É bom ficar de olho nos títulos desta votação anual, porque virou uma tradição que muitos deles não apenas ganhem um lugar ao sol como se tornem produções consagradas e premiadas
Quando ainda era “apenas” um executivo júnior na área de desenvolvimento de projetos da Appian Way Productions, produtora de Leonardo DiCaprio, láááá em 2005, talvez Franklin Leonard não pudesse imaginar o que se tornaria a pesquisa informal que fez com cerca de 75 amigos na mesma posição. Tudo que ele precisou foi EMULAR as conversas de corredor que tinha com a galera corriqueiramente e perguntar “quais foram os dez melhores roteiros ainda não produzidos que vocês leram este ano?”. Porque essa galera recebe uma porrada deles, afinal, e um roteirista tem que suar muito a camisa e bater de porta em porta pra vender seu texto pra alguém no fim do dia... ou do ano.
As respostas vieram. Ele compilou uma lista e mandou pra todo mundo que respondeu. E o negócio se espalhou.
Primeiro em segredo, sem que ninguém soubesse quem era o cara responsável por aquela lista. Mas, depois que uma matéria do Los Angeles Times revelou de quem se tratava, Franklin passou a dedicar grande parte dos seus esforços a este trabalho, divulgando-o com toda a pompa e circunstância.
A partir dali, virou uma tradição — primeiro pro mercado, depois pros fãs de cinema: toda segunda sexta-feira do mês de dezembro somos apresentados à Black List (assim batizada em homenagem aos profissionais que foram perseguidos pelo macartismo anticomunista dos anos 50) do ano corrente, agora com site estilosinho e tudo mais.
A votação ficou tão importante, tornando-se um verdadeiro farol de roteiros para os quais Hollywood olharia com mais carinho depois, que dos mais de 1.000 roteiros que a Black List apresentou ao mundo desde então, por volta de 1/3 acabaram sendo DE FATO produzidos — tais como Argo, Juno, O Discurso do Rei, Quem Quer Ser Um Milionário?, Spotlight e O Regresso, entre outros. Na somatória, todos os filmes da Black List que foram mesmo tirados do papel arrecadaram por volta de US$ 25 bilhões, sendo indicados a mais de 240 estatuetas do Oscar. Não é pouco não.
Só pra você ter uma noção: no ano passado, dois dos títulos selecionados foram I, Tonya — a cinebiografia da ex-patinadora artística americana Tonya Harding que se tornou um filme dirigido por Craig Gillespie e estrelado por Margot Robbie — e The Post, o drama político de Steven Spielberg com Meryl Streep e Tom Hanks a respeito dos jornalistas que publicaram documentos sobre o envolvimento do governo dos EUA durante a Guerra do Vietnã.
Dois dos filmes que mais têm sido incluídos nas pré-listas do Oscar 2018.
“Nós fazemos uma pergunta diferente do que aquela que o mercado faz. Nós perguntamos quais roteiros as pessoas amaram e não quais elas acham que se transformariam num filme que dá muito dinheiro. É outro conceito”, explica Leonard, em entrevista ao Atlantic, afirmando que geralmente o conceito do mercado para o que é “rentável” passa por boas doses de racismo e misoginia. Ele ainda ressalta que, no fim, a Black List força Hollywood a se olhar no espelho e dizer “olha, você disse que gosta disso!”. E não são apenas executivos e produtores, mas também atores — que, quando a lista sai, agora ligam pros seus agentes e falam “hey, eu quero dar uma olhada neste roteiro”.
Para compilar a edição de 2017, a equipe por trás da Black List recebeu sugestões de mais de 270 executivos, que indicaram os 10 melhores (ainda que Leonard afirme que não se trate de “uma lista dos melhores”, e sim “uma lista dos roteiros mais curtidos”) roteiros que leram no ano — mas que não tenham começado a ser produzidos até o presente momento. E mais: para entrar na seleta lista, um trabalho precisa ter sido mencionado pelo menos seis vezes ao longo da apuração.
A lista completa você pode baixar aqui. :)
Quem ficou na liderança este ano foi Ruin, da dupla Matthew e Ryan Firpo, com 68 votos. A premissa do roteiro que passou na mão de uma galera é de fato curiosa: se quiser reparar seus erros, um ex-capitão nazista sem nome deve navegar pelas ruínas da Alemanha pós-Segunda Guerra caçando e matando os sobreviventes de seu antigo esquadrão da morte da SS. Bastante apropriado pros dias de hoje, eu diria.
A medalha de prata ficou com Let Her Speak, de Mario Correa, que adapta a história da senadora Wendy Davis e sua jornada de 24 horas completas para salvar 75% das clínicas de aborto no Texas. No terceiro lugar do pódio, destaque para Daddio, de Christy Hall, sobre uma passageira e seu motorista de táxi relembrando seus relacionamentos no caminho do aeroporto para o apartamento dela em Nova York.
Até o momento, o roteiro com a maior quantidade de votos (133, no total) na história da lista foi O Jogo da Imitação, em 2011, escrito por Graham Moore a respeito da vida do gênio da matemática Alan Turing, que ajudou a quebrar a criptografia de documentos da inteligência alemã durante a Segunda Guerra e se tornaria filme de verdade só em 2014. “Por conta da Black List, todo mundo já tinha lido aquele roteiro”, revelou Moore em entrevista pra The Atlantic. Todo mundo incluindo Benedict Cumberbatch, que estrelaria a produção anos depois. “Dava pra sentir o aroma de longe vindo de um roteiro como este, que chegava com todo este hype justamente por estar no topo da Black List”, contou o próprio ator. “Fiquei realmente intrigado com a quantidade de gente de bom gosto dizendo ‘você precisa ler isso’ — incluindo todo mundo que vota na lista todo ano”.
Em comunicado oficial, Franklin Leonard (que abandonou a produção e hoje se dedica integralmente à Black List, dando inclusive consultoria de roteiro para roteiristas iniciantes) agradece aos roteiristas e aos executivos que contribuíram com a lista, com a qual espera que “todos vão se beneficiar nas telas nos próximos anos”. E ainda diz estar particularmente empolgado com o aumento da inclusão e diversidade na Black List de 2017. “Tivemos duas vezes mais roteiros escritos por mulheres este ano (25) do que a nossa média histórica (12). E mais que o dobro de roteiros protagonizados por mulheres (35 x 16). Agora é ficar de olho para ver se esta ‘tendência’ continua, tanto em futuras Black Lists quanto nos cinemas”.
É, cara, esta última parte aí é que é foda...