Trecho do primeiro A Hora do Pesadelo daria uma nuance diferente à história do maníaco da Rua Elm
Tá certo que todo fã de cinema que se preze adora este lance de materiais bônus em DVD/Blu-ray de seus filmes favoritos, um monte de pequenos documentários, faixas com comentários do diretor/roteirista/produtor – e, claro, em especial as famigeradas cenas deletadas, aquelas que ficaram no chão da sala de edição e não entraram na versão que vimos no cinema por diversos motivos — ainda que, em 99% dos casos, seja fácil de entender porque diabos elas foram cortadas, já que não fazem falta nenhuma. Mas é interessante ver que existem alguns exemplos que, se fossem mantidos, mudariam o rumo da prosa como ela entrou para o PANTEÃO da cultura pop... ;)
Vejamos, por exemplo, esta cena do primeiro A Hora do Pesadelo, aquele de 1984, que o Bloody Disgusting redescobriu dias destes. A sequência, bem rara, pode ser vista numa edição de colecionador em Laserdisc (LD, o “antecessor” do DVD), que a Elite Entertainment, especializada em filmes de horror, soltou no mercado americano no ano de 1996. Logo depois, esteve presente numa versão especial em VHS mas acabou “desaparecendo” nas edições mais recentes da obra de Wes Craven, incluindo a recente (e cobiçada) versão em Blu-ray com todos os sete filmes originais.
A cena, uma conversa de pouco mais de 2 minutos entre a protagonista Nancy (Heather Langenkamp) e sua mãe Marge (Ronee Blakley) no porão de casa a respeito de quem é o tal de Freddy Krueger, torna as coisas um pouco mais PESSOAIS.
Você pode se lembrar de um pedaço desta cena, mas não da versão completa, como Craven rodou. A parte que nunca foi parar no filme é esta na qual Marge diz que Nancy nunca foi filha única – e que Freddy matou seu irmão/irmã, além dos irmãos dos outros adolescentes da rua, Glen, Rod e Tina.
O que isso significa, exatamente? Que tanto os pais de Nancy quanto os pais de todos os outros adolescentes do filme tiveram seus motivos para se envolver diretamente no assassinato de Freddy. Cria uma espécie de “justificativa” para os pais que aparecem no filme terem feito justiça com as próprias mãos e ele ter sido queimado vivo. E a luta de Nancy contra o homem da camisa listrada e do chapéu fedora passa a ser enxergada não apenas pela sua própria sobrevivência, mas sim também um tanto motivada por uma espécie de vingança, por ter perdido parte de sua família para a sede de sangue do camarada.
A verdadeira história de Freddy Krueger foi sendo revelada ao longo da franquia – em A Hora do Pesadelo 3: Os Guerreiros dos Sonhos (1987), por exemplo, descobrimos que sua mãe, Amanda Krueger, era uma freira que trabalhava em um hospital psiquiátrico de Westin Hills. Durante um feriado natalino, ela acaba sendo trancada acidentalmente com os pacientes, sendo estuprada por um grupo de loucos. Quando sai de lá, descoberta alguns dias depois gravemente ferida mas ainda viva, ela está grávida de Freddy, que então passa a ser descrito como “o filho bastardo de 100 maníacos”.
Já em A Hora do Pesadelo 6: Pesadelo Final – A Morte de Freddy (1991), vem à tona a história de sua infância perturbada, adotado por um alcoólatra abusivo chamado Mr. Underwood, que o ensinou desde pequeno a torturar pequenos animais e o usava como “atração” numa rua suja e degradada, habitada apenas por viciados e garotas de programa. Mostrando desvios de personalidade desde a mais TENRA idade, o pequeno Freddy mataria seu “amado” papai (usando a mesma lâmina que ele usava para se cortar) depois de levar uma surra e começaria a caminhar rumo à sua transformação em serial killer.
Freddy então cresceria, se apaixonaria e casaria com uma mulher chamada Loretta, eventualmente se tornando pai da pequena Katherine. Até que o cara tentou levar uma vida normal, começou a trabalhar em uma fábrica e tudo, mas seus instintos assassinos falaram mais alto – e ele matou cerca de 20 crianças entre os anos de 1963 e 1966, que atraía usando um carrinho de sorvete até a sala da caldeira na qual trabalhava.
Seu principal instrumento de tortura, claro, era a já icônica e assustadora luva repleta de lâminas afiadas criada por ele mesmo. Quando Loretta descobriu seu segredo macabro, Freddy não resistiu e também a matou... na frente da própria filha. A garota fugiu e denunciou o pai às autoridades. Estava revelado o chamado “retalhador de Springwood”, que a polícia procurava há muito tempo.
No julgamento, no entanto, Freddy Krueger foi solto porque os oficiais que o prenderam nunca chegaram a assinar um mandado de busca. Um deslize técnico, mas que colocou o matador de volta nas ruas. Decidido a fugir da cidade, em busca de novas vítimas, ele acabou recebendo a ~justiça dos pais, que atearam fogo no lugar onde ele passava suas noites. Pele queimada e inteiramente desfigurado, prestes a morrer, Freddy invocou os chamados demônios dos sonhos, prometendo que se tornaria seu maior assassino caso fosse poupado da morte. Aconteceu o que aconteceu – e, enquanto isso, sua filha Katherine se mudou, foi adotada e assumiu o nome de Maggie Burroughs (quem viu o sexto Hora do Pesadelo, sabe bem de quem estamos falando).
Por que raios tiraram esta cena do filme, sendo que ela faz TODO o sentido para a história? Ela dá uma camada extra de significado ESPECIFICAMENTE para a relação entre os pais da Rua Elm cujos filhos adolescentes ele está atacando. Cria-se, de fato, uma conexão entre ele e a família de Nancy – cujos pais não ajudaram a matar Freddy apenas porque estavam no meio de uma TURBA de pais raivosos, mas sim porque ele matou seu filho/filha também.
Mistérios da sala de edição, eu diria. Mas, já foi. ¯\_(ツ)_/¯