Os Cavaleiros do Zodíaco: 20 anos de meteoros no Brasil | JUDAO.com.br

Seiya e sua trupe completam duas décadas de exibição por aqui em um verdadeiro xeque-mate: eles teriam fôlego para renovar novamente a sua base de fãs?

O ano era 1994. Eu tinha 15 anos de idade e me lembro claramente do quanto tinha sido, nos últimos anos, viciado nos seriados do tipo tokusatsu exibidos pela finada Rede Manchete. Jaspion, Changeman, Flashman, Jiraya, Jiban. Adolescente, começando a namorar, eu ainda assistia algumas reprises destas séries mas já achava que minha relação com a cultura pop da Terra do Sol Nascente tinha chegado ao seu limite. Ledo engano. Nunca tinha sido até aquele momento, confesso, grande fã de animações japonesas – à exceção de Zillion, que sempre amei. Quando começou na Manchete, de supetão e sem aviso prévio, o primeiro episódio de uma nova série animada chamada Os Cavaleiros do Zodíaco, o fato do protagonista se parecer vagamente com o J.J. de Zillion me chamou a atenção. Dei uma chance. Eis que, na batalha final pela tal armadura de Pégaso, o pequenino Seiya dá um golpe certeiro no grandalhão Cassius e, numa pegada só, arranca-lhe fora uma das orelhas – e a dita cuja vai parar no chão, embebida em sangue, ainda pulsando.

OW! Como assim? Pra um adolescente, claro, foi amor à primeira vista. Porradaria sem censura com poderes cósmicos, armaduras do poder, teorias malucas sobre as constelações, golpes exagerados, gritos e frases de efeito? Não tinha como errar. Eu e toda uma geração de moleques nos apaixonamos perdidamente pelos cinco moleques que protegiam o Santuário da Deusa Atena a qualquer custo. Se você, querido leitor, é da mesma época que eu e passou por esta mesma situação, saiba que você está ficando velho: este ano, completamos exatas duas décadas desde a primeira exibição de Os Cavaleiros do Zodíaco no Brasil. VINTE. FUCKING. ANOS.

“Não há um motivo específico [para o sucesso] e sim a combinação de vários motivos: o estilo da história, as lutas, as armaduras, as constelações, a identificação com os signos, a questão da amizade, o formato dos episódios…”, arrisca Eduardo Vilarinho. Aos 32 anos, ele é criador e webmaster do CavZodiaco.com.br, a maior e mais importante fonte de informações em português sobre a franquia, há mais de dez anos no ar – além de consultor oficial obrigatório de todas as empresas que lançam produtos licenciados dos personagens por aqui, de mangás a DVDs. Vilarinho tinha por volta de 12 quando viu Os Cavaleiros do Zodíaco pela primeira vez. Hoje, sua coleção pessoal de tudo relacionado aos Cavaleiros ultrapassa os mil itens – e ele já avisa: vai fazer recontagem para checar se ultrapassou os 1.800. Caso tenha conseguido, vai tentar derrubar o peruano Jorge Luis Vásquez Flores, que entrou recentemente para o Livro dos Recordes. “Hoje em dia, é até simples importar produtos do Japão por causa da internet. Já no caso dos itens raros é necessário um intermediário e a aquisição é feita através de sites de leilão, como o Yahoo Auction japonês”, explica ele.

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Os Cavaleiros do Zodíaco se tornou sucesso imediato. Era a principal audiência da Manchete, colocado na grade em pleno horário nobre, para fazer frente às novelas da Rede Globo. Graças aos personagens, surgiria nas bancas a pequena e resistente revista de cultura pop Herói, que chegou a ter a impressionante tiragem de 450 mil exemplares em uma única edição. O CD com músicas inspiradas na série, interpretadas pela dupla Larissa e William, logo tornou-se disco de platina duplo (cerca de 500.000 cópias vendidas). E juntando os números do Dia das Crianças e o Natal de 1995, a Bandai conseguiu vender mais de 1 milhão de seus tão cobiçados bonecos com armaduras metalizadas. Eu tive o meu, do Cavaleiro de Ouro de Leão.

˜Cavaleiros deixou uma marca na cultura pop brasileira. Quando estourou, foi infinitamente maior que Dragon Ball. Foi graças ao sucesso de Cavaleiros, inclusive, que Dragon Ball passou na TV aqui”, opina Ricardo Cruz. O cantor, integrante de honra do supergrupo nipônico JAM Project, além de intérprete da versão em português de Pegasus Forever (música-tema de A Saga de Hades – Inferno), é fã declarado e concorda com quem afirma que Os Cavaleiros do Zodíaco são ainda maiores aqui no Brasil – e em toda a América Latina – do que no Japão, terra-natal da HQ/desenho. “No Japão, talvez o gênero de mangás de maior sucesso seja o Shonen, cujo público alvo são meninos adolescentes. Cavaleiros é um deles, mas na época em que a série foi publicada no Japão (fim dos anos 80), os maiores hits desse nicho eram Dragon Ball, Hokuto no Ken... Já aqui, e na America Latina toda, fomos pegos de surpresa. Não tinha nada parecido há muito tempo”.

Um efeito colateral do sucesso de Os Cavaleiros do Zodíaco é o sucesso de seus dubladores, tratados até hoje como verdadeiras estrelas pelos fãs da série – na verdade, este é um dos poucos exemplos de séries animadas cujos dubladores são assim tão reconhecidos pelos fãs, tão diretamente lembrados. E mais: a presença dos dubladores originais é sempre cobrada e exigida assim que uma nova série animada e/ou longa metragem é anunciado ou refeito/remasterizado. “No anônimo universo da dublagem, ter um personagem que marcou uma geração é de uma satisfação imensa. Muitos colegas dubladores resolveram que queriam ser dubladores por serem fãs de Cavaleiros do Zodíaco. É uma honra e uma responsabilidade”, confessa Hermes Baroli, dublador do personagem Seiya de Pégaso e atual diretor de dublagem dos produtos relacionados à série, no estúdio Dubrasil. “Graças a essa série, há 20 anos percorremos o Brasil, conhecendo esse público e tendo um contato mais direto, coisa que o ator só costuma ter no teatro”.

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Hermes Baroli

Quem costuma frequentar eventos dedicados a fãs de mangás e animes pode atestar as palavras de Baroli. Ele e todo o elenco da série, em especial os protagonistas – Élcio Sodré/Shiryu, Francisco Brêtas/Hyoga, Ulisses Bezerra/Shun e Leonardo Camilo/Ikki – são recebidos como verdadeiros popstars. Dão autógrafos, tiram fotos, são abraçados/beijados aos montes e frequentemente são requisitados a gravar as frases típicas de seus personagens nos celulares dos fãs, que as usam como toque oficial do aparelho.

“O segredo é sempre fazer o nosso melhor quando pensamos em Cavaleiros”, afirma Baroli. “Sabemos o que o público está esperando. Quando freqüentamos eventos de anime, ouvimos dos fãs o que os agrada e o que não os agrada. A indústria da dublagem faz com que freqüentemente o trabalho seja feito às pressas. Na Dubrasil não admitimos pressa. Estamos comprometidos com o melhor resultado. Cuidando muito de perto da tradução, da adaptação e da direção de ator que é o que fará a diferença”, explica.

A nova onda

Os Cavaleiros do Zodíaco teriam uma espécie de segunda onda de popularidade a partir de 2003, quando a série original passou a ser exibida no Brasil pelo Cartoon Network e, no ano seguinte, pela Band. O desenho foi então redublado, com a maior parte das vozes originais – mas agora com uma revisão mais apurada de alguns termos e nomes de personagens. Foi também nesta época que o desenho foi pela primeira vez lançado em DVD por aqui, pelas mãos da PlayArte, obtendo um grande êxito de vendas – na verdade, segundo informações de bastidores apuradas pelo JUDÃO, este é um título que até hoje atinge bons índices comerciais em sua versão clássica.

“Os fãs da década de 1990 já são pais e levaram essa paixão para seus filhos”, opina Baroli. “Quando participo de eventos, é comum tirar foto com duas ou três gerações da mesma família”. Vilarinho, o especialista, também concorda que a segunda onda ajudou a renovar o público, mas faz uma ressalva: “não como o esperado”. E ele explica: “pego como exemplo a idade dos fãs cadastrados em nosso fã-clube. O que podemos concluir é que a série acabou perdendo muito fãs da geração Manchete e não os ganhou na mesma proporção na geração Band. Mas, de qualquer forma, a base de fãs é gigantesca ainda assim e os recentes lançamentos estão recuperando centenas de fãs antigos. Eu colocaria assim: 70% são fãs geração Manchete e 30% geração Band em diante”.

A redublagem, no entanto, ajudou a colocar em evidência, assim como os dubladores, também os cantores das músicas-tema. Ao invés de optar por uma canção em tom de marcha militar como “Os guardiões do universo / hão de vencer o mal...”, que embalava a abertura da série em 1994, optou-se por uma versão em português da canção Pegasus Fantasy, originalmente cantada por Nobuo Yamada. Como a música tem toda uma vibração de metal melódico, o convidado mais óbvio para interpretá-la foi Edu Falaschi, na época vocalista da banda Angra.

O resultado, perfeito, associou imediatamente a imagem de Falaschi aos Cavaleiros e ao universo dos animes – considerando ainda que o Japão tem uma relação ancestral com este tipo de heavy metal da escola Helloween, o casamento não poderia ter funcionado melhor. Nos shows do Angra, tornou-se expediente comum os fãs pedirem que ele cantasse Pegasus Fantasy – a primeira de uma série de canções da série que ele interpretaria. Em algumas raras exceções, Edu chegava a fazer uma palhinha da faixa, levando a molecada à loucura. Viriam, então, outros cantores – como o próprio Ricardo Cruz e Rodrigo Rossi, outro fã incondicional da da série que tentou a sorte e se deu bem. “Em 2008, quando Lost Canvas ainda não havia sido dublada, li uma notícia que desmentia a exibição da música em português em algum lugar. Já acompanhava o trabalho do Edu, resolvemos tentar produzir as músicas e acabou acontecendo”.

Depois de gravarem, juntos, a versão em português da música de abertura da nova temporada de Os Cavaleiros do Zodíaco: Ômega, Edu, Rodrigo, Ricardo e Larissa Tassi (responsável pelas canções de abertura e encerramento de Os Cavaleiros do Zodíaco – Hades: A Saga do Santuário) vêm fazendo uma série de shows lado a lado, celebrando o aniversário de duas décadas. É o projeto Os Cavaleiros do Zodíaco In Concert. Além de cantarem juntos, eles também interpretam as canções que cada um cantou na abertura de uma das diferentes versões animadas da série.

“O In Concert está indo muito bem. Temos datas em diversas cidades que ainda não foram anunciadas, mas devemos rodar o Brasil inteiro”, conta Rossi, principal idealizador da empreitada. “Em breve faremos nosso primeiro show com uma banda ao vivo e poderemos colocar no palco algo mais próximo do que eu tinha em mente originalmente”.

Ômega: renovação?

Depois d’A Saga de Hades, iniciada em 2008, o estúdio que detém os direitos dos Cavaleiros do Zodíaco, a Toei Animation, licenciou os direitos para que um outro estúdio fizesse The Lost Canvas, espécie de prólogo da série original. Mas eles estavam dispostos a manter a série viva e renovada por conta própria. Por isso, em 2012, começaram a exibição de Os Cavaleiros do Zodíaco: Ômega.

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Os Cavaleiros do Zodíaco: Ômega

Com uma história sem a participação do criador original, Masami Kurumada, e fora da cronologia oficial dos mangás, Ômega se passa 25 anos depois dos eventos da série original. Somos apresentados a uma nova leva de jovens personagens – alguns até vestindo as armaduras que outrora foram dos protagonistas originais, como Kouga, que assume as vestes de Pégaso que um dia couberam ao impetuoso Seiya.

Com uma trama nitidamente tentando focar num público mais jovem e mais interessado em títulos como Yu-Gi-Oh e Naruto, Ômega fracassou miseravelmente justamente por tentar atualizar conceitos que já estavam arraigados no imaginário dos fãs – como as armaduras, que ao invés de serem carregadas agora passaram a ser invocadas via pingentes, pulseiras e anéis. Além disso, os personagens principais são insípidos e sem carisma, forçando a Toei a trazer os Cavaleiros originais em participações especiais para tentar reverter a situação e atrair um pouco da atenção dos fãs veteranos.

“Com o passar dos episódios, deu para perceber que não foi uma boa ideia da Toei Animation. É verdade que angariou muitos fãs novos, mas não agradou à grande parte dos fãs antigos”, conta Vilarinho. Para Rossi, Ômega demorou demais pra chegar no Brasil – os DVDs saíram quase um ano depois da estreia da série lá fora. “No mundo de hoje, a internet permite uma diferença de horas pra que os episódios estejam disponíveis. Acho que a demora para o lançamento foi letal para nós”.

Além de lembrar que Ômega não tem um mangá como base, sendo criado direto para TV (o que não é lá muito tradicional), Cruz lembra um importante detalhe de produção: “Ômega passava às 7h30 da manhã de domingo no Japão, herdou o horário que era de um anime infantil pra meninas chamado Precure, bem conhecido lá. A equipe principal do Ômega é a mesma desse Precure, então a série desde o começo, pelo menos no Japão, tinha outra pretensão em termos de público”.

Uma fonte do mercado de home video ouvida pela JUDÃO confirma que Ômega está muito longe das expectativas de vendas – o título também está à cargo da PlayArte, que mantém uma parceria de longa data com a Toei, aliás. “O público mais velho, aquele que consumia Cavaleiros lá atrás, o cara com mais de 30 anos, não se seduziu por Ômega”, conta. “E o moleque que curte Naruto, este que tem entre 15 e 20 anos, tem uma relação diferente com a mídia. Não é colecionador, não faz questão da obra física. Ele baixa os arquivos, assiste, deleta e está tudo bem. Infelizmente, nosso produto é que acaba estrangulado”.

Os Cavaleiros do Zodíaco no cinema

Recentemente, no entanto, a PlayArte – que, além de distribuidora, também é exibidora, pois tem suas próprias salas de cinema na cidade de São Paulo, no ABC e em Manaus – se deu bem com a versão clássica dos Cavaleiros ao criar, para comemorar estes 20 anos, uma programação especial no PlayArte Bristol. Entre o final de agosto e o começo de setembro, foram seis dias de exibição de longas e episódios especialmente selecionados. As sessões, concorridíssimas, obrigaram a empresa a levar a exibição para uma sala maior, para poder comportar todos os interessados. A expectativa inicial, de 140 pessoas por dia, foi rapidamente ultrapassada nos primeiros dias de pré-venda. Foram mais de 400 espectadores em cada uma das datas.

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Ikki. Apenas porque sim.

A trajetória dos Cavaleiros nas telonas começou de maneira marcante, com o longa A Lenda dos Defensores de Atena, no qual os heróis enfrentam o vilão Abel. O lançamento sob o título de Os Cavaleiros do Zodíaco – O Filme, durante as férias de 1995, auge da febre dos personagens, fez com que o filme registrasse mais de 500.000 espectadores apenas em sua primeira semana, um resultado considerável. Eu estive presente na estreia e posso atestar: numa sala lotada, uma verdadeira multidão de moleques gritava todos os nomes dos golpes junto com os personagens na telona, berrando a cada cacetada.

Já em 2006, foi a vez de Prólogo do Céu – e os resultados não poderiam ter sido mais diferentes. “Se você for analisar, foi um erro de estratégia”, contextualiza Vilarinho. “O grande problema foi a pirataria. Na verdade, o filme foi lançado no Japão em 2004 e chegou aqui apenas em 2006. A lição que fica é que, em condições similares a esta você deve lançar diretamente em DVD e/ou BD e não antes nos cinemas”. A PlayArte, que já lançava os DVDs e quis arriscar nos cinemas, acabou dando com os burros n’água. Talvez por isso não tenham evoluído as negociações para que a empresa levasse A Lenda do Santuário para os cinemas, que acabou nas mãos da pequena Diamond Films. Tentamos contatos com ambas as empresas para tentar entender a razão da troca de mãos – já que temos informações seguras de que, originalmente, o filme estava sob responsabilidade da PlayArte – mas não obtivemos resposta até o fechamento desta matéria.

O lançamento mais recente, A Lenda do Santuário, versão em CGI para a clássica Saga do Santuário (a primeira temporada do desenho animado), não teve uma performance das mais satisfatórias em sua estreia no Japão – que aconteceu em Junho. Chegando agora em mais de 300 salas no Brasil, o filme parece estar longe de ser uma unanimidade.

“O fã precisa ir com a mente aberta para o cinema, pois se trata de um reboot, com algumas alterações no roteiro que ele já conhece”, adverte Vilarinho. Para Cruz, a Toei tentou, além da modernização visual – com ares de videogame – “ocidentalizar” um pouco mais o filme, talvez para tentar encantar uma nova fatia de público, acostumada ao sucesso das produções da Marvel. “Deu pra perceber que os japoneses tentaram inserir um pouco de Disney, Pixar, etc, no filme. As piadinhas, o Cavaleiro de Câncer cantando e dançando... Esse tipo de coisa não existe nos animes”, conta.

Fica a questão: num mundo em que a molecada está de olhos brilhando pelos Guardiões da Galáxia da Marvel, ainda existe espaço para os agora trintões defensores da deusa Atena? Ou eles vivem apenas na lembrança dos trintões aqui, do outro lado da tela?

Talvez seja preciso mais do que apenas elevar o cosmo.