Brasil, 2016: cronicamente inviável (?) | JUDAO.com.br

Convoque seu Buda, o clima tá tenso

Era o ano 2000, eu tinha acabado de mudar pra São Paulo, residente recente do glorioso Bixiga, ali numa bifurcação da Avenida 9 de Julho, trabalhava na redação do portal IG de madrugada e tinha as tardes sonolentas e livres. Não sabia muito bem onde tinha amarrado meu burrico, a cidade que hoje abraço me assustava, mas eu precisava encarar a metrópole ou a chateação ia me pegar de jeito, não dava mais pra ficar no isolamento vespertino comendo a Bono de chocolate que o diabo amassou.

Foi quando conheci os cinemas de rua da Augusta, onde debutei com um filme brasileiro de nome sugestivo: Cronicamente Inviável. Dali, eu saí desconstruído. Toda aquela sensação de aborrecimento que eu estava engolindo para lidar com as coisas da vida de forma “adulta” transbordaram. Não é exagero dizer que, depois do filme de Sergio Bianchi, eu nunca mais fui o mesmo.

O Brasil estava ali na tela do cinema, largado e pelado, e eu estava muito puto da porra da minha, da sua, da nossa vida.

Ali, fazia pouco mais de 10 anos que o país tinha desgarrado da ditadura, a necessidade de reflexão sobre qual nação éramos, afinal de contas, estava em cada esquina. Eu mesmo, tinha pedido como presente de aniversário de 17 anos de idade, em 1997, uma assinatura da Folha. Saber onde estávamos e as infinitas possibilidades para onde a gente podia ir era excitante e aterrador, como toda tentação há de ser.
Na tela grande, onde desfilavam no citado filme nomes experientes e outros que iriam ganhar o estrelato anos depois, Dan Stulbach ainda era um desconhecido, mas protagonizou uma cena que ferveu a minha chaleira.

O cara falando em revolução em pleno ano 2000? Nós éramos uma democracia recente, cheia de possibilidades, o plano real trazia prosperidade, isso de revolta e tal soava meio absurdo. Eu mesmo, feito, nascido e criado no Marapé, subúrbio de Santos, estudava em uma das melhores faculdades de Jornalismo do país, tinha um emprego com ticket refeição, vale transporte, salário de 500 reais por mês, um chefe filho da puta que só ele, ia de ônibus lotado e voltava 2h da madrugada em uma lotação tão cheia quantOHWAIT, essa história é sobre mim também!

A essência do que acontecia no país era próspera, algo inegável dentro do cenário da nação que havia sido pilhada pelos militares ao longo de mais de 25 anos. Aqui, é bom que se diga que possíveis momentos de prosperidade durante o regime dos generais foi biônico e exclusivo de áreas mais abastadas do país, ou seja, Sul e Sudeste, onde reside, inclusive, a base da imprensa nacional. A ideia de país organizado vendida pela mídia foi diluída nos anos 80, quando a bandalheira virou zona, a corrupção minou a ditadura, que não tinha mais como se manter.

No entanto, depois de um apocalíptico governo Collor, Itamar e FHC vieram com a novidade de não serem interrompidos no mandato. O fato de terem algum plano para o país, que não incluía sugar a poupança ou pirotecnias bandidas como essa, era uma surpresa muito bem vinda.

Nos permitimos sonhar, acreditar nos bancos, acreditar na imprensa livre, acreditar que os EUA eram nossos amigos, que existia o mérito como único sistema de prosperidade possível, que nada podia nos parar, que éramos um grande país.

Lilian Ramos e Itamar

Cronicamente Inviável quebrou essa ideia na minha cabeça. Acompanhar a imprensa, ou até mesmo a dramaturgia televisiva, depois desse filme, só me fazia ver como a desconexão da mídia com o cotidiano da população era a mesma da época dos militares. Não havia aproximação, o olhar ainda era de cima para baixo, entre analistas e analisados.

Será que o povo estava sufocado novamente pela mídia?

É aí que entram os Racionais, fenômeno ausente da TV, logo eles, que não davam entrevista a jornais e revistas, mas, mesmo assim, eram o maior nome da música brasileira naquele momento.

Então tá, temos agora Cronicamente Inviável e o grupo de Mano Brown, KL Jay, Ice Blue e Edi Rock, que eu curtia desde 93 nos bailes da Baixada, mas que naquele momento eram gigantes. Junto com eles, uma profusão de artistas se manifestavam, do Teatro Oficina ao Planet Hemp pedindo a legalização da maconha, do recifense Devotos do Ódio fazendo punk de favela a Pedro Luis e A Parede encarando a violência policial. Sim, em pleno ano 2000, em meio ao período mais próspero do país desde 1964. Peraí, tem algo mais acontecendo.

Pois é, a tal prosperidade não estava chegando onde mais precisava e o descontentamento já não era mais protocolar, estava vazando arte afora. O povo tinha voz e, o principal, sabia usar essa voz e contava com o apoio dos intelectuais da classe média.

E agora?

Agora era hora de ir pra guerra, e eu não tô falando dos pobres. A mídia precisava mijar no poste ou teria que encarar uma profunda transformação, se conectar com a população ao invés de tentar moldá-la segundo uma visão de mercado, o que significava perda de poder, vulnerabilidade a regulações e fiscalizações, vozes múltiplas falando dentro dela.

Desafio da noite: assistir esse vídeo até o fim sem sentir vergonha alheia.

Posted by Dollynho reaça on Friday, March 4, 2016

Isso era assustador pra todo mundo, no final das contas. A imprensa era nossa carona ideológica preferida, mas já não nos servia mais. Nessas, Lula foi eleito em 2002 e a deformação midiática nacional teve início.

"Nós não temos uma notícia sobre o perigo da instabilidade econômica mundial, da situação da Europa, da situação dos EUA, da China, e o significa o Brasil ali. Então, a crise brasileira é vista isoladamente, ela não tem contexto", comentou a filósofa Viviane Mosé no Observatório da Imprensa. Confira a entrevista completa sobre o discurso único adotado pela mídia: http://ebcnare.de/1g5EDJG

Posted by TV Brasil on Thursday, August 6, 2015

As periferias respiraram, mas a imprensa se sentiu sufocada, apesar de lucrar como poucas vezes em sua história.

Por quê?

Frank Underwood explica (DUBLADO, pra não ter erro).

O PT deu brecha. Como estratégia, parte do governo achava que institucionalizar a propina, praticada há 500 anos, ia facilitar a aprovação de pautas urgentes do país. E facilitou mesmo, o começo do governo de Lula foi meteórico, com ênfase para o segundo e o terceiro anos, mas também criou algo chamado Mensalão, o escândalo de corrupção mais alardeado por veículos de comunicação em toda história da República Federativa do Brasil.

A mídia estava errada em dar destaque a isso? Não, obviamente. No entanto, conforme procuradores, Polícia Federal e Ministério Público mexiam na lama, nomes de praticamente todos os partidos vinham à tona em outros diversos escândalos, inclusive da oposição.

Isso não importava para a imprensa. Uma vez que já tinha escolhido um inimigo, não precisava fazer outros.

Simplesmente sensacional!!!! Pena que poucos assistirão.... Mas vamos compartilhar!!!!

Posted by Ricardo Di Giorgio on Monday, May 18, 2015

Esse massacre midiático causou o efeito de fascinar a classe média brasileira pela luta contra o PT. Afeita a negações, como se dizer cristã e não ir à igreja ou se dizer patriota, mas idolatrar Miami, a fatia mais abastada da população, em maioria, se tornou especialista em política, sem o ser, de fato. Outra parte da população, com ambição ou meta de ser parte dessa turma, com razão ou não, abraçou a ideia.

As derrapadas do PT não ajudaram muito, óbvio, tanto quanto a eleição e a reeleição de Dilma baseadas em uma desastrosa parceria com o PMDB. O ganho de exposição de entidades como Cunha e Temer são efeitos claros dessa cagada, na falta de palavra melhor.

A casa caiu, mas todo mundo continuou morando nela. Na falta, ou excesso, de quem culpar, a síndica ficou com uma jaca podre no colo, também conhecida como mandato. O que, aliás, ninguém quer, não se engane. Se o governo cai, é golpe. Se o governo fica, mas a oposição larga mão dessa pancadaria toda, fatalmente evapora. A ideia por trás do pedido de impeachment e dessa nova fase da Lava Jato não é combater a corrupção, mas implodir o PT e desacreditar a esquerda, que não são coitados nesta história.

#nãovaitergolpe

Seja como for, é importante lembrar que política se faz com polaridades, ao contrário do que vem sendo dito pela redes sociais, que igualam partidarismo a radicalismo. São coisas diferentes, ideias diferentes de sociedade, que constroem novas possibilidades de presente e futuro. Desaparecer com uma forma de pensar não serve a ninguém.

Nessas, precisamos lidar com a ideia que a imprensa precisa voltar à sua origem, que é a de servir ao público deixando clara sua visão de sociedade.

Em parte considerável dos países desenvolvidos, os veículos de imprensa são assumidamente à esquerda ou à direita. Veja bem, ASSUMIDAMENTE. Um exemplo extremo é a norte-americana Fox News, que se posiciona de forma fortemente conservadora e não esconde isso do público.

Filho do Dr Wilson

No Brasil, veículos como Globo, Veja e os principais jornais do país (Folha, Estado, O Globo, etc) apoiaram a ditadura e hoje pendem ao neoliberalismo, mas não assumem isso publicamente, embora seu editorial deixe claro o ponto de vista. O erro, portanto, não está em praticar uma postura ou outra, mas em não declarar isso e querer parecer neutro em situações em que não é.

Qualquer grupo que pratica o jornalismo pode, talvez até deva, ter idiossincrasias e crenças, obviamente, mas não admitir isso perante a audiência é bastante problemático e pode resultar em um circo tendencioso, uma vez que as corporações de comunicação sobrevivem do dinheiro que vem dos anunciantes, que são empresas e têm interesses. Enfim, como saber se a cobertura deste ou de qualquer outro fato não se presta a isso?

Pois é, não dá.

Ooops

O Brasil não é cronicamente inviável, mas precisa se olhar no espelho, que, historicamente, é nossa mídia. Enquanto ela esconder de nós o que pensa, essa visão será turva, como em qualquer relação em crise. A briga não pode ser sempre vencida por quem grita mais alto, mas por quem dedica a tempo a contextualizar.

A solução, por enquanto, como diria o Criolo, é convocar o seu Buda, buscar serenidade em meio ao alarme de caos da capa dos jornais e das escaladas da TV, que é gritado há 14 anos, mas não se cumpre, tal como dito, na prática.

Pense em política, converse sobre política, leia sobre política, lute baseado em política, mas não seja otário de cair no conto de quem usa política para defender apenas seus próprios interesses, não importando quantos corações e mentes serão dilacerados no caminho.

Após 18 anos de duração, eu cancelei minha assinatura da Folha de S. Paulo ano passado, meses após as Eleições, e ainda não sai da minha cabeça o tamanho do eco que alguns temas recentes poderiam ter tido se a cobertura da imprensa tivesse sido tão imparcial quanto costumam pregar, tal qual as Ocupações Escolares em São Paulo, por exemplo, que se espalharam por Goiás, Pará e Rio de Janeiro, entre outros Estados e alguns países.

Em outros momentos da história, a parcialidade não declarada da mídia foi destruidora para o Brasil, causando um prejuízo que veio em forma de atraso nas instituições mais básicas de uma República.

Hoje, o país tem instituições fortes e uma Constituição, de 1988, que é das mais avançadas do planeta, mas conta com uma maioria de políticos de má qualidade, sem preparo ou formação adequada, e com uma estrutura educacional precária, cujo sistema encoraja a falta de reflexão de grande parte do povo, o que desacelera novos avanços.

cunha

O Brasil é um país sério, embora não pareça quando a gente assiste ao noticiário televisivo. A variedade de culturas em países descomunais fazem parecer que cada um fala uma língua, que o povo de uma região é mais malandro ou trabalhador que o de outro e por aí vai, mas essas informações não se confirmam na prática. A Rússia, por exemplo, que é o maior país do mundo em extensão territorial, já assumiu que é impossível impedir a entrada de drogas em seu território pela inviabilidade em patrulhar todas as fronteiras. O que vemos são questões comuns a países enormes. Inclusive, é importante frisar o fato de muita gente falar ao mesmo tempo.

Dilma teria sofrido impeachment ou Cunha teria perdido o mandato se o Brasil não fosse um país sério, não tivesse poderes independentes, a possibilidade de ampla defesa e instituições que apuram antes de tomar decisões que vão atingir mais de 200 milhões de pessoas. Algo totalmente diferente e intempestivo teria acontecido em países com regime militar, como Coréia do Norte ou Arábia Saudita.

CARNACOXINHA!

O que esperar das manifestações do dia 13 de março?Os Mortadelas dão uma dica relembrando a cobertura dos protestos de 16 de agosto do ano passado!E aí, vai ficar de fora dessa festa?! :PINSCREVA-SE NO NOSSO CANAL!youtube.com/osmortadelasCurta Os Mortadelas no face! (y)

Posted by Os Mortadelas on Monday, March 7, 2016

Como dito anteriormente, o fato da imprensa não assumir publicamente uma tendência política ou outra permite que aconteça uma espécie de circo midiático, onde o público acredita em uma leitura com parcimônia dos fatos, embora não seja o que de fato esteja acontecendo. É a isso que damos o nome de manipulação.

Para fechar o texto, quatro produções que deixam os fatos ou personagens falarem por si e, sendo assim, conclusões ficam a critério do público, que pode refletir à vontade.

Justiça

O filme de Maria Augusta Ramos mostra como a justiça é implacável quando se trata de jovens pobres de periferia.

Histórias do Rap Nacional, com Ronald Rios e Criolo

A história da Rinha dos MCs, um movimento de rua que inspirou dezenas de jovens de periferia a fazer arte, no último episódio da temporada 2016 do programa da Gazeta.

Provocações, com Antonio Abujamra e Therezinha Zerbini

Therezinha Zerbini, militante contra a ditadura militar, foi presa e torturada em quatro diferentes carceragens, Presídio Tiradentes (onde dividiu cela com a presidente Dilma Rousseff), OBAN, DOI-CODI e no DOPS.

Leva

O Centro de São Paulo tem mais imóveis vazios do que gente que não tem onde morar. A partir disso, as Ocupações se tornaram um passo natural. É essa a história do documentário que Preta Portê Filmes e Canal Futura apresentam.