo? Eu estou fazendo o que vocês não podem fazer!” E no meio disso tudo tem essa garota fantástica, que ama esses dois homens... e quando você vir o final do filme, eu acho que você vai... eu aposto que você vai adorar.
!! É bem provável. Eu adorei as cenas que pudemos ver... e eu acho que é diferente de Homem de Ferro, por exemplo. Eu não vejo Homem de Ferro como um “filme de super-herói”. É um filme de origem, mas é sobre um personagem. O Espetacular Homem-Aranha parece ser dessa forma: não um filme de super-herói, este aqui...
É um filme de herói VS. um filme de super-herói. É o que queríamos fazer. As pessoas estão dizendo “caramba, tão fazendo muitos filmes de super-heróis”... É, quando fica muito exagerado... eu preciso de mais realismo. Eu adoro fantasia, sci-fi... mas eu quero que o personagem seja alguém como era o Homem-Aranha. Eu tinha dezesseis anos quando a revista em quadrinhos foi lançada. Eu a li e pensei “Puta merda, é a minha vida”. É confortante olhar no espelho e dizer “Ok, eu tô feliz de estar sozinho, não tenho problemas com isso”...
!! Você trabalhou na Marvel Studios, que meio que mudou a forma de como essas histórias estão sendo contadas. O que você trouxe, disso tudo, pro filme O Espetacular Homem-Aranha? Alguns conceitos, assim... o que você aprendeu lá e trouxe pra cá?
Eu acho que a mais importante é levar o personagem a sério. Eles não são ficção. Não são mesmo. Eu sempre olhei para os superpoderes como uma metáfora. Os poderes são como se fossem o teste definitivo para eles. Tudo que você conseguir superar, porque os poderes corrompem... então, pra mim, eu acho que o que fizemos no Marvel Studios, e até mesmo antes disso, na Marvel Comics, quando começamos com os filmes, nós levamos à sério.
Blade não era só um maluco com dentes, correndo por aí. Ele tinha uma mãe, tinha de fazer algumas coisas... ele tinha problemas. Problemas com os quais nós podemos nos identificar, independente de onde estamos. É como assistir a uma peça de teatro. No fim das contas, se encontra uma maneira de se expressar. Então, se você levar isso a sério, se não olhar aquilo e pensar “ah, é só quadrinhos”, se não prestar atenção ao significado das palavras... esse é o problema. Eu passei por isso com algumas pessoas que não sabiam o que são quadrinhos. Eu tive um ator que me disse algo como “tá, é tipo o Bazooka Joe?” (tirinhas que vinham junto de chicletes, nos EUA). Então, NÓS achamos que todo mundo sabe o que são quadrinhos. Atualmente, com todos os filmes e tal, mais e mais pessoas realmente sabem. Mas alguns atores, que fizeram um trabalho brilhante depois que estiveram em um filme de quadrinhos, realmente não faziam ideia do que isso era.
!! Você disse antes que usa os quadrinhos como uma “bíblia” para o filme. Quais histórias vocês usaram para fazer O Espetacular Homem-Aranha? Quais vocês planejam usar para basear essa nova franquia?
Eu não posso contar isso pra você, senão você já vai conseguir desvendar o futuro da franquia com facilidade, mas... Bom, a noite que Richard e Mary foram embora foi obviamente usada. Mas... qualquer outro detalhe... sabe, no fim das contas, esses quadrinhos lá do passado, da época do Stan Lee, foram maravilhosamente escritos, os personagens foram maravilhosamente desenhados. Então, por que não ir até lá? Então, para os fãs dos quadrinhos, se eu falar o nome de uma... se eu disser Homem-Aranha Nunca Mais, você vai saber do que eu estou falando. Então, se eu disser “tchanananã...” você vai saber de tudo. Nós queremos manter isso tudo na expectativa, até porque... uma das coisas que aprendemos a fazer, com o passar dos anos, é cuidar da “profundidade” dos personagens. O que eu quero dizer com isso é... tem muito mais da história da Gwen que pode ser contada. Tem muito mais histórias em quadrinhos de que você pode falar. Se você for olhar todas as HQs e ver tudo o que acontece com a sua vida... algumas coisas aconteceram nos primeiros anos, outras depois... grandes histórias para contar. Se você concentrar tudo em um só vilão, você consegue um bom tempo de tela para fazer o que tem pra fazer.
!! Pessoalmente, falando sobre os quadrinhos. Sem querer saber sobre os filmes que virão. O que você leu nos quadrinhos, o que você gosta do Homem-Aranha, pessoalmente?
Eu sempre gostei do Lagarto. Se você olhar pra animação, que eu fiz em 1994, o primeiro passo a ser seguido foi “A Noite do Lagarto”. Eu sempre gostei desse personagem, a ideia do cara sem-braço que só quer ter uma vida normal, usando a ciência para tentar melhorar o que é, por consequência... são histórias bem reais. Aquela coisa de “o médico e o monstro”, são coisas que eu gosto muito. Er... nossa, é difícil. Eu adorei a história com o Doutor Octopus e o jovem Peter no “Acampamento de Ciências”. Sabe, são vários momentos que, quando você fala sobre momentos na vida do Peter, eu gosto do “Homem-Aranha nunca mais”, porque é muito verdadeiro. Parece quando estrelas do rock simplesmente desmontam, desistem e tem que descobrir o que fazer quando sua vida não é mais só sua. Nós temos algumas histórias maravilhosas em relação à aproximação de Peter com as crianças, com o segredo de ser Homem-Aranha. Aquelas coisas feitas à moda antiga, com Octavius vindo xavecar a Tia May... hoje, na minha idade, parece bobo pra mim. Mas naquela época era tipo... uau. É tipo um lobo em pele de cordeiro.
Então são vários momentos, pra mim. Quando conseguimos Sally Fields... e vê-la ali, interpretando... era difícil de assimilar. Sabe, é a Sally Fields. “Flores de Aço” foi um filme que mexeu muito comigo, por algum motivo. Especialmente a cena do funeral, porque eles conseguiram encontrar comédia no momento mais trágico... e o Homem-Aranha é assim. Toda vez que você vê Peter interagindo com Jonah Jameson, e ele tá no meio de alguma confusão e “droga, esqueci os remédios da Tia May”... é antes dos telefones, sabe? Não é fácil. Nós prestamos homenagem, tipo... quando você é um fã do Homem-Aranha, haverá momentos no filme em que você vai ver e... “Putz, não acredito nisso”. E é uma homenagem à vida dele. Na vida, tendo que... ele pensa que tem que cuidar da Tia May, mas ele não sabe que ela é muito forte. Então... vocês vão encontrar influências disso no filme. Tem que ser assim.