Billie Eilish e Lil Nas X viraram os ~charts do avesso | JUDAO.com.br

Os dois, que vinham numa ~luta pelo topo da parada de singles mais ouvidos dos EUA, têm em comum o fato de que são jovens, sabem usar a internet a seu favor e são tudo, menos aquelas velhas obviedades de sempre na música pop

Precisamos combinar que o que não falta no mundinho da música, além de bandas de metal obscuras com logotipos ilegíveis e que tocam pra meia dúzia de cabeludos bêbados, são novas apostas da música pop — ou, bom, ASPIRANTES a apostas pop, né? Vindos de todos os cantos, flertando com todos os tipos de musicalidade, eles são derramados nos nossos ouvidos aos montes a cada mês por esta entidade sem rosto chamada “mercado” numa competição acirrada por vendas de disco, ingressos para shows e, claro, nos dias de hoje, por plays nas plataformas de streaming e por likes nas redes sociais. Isso tudo é indicativo de sucesso no mundo pop.

Isso e, claro, uma posição de destaque nas paradas de sucesso. É como ganhar a medalha de ouro, ainda mais pra um jovem talento, um iniciante que deixa comendo poeira as tradicionais divas, os grupos pop ressuscitados de um passado de glórias, os egressos dos realities musicais. Claro que o mundo ideal é quando isso tudo, este combo de acertos, vem junto do que realmente importa — que, no caso, é uma música BOA.

Agora imagina a satisfação que dá quando esta música pop que domina as paradas não apenas é boa, não apenas vem de um rosto completamente novo e desconhecido, mas também quando é música pop que sai do padrão. Música pop que não vem daquela forma que algumas gravadoras ainda insistem em usar, que foge das fórmulas e receitas, do refrão fácil, que chega a soar estranha, esquisita, difícil de se acostumar à uma primeira audição. Aí o negócio fica BOM DEMAIS.

Então pensa no quão legal é a gente estar vivo num momento em que não só um, mais DOIS exemplos deste aí de cima vem travando uma batalha pelo topo do cobiçado Top 100 da Billboard, ainda um dos mais importantes termômetros da indústria fonográfica norte-americana.

É. Pois é.

Um deles é um jovem de 20 anos de idade, Montero Lamar Hill, natural de Atlanta, que até pouco tempo atrás ainda dormia no chão da casa da irmã e hoje é um dos mais novos milionários do país. Atendendo pela alcunha de Lil Nas X, ele começou a fazer graça nas redes sociais, primeiro no Facebook e Vine, depois no Twitter, lugar onde seus memes começaram a viralizar. Se encontrou na música, começou a escrever por conta própria — e quando comprou, numa loja online, os direitos para usar um beat do produtor holandês YoungKio por apenas US$ 30, uma batida que sampleava 34 Ghosts IV, canção do Nine Inch Nails, sua vida estaria destinada a mudar pra sempre.

A parada de Lil Nas X é rap, isso tá claro pra mim, pra você e pra ele. Mas foi com o flerte country da faixa que viria a partir dali, Old Town Road, que ele se tornou um fenômeno. Primeiro, começou a divulgar a canção aqui e ali, fazendo uma zoação ou outra no Twitter, pans. Só que, em certo momento, a canção foi adotada pelos usuários do TikTok, como parte de um desafio chamado #Yeehaw. Depois de ter milhões de pessoas postando vídeos de si mesmas vestidas de caubóis ao som da música, daí pra querer ouvir um pouco mais no Spotify foi um pulo.

No fim, não apenas Old Town Road (que em um de seus mais populares remixes traz uma parceria com Billy Ray Cyrus) meteoricamente entrou no Top 100 da Billboard e ficou por lá em PRIMEIRO lugar por nada menos do que 19 semanas, quase CINCO MESES, superando o recorde anterior de 16 semanas que era um empate entre One Sweet Day (Mariah Carey) e Despacito (Luis Fonsi e Daddy Yankee), mas também chegou a liderar a parada de MÚSICA COUNTRY.

Um músico negro. Assumidamente gay. Que na real é um rapper. E que vai lá nas paradas de sucesso do mais tradicional gênero musical dos EUA abocanhar uma bela fatia da atenção. Tudo isso, atentem bem, cantando um country que na real é um rap. Ou algo assim. Nem quem é do country e nem quem é do rap entendeu a ideia tão de imediato. E isso é muito legal. Tanto é que ele derrubou o Drake do trono de “rei do streaming”, contabilizando polpudos 142 milhões de streams numa única semana e chegando, agora em Agosto, ao impressionante número de 1 BILHÃO de streams só no Spotify.

Mas pra chegar neste primeiríssimo lugar da parada de singles mais quentes da Billboard, Lil Nas teve que lidar com a ~perseguição de uma outra música bombada de OUTRA artista ainda mais jovem que ele. E aí que esta semana, enfim, Billie Eilish, do alto de seus 17 anos, assumiu a dianteira com a canção bad guy (tudo em caixa baixa, mesmo), dando à cantora o título de PRIMEIRA pessoa nascida nos anos 2000 a liderar as paradas de sucesso dos EUA na história.

“Parabéns, você merece”, ele mandou no Twitter, CONGRATULANDO a garota. E ela merece MESMO. Interessada em música desde a mais TENRA IDADE e compondo desde os 11 anos ao lado do irmão mais velho, Finneas O’Connell, seu parceiro de composição até hoje, rapidamente Billie se tornou uma das mais interessantes novidades da música pop atual.

Distribuindo inicialmente seus trabalhos no SoundCloud, muito antes de ser descoberta por um selo musical tradicional, a jovem sempre soube usar muito bem os muitos milhões de seguidores que tem nas redes sociais. Todavia, contudo, quando saiu este ano seu primeiro álbum completo, When We All Fall Asleep, Where Do We Go?, ficou claro que ali tinha muito conteúdo pra ser ouvido e absorvido, fazendo um tremendo jus ao hype.

Billie Eilish é uma popstar com total jeitão de rock star

Já começa, claro, pela ESTÉTICA da garota, que tá longe de entrar naquela estereotipada visão da lolita sexualizada de outrora ou então da jovem menina pura e inocente que fala com as tropas de tementes a Deus (?). De cabelos coloridos e pose sempre largadona, ela é uma espécie de anti-Britney Spears, muitas vezes com uma expressão bem puta da vida, enquanto em outras tá simplesmente com aquela cara de “porra, não me importo”. E tudo bem. Porque é aí que tá a graça. É uma popstar com total jeitão de rock star.

Seu disco tem momentos dançantes, como a própria bad guy? Claro que sim. Mas não é um pop eletrônico pra bater cabelo na pista de dança. O papo é outro. A própria construção das músicas, que têm lá seus barulhinhos eletrônicos mas que também namoram com o hip hop, dão uns beijos na boca do industrial e até passam a mão do gótico, é quebrada, às vezes mais do que um gênero dentro dela mesma, sem o refrão simples e chiclete. E nada de temas fofos, ensolarados, em canções doces com um final feliz. O pop de Billie é obscuro, sombrio, provocativo. Fala de drogas, de encher a cara, de amores perdidos, de solidão, de depressão, de suicídio.

E também é um pop quase minimalista, sem exageros. Tá tudo ali, no lugar, como deve ser, sem sobras, sem superprodução.

Na reportagem de capa da revista Rolling Stone, ela falou abertamente sobre sua própria saúde mental. “Às vezes, vejo garotas na plateia dos meus shows com cicatrizes nos braços. E isso despedaça meu coração. Não tenho mais as cicatrizes, porque foi há um bom tempo atrás. Mas eu digo para elas: ‘Seja gentil com você mesma’. Já passei por isso, estive no lugar delas”, afirmou. Isso é a vida DELA, sem medo de se expor musicalmente ou de reação de patrocinador.

E até os caras da velha guarda, que não necessariamente são adeptos do POP como estilo de vida, perceberam que tem algo de diferente nela. No perfil oficial dos Foo Fighers lá no Instagram, o vocalista Dave Grohl explicou em detalhes a sua declaração sobre a cantora numa convenção da Pollstar, publicação especializada voltada a quem trabalha com organização e produção de shows. “Levei minhas filhas a um show da Billie Eilish não tem muito tempo. Inacreditável. Elas estão obcecadas. E está acontecendo com elas a mesma revolução que aconteceu comigo na idade delas. Elas estão ouvindo Billie Eilish e se tornando elas mesmas por meio da música da cantora. Ela se conecta com as meninas. É o mesmo tipo de conexão que acontecia com o Nirvana em 1991”.

[Minhas filhas] estão ouvindo Billie Eilish e se tornando elas mesmas por meio da música dela

Grohl ainda fez questão de dizer que a música da Billie é uma parada difícil de definir. “Nem sei como chamar. Mas é autêntico. E eu chamaria de rock n’ roll. Não me importa que instrumentos você use. Quando eu olho pra alguém como Billie Eilish, fico pensando, cara, o rock não está nem um pouco perto de estar morto”.

Empolgadíssima com os elogios de Grohl, Billie já disse em diversas entrevistas posteriores que, apesar de não compor exatamente ROQUE, ainda ouve muita coisa do tipo... mas aí se pergunta: “Nem tudo precisa de rótulo, não é mesmo?”. Sim. Sim pra caralho, MUITO SIM. Da mesma forma que não precisamos, por exemplo, rotular o rap-country ou country-rap do Lil Nas X, né?

Jovens sem amarras, sem travas, sem precisar prestar conta pra ninguém, fazendo música POPULAR do jeito que bem entendem. Do jeito deles. O quão legal é isso? Eu digo: MUITO.