Um ditador oriental, um filme hollywoodiano e muitas confusões do barulho desta galerinha que apronta muitas loucuras!
Senhoras e senhores, a Sony tem um verdadeiro pepino em mãos. Talvez uma batata quente fosse uma metáfora melhor? Não, ainda não. Melhor dizer uma chaleira com água fervendo. Do tipo que pode explodir na sua cara.
Tudo começou com A Entrevista, comédia dirigida pelos amigos de infância Seth Rogen e Evan Goldberg – este último vem a ser o roteirista do épico Superbad e diretor de É O Fim justamente ao lado de Rogen (você já viu nossa entrevista com eles? :D). A trama do filme é simples e, ao mesmo tempo, alucinada o suficiente para torná-lo imperdível: Rogen e James Franco (não por acaso, outro amigo pessoal da dupla) são dois jornalistas que conseguem uma entrevista exclusiva com Kim Jong-un, ditador supremo da Coréia do Norte. Então, a CIA acaba recrutando os dois para uma missão secreta: matar o sujeito. E é isso.
Considerando todos os envolvidos no projeto, trata-se de uma ideia bastante divertida, não? Exatamente por isso é que a Sony resolveu bancar a sua distribuição, correto? Todos concordamos, né? Todos, menos Kim Jong-un.
Em junho, Kim Myong-chol, famoso escritor que dirige, no Japão, uma organização chamada Center for Korean-American Peace (CFKAP) e que tem o objetivo de mostrar uma outra faceta do governo coreano, deu uma entrevista ao The Daily Telegraph sobre o assunto. “Existe uma ironia especial nesta trama, que mostra o desespero do governo dos EUA e da sociedade americana”, afirmou, talvez esquecendo um pouco da “paz” entre coreanos e americanos que dá nome ao seu grupo. “Um filme sobre o assassinato de um líder estrangeiro reflete tudo que a América fez no Afeganistão, Iraque, Síria e Ucrânia. E não vamos nos esquecer de quem matou Kennedy – americanos. Na verdade, o presidente Obama deveria ser cuidadoso, caso os militares de seu país queiram matá-lo também”.
Não que a Casa Branca tenha, de fato, ficado preocupada. Mas, vejam, parece que Hollywood ficou. Ou pelo menos a Sony Pictures que, vamos lembrar, é uma empresa que pertence à Sony Corp, uma corporação japonesa. E lembremos que o Japão é um país que, durante décadas, teve relações internacionais complicadas com seu colega do Oriente e que, recentemente, fez alguns movimentos para “quebrar o gelo”.
Sacou a batata quente? O pepino? A chaleira com água fervendo?
Fontes oficiais dizem que não existe pressão nenhuma. Mas confiáveis informações de bastidores, apuradas pelo Hollywood Reporter, afirmam que o estúdio adiou a estreia de outubro para dezembro porque está alterando digitalmente algumas cenas para retirar, de centenas de soldados, as insígnias militares que homenageiam Jong-un e seu pai, Kim Jong-il, antigo – e falecido – ditador do país. A utilização das insígnias dentro de um contexto satírico seria considerada uma “blasfêmia”. E como estamos falando de um país que tem seu próprio arsenal nuclear, é bom tomar cuidado. As insígnias, no entanto, podem ser vistas no trailer, olha só:
Mas tem mais: as mesmas fontes ainda afirmam que a Sony está seriamente considerando cortar da trama uma cena na qual o rosto de Kim Jong (no filme, vivido pelo ator Randall Park) derrete graficamente em câmera lenta (!). Uma fonte próxima da Sony, ouvida pelo Hollywood Reporter, afirma que a decisão de tirar as insígnias de cena foi causada por “questões de apuração” (o que quer que isso signifique, na prática), particularmente por envolver uma pessoa viva. E sobre a questão da cara que derrete, os cineastas estariam tentando deixar na versão final apenas o que é, de fato, engraçado. Hum. Sei.
Vale lembrar que, oficialmente, o governo de Pyongyang já se manifestou a respeito. A Korean Central News Agency, órgão que centraliza a distribuição de informação no país, condenou a produção, prometendo “retaliações” caso o filme fosse realmente lançado. “Fazer e lançar um filme que insinua um ataque ao nosso maior líder é um ato de terrorismo e guerra que não será tolerado”. Já o embaixador da Coreia do Norte nas Nações Unidas, Ja Song Nam, enviou uma carta formal para o secretário-geral Ban Ki-moon pedindo medidas imediatas quanto ao filme. “Os EUA deveriam tomar medidas imediatas e apropriadas para banir a produção e distribuição do filme, sob pena de se tornarem responsáveis por encorajar o terrorismo”, dizia a missiva.
Agora, quer saber o mais legal? Uma fonte ligada ao governo de Pyongyang afirmou que Kim Jong-un pretende, mesmo com todas estas ressalvas, assistir ao filme. Rogen, ao saber disso, fez um tweet, com cautela: “espero que ele goste”. É sempre bom ir com calma com um sujeito que mandou executar um ex-ministro com um lança-chamas depois de suspeita de traição (sim, é sério).
Kim é, assim como seu pai, um fanático por cinema. Kim Jong-il, o ditador anterior, tinha uma coleção de mais de 20.000 fitas de vídeo e DVDs, sendo especialmente alucinado por filmes de Godzilla, do Rambo, da franquia Sexta-Feira 13 e qualquer coisa estrelada pela Elizabeth Taylor e por Elvis Presley, seu ídolo maior. Chegou, em 1978, a mandar sequestrar o diretor sul-coreano Shin Sang-ok e sua esposa, a atriz Choi Eun-hee, para que eles ajudassem a construir uma indústria cinematográfica na Coreia do Norte. Já seu filho Kim Jong-un ama também o basquete da NBA, os discos de Eric Clapton e jogos de computador. Não duvido que ele goste de jogar WAR.
Não é, no entanto, a primeira vez que a Coreia do Norte se envolve em uma polêmica envolvendo uma produção hollywoodiana. Em 1999, quando lançaram o longa-metragem South Park: Maior, Melhor e Sem Cortes, os diretores e criadores da série Trey Parker e Matt Stone não tiveram qualquer receio em retratar o líder iraquiano Saddam Hussein, na época ainda vivo, como um gay promíscuo que tinha um caso com ninguém menos do que o Diabo. Assim sendo, era de esperar que, em 2004, quando lançaram o seu Team America – Detonando o Mundo, os dois não tenham tido qualquer receio de cutucar a figura de Kim Jong-il.
Todo rodado com bonecos do tipo marionete, no mesmo espírito da clássica série Thunderbirds, Team America usa os clichês e estereótipos de filmes de ação dos anos 80 para sacanear a política externa dos EUA, focando-se nas aventuras de um time militar altamente especializado que age secretamente como a polícia do mundo. Seu principal antagonista é, vejam só, ninguém menos do que Kim Jong-il, que vendia armas de destruição em massa para grupos terroristas por pura diversão (afinal, criar o chamado “Armageddon” é praticamente dar um passeio no parque). Quem conhece o humor de Parker e Stone já imagina o retrato feito de Jong-il: um homenzinho irritadiço, mimado, cheio de manias, que fala um inglês macarrônico e canta musiquinhas de gosto questionável sobre a carreira de Alec Baldwin. Tudo isso regado a uma dose considerável de palavrões e com direito a uma surpresa: ele, na verdade, era uma barata alienígena. Sério. :D
Embora o próprio Jong-il jamais tenha se manifestado a respeito, não faltaram reclamações. Os embaixadores norte-coreanos em alguns países fizeram oposições formais ao filme, pedindo inclusive que ele fosse banido e sua exibição proibida nas salas de cinema. Nada aconteceu. “Este pedido é ilógico em uma república democrática”, declarou, na época, o governo da República Tcheca. Parker e Stone, como você já deve imaginar, não mudaram uma única vírgula de seu filme.
Talvez a preocupação atual com A Entrevista se deva ao fato de que Kim Jong-un tem endurecido o discurso agressivo do pai, ampliando a corrida armamentista de seu país e anunciando, a quem quiser ouvir, que tem potencial nuclear para peitar os EUA de frente. Especialistas em política internacional afirmam que as forças norte-coreanas são muito menores do que Kim Jong-un faz crer com seus pomposos desfiles de tropas ao lado de imensos mísseis. Mas talvez a Sony não esteja disposta a arriscar.
Durma-se com um barulho destes. E vamos ver se o filme que Seth Rogen e Evan Goldberg vão entregar é, de fato, a história que eles queriam contar no começo...