A hora certa de parar | JUDAO.com.br
10 de setembro de 2015
Música

A hora certa de parar

Black Sabbath anunciou uma turnê que vai encerrar as atividades e levanta novamente a discussão: qual é o momento ideal para os rockstars abandonarem os palcos?

Na última semana, um boato que já vinha correndo há alguns meses se tornou realidade e deixou uma legião de seguidores inconformados: a partir do dia 20 de janeiro de 2016, começa a última turnê do Black Sabbath. Por mais que a participação do baterista Bill Ward seja pouco provável, graças a uma constante troca de farpas entre ele e os colegas pela imprensa, o fato é que Ozzy Osbourne (vocal), Tony Iommi (guitarra) e Geezer Butler (baixo) vão se reunir uma última vez para uma série final de shows, que promete fechar estes quase 50 anos de carreira com chave de ouro.

As datas anunciadas até o momento passam pela América do Norte, Austrália e Nova Zelândia. Mas é de se esperar que, neste exato momento, os grandes festivais europeus e sul-americanos estejam disputando a tapa a presença do grupo, que plantou as sementes do que se conhece hoje como heavy metal. Em nenhum momento eles dizem quanto tempo exatamente esta turnê de despedida vai durar e se ela será acompanhada, como prometido, de um novo álbum, o sucessor do excelente 13 (2013). Há quem aposte que as apresentações não devem durar muito mais do que um ano, dada a delicada situação de saúde de Iommi, enfrentando um câncer que tem chances de ser incurável.

“Não posso mais fazer isto, meu corpo não aguenta mais muito tempo. Não quero que o câncer retorne, e toda a logística envolvendo as turnês do Sabbath causa um grande desgaste. E será definitivamente o fim, não faremos isto novamente”, diz Iommi, em entrevista ao Birmingham Mail. “Estamos fazendo isto há 50 anos, é hora de chegar ao fim da linha, não acha? Não me entenda mal, adoro excursionar, mas o problema é o desgaste da viagem. Sim, pegamos os melhores voos, ficamos nos melhores hotéis, andamos nas melhores limousines, mas ainda assim há um desgaste físico. E eu tenho que fazer exames a cada seis meses”, explica ele. “Adoro estar no palco, tocando com o Sabbath. O que eu detesto é todo o resto necessário para que isto aconteça. E nenhum de nós está ficando mais jovem, você sabe”.

“Faremos esta turnê final e acabou”, disse Ozzy aqui no Brasil em abril, durante a coletiva de imprensa do Monsters of Rock, no qual foi uma das atrações principais com a banda que leva seu nome. “Mas eu vou continuar com a minha carreira solo”, fez questão de frisar. “Todo mundo fica me perguntando sobre a aposentadoria. Mas cá estou eu!”.

Talvez esta seja a grande questão na vida de uma grande estrela do rock, afinal de contas. Quando sair de cena? Nem mesmo eles sabem muito bem. Em 2010, os alemães do Scorpions anunciaram a sua turnê de despedida. Era hora de abandonar os palcos, em grande estilo. “Chegamos ao limite” afirmou o vocalista Klaus Meine em entrevista à revista germânica Zeit Magazin. “Não queremos nos tornar uma caricatura. Chegou o momento da reta final, enquanto este furacão ainda for um furacão e não cair na categoria de tempestade tropical”.

Corta pra 2015, cinco anos depois, e aqui estamos nós – e não apenas a banda ainda não acabou, como continua lançando discos e fazendo turnês. E aí? “Durante aquela turnê, a gente começou a perceber que estava se divertindo muito”, disse o guitarrista Matthias Jabs, em entrevista à revista australiana The Rockpit. “Decidimos então que queríamos apenas desacelerar, pisar no freio, não fazer tantos shows assim. Nunca dissemos que íamos encerrar as atividades. Dissemos apenas que queríamos sair da roda do hamster – turnê, faz disco, turnê, faz disco...”.

Sei. Claro. Nunca disseram. O mais engraçado é que, para quem dizia que queria terminar “no topo”, a banda ainda se sujeita a lançar discos vergonhosos como Comeblack, de 2011, uma compilação de regravações e covers, e o sem sal Return to Forever, lançado este ano – uma dobradinha que pode facilmente ajudar a entrar na categoria “caricatura” a respeito da qual Meine falou dois parágrafos acima.

O papo de “turnê de despedida” já é velho conhecido dos fãs, assim como esta coisa de “voltamos atrás”. Uma piada recorrente. Também em 2010, o Judas Priest se lançou naquela que seria a sua Epitaph Tour, a última série mundial de shows de sua carreira. Mesmo esquema, estavam cansados de extensas turnês pelo mundo, a idade chegou... Mas quem é que estava aqui no Brasil no começo do ano, no mesmo Monsters of Rock que o Ozzy? É, isso mesmo. “É, bom, nós mentimos”, brincou o guitarrista Glenn Tipton, em entrevista ao Rockline. “Gostamos de cada segundo da última turnê, ficamos empolgados com o disco novo”, tentou explicar. E o que dizer do Kiss, então? Que fez uma turnê de despedida interminável na virada do século e... está aí, firme e forte, vendendo todos os tipos de bugigangas com a cara do Gene Simmons?

Quem está tentando fazer isso neste exato momento são os caras do Mötley Crüe, que encerram a sua turnê de despedida no final deste ano. “Queremos deixar um legado e queremos sair com dignidade”, afirmou o baixista Nikki Sixx, na coletiva de imprensa que anunciou a empreitada. “Queremos que seja uma data e tanto e nos orgulhar dela. Sempre tivemos a visão de que sairíamos com uma baita explosão e não tocando em feiras com um ou dois membros originais. Nosso trabalho aqui acabou”.

A promessa é ambiciosa: assinaram contrato e tudo, proibindo que a banda retorne a não ser que os quatro estejam oficialmente de acordo. Maaaaaaaas... eles garantem que não estão se separando. A banda vai ficar por aí e não descarta, se for o caso, apresentações especiais. E afirma que é provável que vá disponibilizar algumas faixas através de projetos especiais, sem precisar ser um novo disco. Bom, daí pra o anúncio bombástico de uma turnê de reunião daqui alguns anos – ou, talvez, antes disso, quando o filme que está sendo rodado a respeito da carreira dos caras ficar pronto...

“Não acho que isso seja justo com ninguém”, opinou James Hetfield, vocalista do Metallica, para a revista Kerrang. “Uma turnê de despedida do Kiss pela décima vez? Os Scorpions tinham acabado e então entram em turnê de novo? Você não pode dizer isso e não fazer. Não acho que é o que está reservado pra nós. Não quero entrar para a história fazendo o que estas bandas fizeram. Somos únicos em nosso caminho e queremos ser únicos em como o nosso caminho vai acabar”.

A grande questão aqui é: vale a pena? Para os fãs, vale a pena continuar acompanhando ano após ano uma banda que vai se destruindo, que vai se desfazendo, que insiste em discos que são gravados no piloto automático, pra cumprir tabela e garantir shows que vão ficando cada vez mais burocráticos e broxantes, sem energia? Não é o que acontece em todos os casos, claro. Mas a idade chega para todos. Não dá mais para pular, gritar, correr como antes. E quando se é uma estrela do rock, é muito difícil olhar para trás, para todas as conquistas, para o estilo de vida louco e selvagem, e admitir: pra mim, já deu. É hora da aposentadoria.

Lemmy

Olha só o Motörhead. O trio acaba de lançar Bad Magic, um bom disco de canções inéditas, que vale mesma a pena conferir. Legal. Mas...quem esteve no mesmo Monsters of Rock do Ozzy e do Judas deve se lembrar que o show do Motörhead foi substituído por um combo improvisado de integrantes do Sepultura, o guitarrista Phil Campbell e o baterista Mikey Dee. Onde foi parar o Lemmy? Problemas gástricos, foi a justificativa. Só que não era a primeira vez. Nas últimas semanas, alguns episódios similares se repetiram.

Dia 27/8, em Salt Lake City, Lemmy abandonou o palco depois de quatro músicas, alegando dificuldades para respirar. No dia seguinte, a apresentação em Rocky Montain High acabou cancelada sem nem começar. Cansado e abatido, no dia 1o de setembro foi a vez de Austin, no Texas, conferir a sua saída depois de três músicas. “Vocês são um dos melhores públicos da América, eu adoro tocar para vocês, mas não consigo. Por favor, aceitem minhas desculpas”, disse ele, minutos depois, para então sair em definitivo. E isso fez com que os shows em San Antonio, Dallas e Houston, que aconteceriam nos últimos dias 2, 4 e 5, também fossem cancelados. “É uma consequência direta das grandes altitudes do Colorado e, claramente, Lemmy tentou voltar aos palcos cedo demais”, afirmou um comunicado oficial emitido pela banda. Infecção pulmonar, disseram os doutores. Na última terça, dia 8, ele retomou as atividades e conseguiu completar o show em St.Louis. A grande questão é: será que vai acontecer de novo? Aliás, já tem gente até se perguntando QUANDO vai acontecer de novo...

Lemmy está prestes a completar 70 anos, em dezembro. E todos nós sabemos que ele foi praticante fiel da trinca sexo, drogas e rock n’ roll ao longo de toda a sua vida. Bem mais magro, pálido e abatido, ele foi obrigado a mudar a rotina por causa da diabetes. Está fumando bem menos e trocou a lendária combinação de Jack Daniels com Coca-Cola por vodka com suco de laranja. E se diz preparado para morrer. Numa entrevista ao The Guardian, afirmou claramente que vai continuar subindo ao palco enquanto suas pernas aguentarem, nem que precise usar uma bengala. “Aparentemente, ainda sou indestrutível”.

Aparentemente, não é não, velho mestre. :(

“Eu particularmente prefiro ver Lemmy subir ao palco e tocar apenas três canções, do que ver muita bandinha que temos por aí tocando 30”, afirma um artigo assinado por Alexandre Campos Capitão no Whiplash.net. “Desejo que ainda possamos vê-lo trabalhando por mais tempo, vencendo a mais pessimista realidade. Que ele continue trabalhando, tocando, compondo, produzindo, ou apenas tentando. (…) Seja como for, no seu gran finale, é ele quem vai chutar o traseiro da morte”.

Será? É realmente isso que a gente deseja para os nossos ídolos? Este tipo de visão romântica sobre o roqueiro que morre em pleno palco? Acho a postura um tanto cruel, ainda mais agora que eu mesmo estou envelhecendo, mais próximo dos 40 do que dos 20. No fim das contas, claro, a decisão é dele. Lemmy decide como deve e quer morrer. Mas devemos idolatrar a visão de um sujeito que acostumamos a chamar de Deus do Rock definhando, sendo apenas a sombra pálida do que um dia foi? Não faria mais sentido simplesmente dizer “ok, eu preciso parar. Chegou a minha hora”? Deixar os palcos significa “eu falhei”? Ou simplesmente quer dizer “este é o meu limite”? Isso não acaba transformando Lemmy numa caricatura, do tipo que o vocalista dos Scorpions mencionou láááááááááááá em cima?

A sintomática canção do mais recente disco de inéditas do Black Sabbath questiona: “Is this the end of the beginning? Or the beginning of the end?”. Para estes senhores britânicos, a resposta é “este é o começo do fim”. Resta saber se este fim vai ser definitivo ou do tipo que deixa as portas abertas para um novo começo.