Brandy: a canção que é quase protagonista de Guardiões da Galáxia Vol. 2 | JUDAO.com.br

Canção do obscuro grupo setentista Looking Glass é o principal destaque do Awesome Mix Vol.2, ganhando importância ao longo da trama do novo filme dos Guardiões da Galáxia

Que a música é praticamente um personagem em Guardiões da Galáxia, isso a gente nem precisa ficar repetindo muito. “No primeiro filme, tivemos um momento mágico, porque as músicas funcionaram tanto pra contar a trama quanto como uma trilha sonora de verdade”, contou pro JUDÃO, em entrevista durante a comic con de São Paulo, o próprio James Gunn. “Neste segundo, sei que elas funcionam para a história. Mas como trilha? Não sei ainda”, completa.

Bom, Jim, agora que a gente assistiu ao filme, podemos dizer com certeza que, sim, as canções também funcionam bastante como trilha. Mas, para a história, elas são ainda mais essenciais. Diferente do primeiro filme, o grande momento musical de Guardiões da Galáxia não começou em um trailer. Come A Little Bit Closer, do Jay And The Americans, e Fox on the Run, do Sweet, são algumas das canções que tocam nos vídeos promocionais – mas nenhuma das duas se tornou o Hooked on a Feeling da vez. Na real, a responsabilidade acabou ficando para Brandy (You’re a Fine Girl), principal sucesso dos americanos do Looking Glass.

Esta música não apenas define este volume 2. Parte da segunda fita gravada por Meredith para o filho Peter Quill, ela toca logo na sequência de abertura do filme, é referenciada verbalmente ao longo do filme, inclusive sendo cantada por alguns dos personagens da trama, e tem grande importância lá pelo final da coisa toda. Aliás, se as próprias músicas são praticamente personagens de Guardiões da Galáxia, dá pra dizer que Brandy acaba sendo quase como uma protagonista.

Os caras do Looking Glass são considerados, de alguma forma, como representantes de um subgênero do rock americano chamado “o som de Jersey Shore”. Como o próprio nome entrega, tamos falando de bandas da costa atlântica dos EUA, em especial aquelas da região da Pennsylvania, Maryland, Rhode Island, Connecticut, Nova York e, claro, Nova Jersey. É um rock urbano, com um olhar romântico sobre a vida, dançante, que ecoa as raízes italianas de seus ancestrais e tem como principal tema a figura do underdog, o trabalhador local, o operário que rala pra caralho no dia a dia sofrido e merece um pouco de diversão de vez em quando. É o caso de nomes como Bruce Springsteen e Bon Jovi, só pra citar dois dos nomes mais destacados da região, mas também de Little Steven and the Disciples of Soul e The Drifters, por exemplo.

A primeira encarnação do grupo surgiria lá pelo meio dos anos 60, nos corredores da Rutgers University, em Nova Jersey, formada pelo guitarrista/vocalista Elliot Lurie, pelo baixista Pieter Sweval e pelo pianista/tecladista Larry Gonsky. Depois de tocar no circuito local de clubes e em festas de fraternidades, a banda se separaria pouco depois da formatura. Lurie e Gonsky continuariam tocando juntos em um grupo chamado Fake Fun. Mas aí, no começo dos anos 70, o trio se reencontraria e tornaria um quarteto, com a adição do baterista Jeffrey Grob, que tocava com Sweval numa banda chamada Tracks.

Os quatro hippies, empolgados com o que viram em Woodstock, deram origem então a um hard rock bastante virtuoso, que passou a apostar sério em uma carreira profissional, não apenas tocando em tudo quanto é buraco que viam pela frente, mas também compondo muito material novo. Acabaram chamando a atenção do presidente da Columbia Records na época, que fez questão de assinar os rapazes como contratados do selo Epic Records. O sonho estava se realizando.

Não sem antes, claro, ter a sua pequena dose de pesadelo. Depois de duas tentativas fracassadas em estúdio, eles finalmente acertaram na mosca com a ajuda do produtor Bob Liftin, ao gravarem uma canção original chamada Brandy (You’re a Fine Girl). Composta por Lurie, a letra fala sobre uma garçonete chamada Brandy (AH VÁ) que vive em uma pequena cidade portuária. Ela se apaixona por um marinheiro, que lhe dá um medalhão com o seu nome – e que, no fim das contas, simplesmente some do mapa, depois de muitas promessas de amor eterno. Pra quem viu o primeiro filme dos Guardiões e já sabe o básico da história deste segundo, dá pra sacar imediatamente a relação que ela tem com a vida de Peter, né? ;)

Chegaram a perguntar muitas vezes para a banda se esta canção tinha relação direta com a história de Mary Ellis (1750–1828), uma mulher da região de New Brunswick, em Jersey, seduzida por um capitão que jamais voltou para buscá-la e casar-se com ela. O lugar que a mulher visitava todos os dias para ver se enxergava seu navio retornando acabou se tornando o lugar onde ela foi enterrada – e o túmulo tornou-se lugar de visitação histórica. Os caras do Looking Glass, no entanto, negam qualquer relação entre as duas coisas. Escrita por Lurie durante uma viagem pra Califórnia, a única relação com a realidade é que o nome da personagem da canção veio de Randye Jensen, uma namorada da época da escola. Mas ele preferiu colocar um B no começo porque achava que soava melhor.

De qualquer forma, Brandy estava no lado B do single inicial da banda, lançado no começo de 1972, que trazia Don’t It Make You Feel Good como lado A. Robert Mandel, o responsável pelo time de divulgação da Epic Records em Washington, recebeu as primeiras cópias de divulgação em mãos e logo iniciou uma peregrinação por um monte de rádios locais. Estava conseguindo pouco espaço, até que teve a chance de colocar o material nas mãos do DJ Harv Moore, diretor de programação da WPGC AM/FM, a maior estação da capital naquele momento. O cara colocou pra rodar – mas não a música do lado A e sim a do lado B. E, ao longo dos dois primeiros dias, BOOM!, o sujeito disse que jamais teve uma resposta tão positiva dos ouvintes como aquela em 15 anos de rádio.

Imagina só o que aconteceu com a Epic, conforme um monte de outras rádios começaram a pedir a parada? Correu pra colocar o single nas lojas o quanto antes – sendo que a música já era a número 1 na região sem ter tido uma única cópia vendida. E tome sucesso na parada Hot 100 da Billboard, ficando entre as canções mais ouvidas daquele ano, à frente de medalhões como Ben (Michael Jackson) e Rocket Man (Elton John).

Até Barry Manilow, ele mesmo, acabou tendo que mudar o título de sua Mandy, clássico absoluto da Alpha FM, porque originalmente ela se chamava Brandy e ele não queria que as duas canções fossem confundidas, por conta do hit esmagador que a faixa do Looking Glass tinha se tornado.

Ah, o sucesso, a glória. É tudo lindo, não é mesmo? Bom, no caso do Looking Glass, acho que foi mais ou menos. Porque o primeiro disco completo deles, autointitulado, sairia alguns meses depois e, apesar dos resultados positivos, nem de longe repetiria o sucesso de público e de vendas que foi Brandy, o single (porque, obviamente, a música também estava neste álbum de estreia). Seus singles seguintes foram um fracasso nas paradas e demorou mais de um ano até que eles conseguissem emplacar um novo sucesso: Jimmy Loves Mary-Anne, de seu segundo disco, Subway Serenade, lançado em 1973.

Qual foi o grande problema aqui? Brandy se tornou uma espécie de Anna Júlia pro Looking Glass. Uma canção que não representava o tipo de som que eles faziam de verdade, tanto em estúdio quanto no palco, um rock mais cheio de energia e menos pop e doce, que poderia ser melhor compreendido por sons como Jenny-Lynne e mesmo a Don’t It Make You Feel Good que dividiu o espaço do single com Brandy. Era inevitável que muitas pessoas que compravam ingressos para os seus shows ficassem desapontadas, porque a ênfase era no rock n’ roll e não nas baladinhas. Você escutou Brandy ali em cima? Então, agora escuta esta aqui:

Uma pegada mais Kiss FM do que Alpha FM, não? “Ao ouvir Brandy, a galera pensava que éramos tão suaves quando os Four Tops”, explica Grob, em matéria especial para o jornal de Nova Jersey Sunday Star-Ledger, publicada em 2002, justamente quando Brandy completou 30 anos. “A gente entrava num clube – eu tinha cabelo comprido e uma barba enorme – e aí já pensavam que eu era o roadie”. Para Gonsky, Brandy era a ovelha negra que acabou se tornando um cavaleiro de armadura brilhante que chegou para ser a sua salvação. “Era uma música que mexia com todo mundo, mas não era necessariamente a nossa favorita”.

A banda acabou tendo vida curta depois da frustração toda. O próprio Lurie, autor de Brandy e principal compositor do quarteto, vazou em 1974, tentando uma carreira solo mais próxima do que imaginava no começo do grupo mas que acabou nunca virando. Enquanto isso, Michael Lee Smith chegou para assumir os vocais em seu lugar, com Brendan Harkin nas guitarras. Mesmo sem um contrato com uma gravadora, os músicos restantes tentaram tocar por aí, primeiro como Lookinglass (tudo junto), depois como Fallen Angels – numa pegada ainda mais hard – e por último, ao final de 1975, como Starz, fazendo um som até mais pesado, flertando com o glam metal e abrindo pro Aerosmith, pro ZZ Top, esta galera.

Gravaram aí uns quatro discos? Gravaram. Mas nada deu certo como antes.

Mesmo com a morte de Sweval em 1990, vítima da AIDS, os caras chegaram a se reunir como Looking Glass em 1995, para algumas apresentações nostálgicas, que nunca chegaram a passar disso. Mas em 2003, Lurie (que fez carreira no cinema trabalhando com trilhas sonoras para filmes como Alien 3, O Pequeno Stuart Little, Alguém Tem Que Ceder e Espanglês), reconstituiu o Looking Glass como uma espécie de banda de apoio pra si mesmo, fazendo uma turnê com novos músicos. No repertório, as canções do Looking Glass, algumas faixas nunca gravadas, covers de clássicos do rock e do pop... e, claro, o grande momento, quando ele enfim tocava Brandy.

Porque certas coisas nunca mudam. Pergunta pros Los Hermanos.