A celebração da cultura e dos ícones pop brasileiros | JUDAO.com.br

Vai ter MC Soffia, Karol Conká e Anitta sim. E se reclamar, a gente ainda mete mais um monte de rappers e funkeiras apenas PORQUE SIM.

Londres, 2012. Cerimônia de abertura da Olimpíada, com direção de Danny Boyle. Um monte de ícones da cultura britânica. Teve Daniel Craig, teve o eterno Rowan “Mr.Bean” Atkinson, JK Rowling, referências a Monty Python, Pink Floyd, The Clash, Sex Pistols, Queen, David Bowie, Mary Poppins, Peter Pan. E pra encerrar, Paul McCartney cantando Hey Jude. Cultura pop, né. Então.

Quatro anos depois, aqui estamos nós no Brasil. Desta vez, com uma trinca de cineastas (Fernando Meirelles, Andrucha Waddington, Daniela Thomas) e uma CARNAVALESCA (Rosa Magalhães) montando uma festa diretamente do Rio de Janeiro, com cerca de R$ 50 milhões de orçamento – aproximadamente 15% do valor que Boyle teve na capital inglesa.

Teve Paulinho da Viola cantando (lindamente, eu diria) o Hino Nacional, teve Elza Soares, Jorge Ben Jor, Marcelo D2, Zeca Pagodinho, Gisele Bündchen desfilando ao som de Tom Jobim, nada menos do que doze baterias de escola de samba. E também teve, claro, gente dizendo que faltou artista gringo. “Músicos internacionais, sabe? Para dar uma atmosfera mais global para a cerimônia. Afinal, tinha coisa de umas 3 bilhões de pessoas no planeta inteiro vendo a abertura”. Talvez uma Jennifer Lopez, como rolou na Copa, quem sabe, né? “Isso, uma coisa maior, mais ampla, mais pop mesmo”.

Então. NÃO. Simplesmente não. Ou, em duas palavras... TEU CU.

Basicamente, segundo Fernando Meirelles, a cerimônia seria – e foi – uma celebração da cultura popular brasileira, com “índios, empoderamento dos negros e das mulheres, transgêneros e um alerta contra os riscos do uso do petróleo”. A cultura, segundo uma de suas muitas definições (Alfred Kroeber e Clyde Kluckhohn encontraram pelo menos 167 definições diferentes para o termo em seu livro de 1952, Culture: A Critical Review of Concepts and Definitions), é um conjunto de ideias, comportamentos, símbolos e práticas sociais que ajudam a definir os seres humanos. Ou um povo, uma determinada fatia de população.

Assim sendo, Meirelles e seu time reuniram as ideias, comportamentos, símbolos e práticas sociais que definem o Brasil. E a Jennifer Lopez pode ser uma linda, diva, tudo de bom, assim como todo e qualquer grande fenômeno pop que porventura pudesse ser escolhido. Mas ela não é Brasil. Ao longo daquelas quatro horas, foi contado um bocado da nossa história, a colonização, a escravidão, a urbanização. Com direito até a Santos Dumont, para delírio de uns e desespero de outros (americanos, no caso, que não entendem a diferença entre um avião e uma pipa).

Os organizadores da nossa cerimônia de abertura não podem, nem de longe, ser acusados de ser conservadores (o que é sempre bom). Porque a história cultural do Brasil não se encerra apenas e tão somente nos grandes medalhões da MPB, na bossa nova, no samba de raiz de honoráveis mestres como Wilson das Neves. Eles são o nosso passado e, em alguns casos, vá lá, o nosso presente. Foda. Puta orgulho.

Nós também temos os nossos ícones pop contemporâneos e podemos nos orgulhar deles, caralho. Por que não?

Se fosse a Kesha ou a Iggy Azalea cêis iam tá achando foda. Mas aí coloca a MC Soffia e Karol Conká e vocês se rasgam em comentários do tipo “ah, é esta a imagem que vocês querem vender pro mundo?”. Porra, numa boa: é sim. Duas minas que cantam o poder da mulher, que servem de exemplo para um monte de meninas e mulheres negras da quebrada, mandando ver em meio a uma mistura de break com capoeira. Isso aí, meu camarada, é o mais puro pop tipicamente brasileiro.

Vou contar um segredinho pra vocês: da mesma forma que a cultura pop americana absorveu o hip-hop e demais vertentes da música negra vindos da periferia, as NOSSAS vozes da NOSSA periferia, aquela que fica bem do lado da sua casa mas que você parece fingir que não existe, também fazem parte da NOSSA cultura pop. O rap, o funk, o samba, o batuque, tudo isso TAMBÉM são expressões genuínas da nossa música, da nossa cultura, goste você ou não.

Goste EU ou não. 

Ludmilla é tão cultura pop brasileira quanto o pop fofinho e paulistano do Tiago Iorc. Tanto quanto a Céu, a Tiê, o Criolo, o Emicida, a Tulipa Ruiz, a Mariana Aydar, o Marcelo Jeneci, o Wado, o Projota. E tanto quanto um nome consagrado quanto o Chico Buarque. Tudo isso é Brasil. Tudo isso são diferentes manifestações de um país tão grande e diverso quanto o nosso.

Mas aí, claro, você vai me soltar a carta do “ai, não, por que colocar a Anitta pra cantar com o Caetano e com o Gil?”. É, eu já imaginava que chegaríamos aí. “Tinha tanta cantora boa pra colocar ali, tantas vozes como a Alcione, por exemplo”. Li este comentário, fácil, mais de dez vezes nos últimos dias, apenas trocando o nome da possível substituta. Pense em quem você quiser para preencher a lacuna.

Vamos traçar um paralelo aqui: Lady Gaga cantando Cole Porter em um dueto com Tony Bennett. Bonito, hein. Classudo. Aí, a gente chama dois nomes consagrados da nossa música popular, que representam tanto (ou, se bobear, ainda mais) para a nossa cultura quanto um Tony Bennett representa pra deles. Colocamos na mão deles um clássico de um compositor tão icônico quanto Porter, um sujeito chamado Ary Barroso. E para dar o ar mais pop, contemporâneo, quem diabos a gente chama? A Anitta. Juro que não teve, em toda a cerimônia, escolha mais fácil para que Meirelles e sua turma tomassem.

Estamos falando de uma das estrelas pop de maior ascensão e penetração no atual cenário musical brasileiro. Ela é pop e ponto — porque, vamos lembrar, Anitta já não é mais funkeira, pelo menos não em sua raiz musical, tem MUITO tempo. Exatamente como Gaga em sua carreira solo, Anitta hoje faz um pop dançante muitíssimo bem produzido, de qualidade internacional. Tanto é que, vejam só, ela não esconde de ninguém que está se preparando para abrir as asas fora do país. “Ela é a Fergie brasileira”, já disse o blogueiro americano de celebridades Perez Hilton, depois de ver o clipe de Bang. Mas eis que a gente pode achar a Fergie fodona pra caralho — só que escutar Anitta é, sei lá, brega?

CLARO. Por mais que ela seja inteligente, autêntica, desenvolta e carismática. Entendi.

E aí, no Jornal da Globo pós-abertura, a cantora foi lá conversar com o âncora William Waaaaaaaaack. “Caetano e Gil são da minha geração. Eu cresci ouvindo estes dois”, começou o jornalista, concluindo em tom meio irônico: “você acha que, pro exterior, você é a nova voz da música brasileira?”. Escrotinho, eu diria. Mas Anitta não se intimidou. “O brasileiro tem que entender isso: a música se renova, as pessoas nascem, existem, podem vir a cantar, a se tornar um sucesso. A gente tem que estar aberto para isso, para as novidades, o mundo é novidade. O mundo é tecnologia e daqui a pouco muda tudo, daqui a pouco muda o gênero musical. A gente tem sim que se acostumar com isso, a dar espaço para as novas coisas, para os novos talentos”.

Não tinha MESMO escolha mais adequada do que a Anitta. Não me resta a menor dúvida. O mais puro e genuíno pop brasileiro.

Fica aqui a nossa torcida para que, a exemplo da Inglaterra com as Spice Girls, a cerimônia de encerramento dos Jogos Olímpicos por aqui traga uma reunião das meninas do Rouge.

Haja Ragatanga.