Canônico, Marcas da Guerra leva a diversão de volta para Star Wars | JUDAO.com.br

Estava na hora de alguém voltar a tratar Star Wars da mesma forma que a saga nasceu

OBRAS DO ACASO Quando a LucasFilm foi comprada pela Disney — incluindo na transação Star Wars, a jóia do coroa George — uma das primeiras coisas que os fãs ficaram sabendo foi que a borracha desceria pesado no Universo Expandido (UE). Décadas de histórias criadas seriam sumariamente apagadas do cânone da saga, adquirindo status de “lendas”.

Dentro do território da literatura, muitos desses livros não haviam sequer sido lançados no Brasil. Ou estavam há anos fora de catálogo. Pouco a pouco, algumas dessas principais histórias vem chegando às livrarias brasileiras, pelas mãos da editora Aleph, sob o selo Legends.

Mas muita gente, especialmente os iniciantes no UE, talvez sintam algum receio de se aventurar em histórias que não terão nenhuma interferência nos filmes que estreiam a partir de dezembro deste ano.

E é aí que entra Marcas da Guerra.

Marcas da Guerra

Primeiro volume da trilogia Aftermath, o livro chega ao Brasil ainda neste mês, também pela Aleph. E este sim tem uma história que “vale”. E que se conecta diretamente com O Despertar da Força. Por isso, se você quer ter uma pista do clima das novas aventuras de Star Wars no cinema, Marcas da Guerra é sua melhor esperança.

A história escrita por Chuck Wendig começa pouco tempo após a destruição da segunda Estrela da Morte, em O Retorno de Jedi. O Império Galático ainda não ruiu completamente, mas começa a perceber que seus anos de dominação estão realmente chegando ao fim.

Já a Aliança Rebelde inicia sua transformação na Nova República. Mas, cada vez mais, percebe que não será tarefa fácil “democratizar” o Universo. Afinal, o Império era o ordem vigente em muitos planetas. E não basta derrubar estátuas e monumentos para se reestabelecer a liberdade.

Mais Han Solo, menos Padmé

A grande diferença de tom entre essa nova história e a trilogia executada por Lucas entre 1999 e 2005 (o último produto canônico até aqui) é que enquanto os filmes focavam nas altas esferas do poder intergalático, Marcas da Guerra leva sua trama para o submundo de um planeta insignificante.

Akiva é um planeta distante, localizado na borda exterior do Universo. Por ser um lugar remoto, é escolhido pelo decadente Império como local de uma importante reunião para decidir um contra-ataque, após a derrota na Batalha de Endor.

Mas os planos dos vilões são atrapalhados por um grupo que conta com um ex-membro do Império, uma caçadora de recompensas, uma piloto rebelde voltando para casa e seu filho, além de um droid bem diferente daqueles que você está acostumado.

Resumindo: mais Han Solo e menos Padmé por aqui.

O Despertar da Força

Wendig é feliz ao criar uma narrativa que, se não chega a ser impecável, é extremamente ágil e envolvente. E isso já é uma grande coisa, tendo em vista o ritmo lento e pouco convidativo da segunda trilogia. Claro que é difícil comparar filmes com um livro, eu sei. Mas faço isso primeiro porque Marcas da Guerra é bastante cinematográfico. E segundo porque ele aponta o caminho para O Despertar da Força. E o caminho apontado é pra lá de empolgante.

Pra começar, se você é um babaca que se incomodou com a nova trilogia ter uma protagonista mulher e um protagonista negro, eu já estou imaginando sua cara de idiota ao ler Marcas da Guerra. Um dos principais personagens do livro é gay.

Um dos principais personagens de Marcas da Guerra é gay

Por mais que essa informação seja colocada na trama de forma meio atrapalhada, é lindo ver como isso é tratado de forma totalmente natural pelos outros personagens. O que não poderia ser diferente, se tratando de uma civilização bem mais evoluída que a nossa aqui.

Mas o mais incrível de tudo é ver como o novo Star Wars parece disposto a cutucar de verdade os preconceitos de determinadas pessoas. Uma marca desse tamanho, impacto e alcance colocar gays, negros e mulheres liderando seus produtos no cinema e nas livrarias é muito importante.

Apesar de também ser triste admitir que isso ainda seja encarado como uma exceção inovadora dentro da cultura pop...

O Despertar da Força

Mas não é só na interessante abordagem de minorias que Marcas da Guerra é um ótimo prenúncio para o que vem por aí. O livro mostra um frescor muito bem-vindo ao abordar elementos clássicos dentro da mitologia.

Seria o Império capaz de demonstrar certa humanidade? Seriam os rebeldes capazes de mentir em favor de uma boa causa? Seria o droid de uma criança capaz de decapitar Stormtroopers?

Segundo o livro, sim!

Como uma estrutura que passeia entre a reunião do Império e o improvável grupo rebelde, o livro ainda é hábil em traçar um painel crível do que seria uma Galáxia começando a compreender que não está mais subjulgada a um império ditatorial. Interlúdios ao longo da narrativa servem como pequenos retratos de pessoas lidando com sua nova condição. Um deles, inclusive, oferece um empolgante vislumbre de o que está acontecendo com dois personagens bem queridos pelos fãs.

Aliás, Wendig evita se apoiar em excesso nos personagens clássicos. Alguns são brevemente citados e outros aparecem em momentos escolhidos com sabedoria. As citações nunca soam forçadas e fazem muito sentido dentro da narrativa. Para os fãs, será um prazer passar mais algumas horas ao lado do Almirante Ackbar e do general Wedge Antilles.

Marcas da Guerra diminui o escopo de Star Wars, colocando o coração da sua história em um lugar mais acessível ao leitor. E, por mais que isso acabe gerando uma história mais contida, também traz um senso de diversão que estava fazendo muita falta à franquia.

Wedge Antilles

Alguém precisava voltar a tratar Star Wars da mesma forma que ele nasceu: descompromissado e divertido. A pompa com que Lucas lidou com seu universo na trilogia das prequências fez muito mal para a marca. Marcas da Guerra coloca violência, porres, droids assassinos e ladrões para mostrar que a saga pode ser menos pretensiosa e mais solta.

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