Antologia criada por Nick Antosca para o SyFy (SIM) é inspirada por creepypastas da Internet e já está em sua terceira temporada. E são todas ótimas!
Você aí, transeunte passando aqui pelo JUDAO.com.br que é chegado num seriado e é fã de terror, já assistiu à Channel Zero, umas das melhores, QUIÇÁ a melhor, produções audiovisuais do gênero da atualidade? Se assistiu, muito que bem. Se não, olha... DEVERIA.
Atualmente em sua terceira temporada, Channel Zero foi desenvolvida por Nick Antosca, o roteirista de alguns episódios de Hannibal e Teen Wolf, do filme Floresta Maldita (tá, esse nem conta) e daquele malfadado projeto descartado do novo Sexta-Feira 13 que nunca chegou a sair das profundezas de Crystal Lake. A série é baseada em populares creepypastas – aquelas pequenas lendas, contos ou imagens de horror que são divulgadas pela Internet como reais em fóruns da vida e tomam uma proporção e popularidade gigantesca.
Sabe o Slender Man? Então.
A série é exibida nos EUA no SyFy e, antes que alguma trasheira, de baixíssima qualidade de roteiro, interpretação, direção, dramaturgia, que abusa de efeitos em CGI toscos, e geralmente estão relacionados com a produtora The Asylum e seus filmes de tubarões lixosos domine seus pensamentos, saiba que é realmente de se admirar a qualidade do texto e da produção de Channel Zero, além de sua originalidade e altas doses de experimentação visual e narrativa, ousando em sua obscuridade, o que por fim acaba a transformando em produto muito de nicho e sem praticamente nada do hype de um The Walking Dead, American Horror Story e Stranger Things da vida — apesar de um resultado muito superior.
No ar desde o Halloween de 2016, a primeira temporada, chamada de Candle Cove, contou com seis episódios escritos por Antosca e dirigidos por Craig William McNeill, o mesmo diretor do sensacional O Garoto Sombrio (péssimo título em PT-BR para The Boy, disparadamente um dos melhores filmes do gênero de 2015). Isso garantiu uma espécie de unidade narrativa e uma mesma atmosfera durante todo esse primeiro ano, que se divide em flashbacks e o momento presente, carregando a marca registrada do cineasta: minimalista, contido, que vai desenvolvendo o clima e os personagens aos poucos, de forma arrastada, e completamente avesso ao jumpscare.
Inspirada no conto homônimo criado por Kris Straus em 2009, Candle Cove é centrada em um programa fictício de televisão que só um grupo de pessoas, predominantemente crianças, assistia. Transmitido em um sinal clandestino, a molecada que conseguia ver passava a agir de maneira suspeita e um tanto assassina. Quase trinta anos depois, um psicólogo infantil — cujo irmão desapareceu na época em que o programa, que é pra lá de perturbador, foi exibido — retorna para sua cidade natal e, bom, é aí que a história, construída toda em cima de um clima SINISTRO PACAS graças a uma série de acontecimentos tétricos e surreais – incluindo as marionetes dos personagens do programa e suas versões cosplay humanas capaz de transformar fantasias toscas em algo genuinamente assustador e um bestiário digno de Silent Hill, como “O Esfolador” e “The Tooth-Child”, um monstro todo feito de dentes que causa uma aflição danada só de olhar e ouvir o barulho agoniante deles raspando um no outro quando se move – se desenvolve.
Candle Cove abusou do terror psicológico, elementos fantásticos dark, crianças assassinas influenciadas por um programa de TV e um viés sobrenatural que em nenhum momento apela para o didático e explicações faceiras e fórmulas prosaicas, o que, aviso aos navegantes, pode afetar a experiência INEBRIANTE que é assistir a Channel Zero para aqueles que preferem mainstream.
A segunda temporada (de pelo menos quatro que o sucesso do primeiro ano garantiu), No-End House, foi exibida em outubro do ano passado, e a lenda urbana da Internet da vez a ser adaptada foi a pasta “Casa Sem Fim”.
Creditada a Brian Russell, “NoEnd House”, em seus 5.273 caracteres, narra em primeira pessoa a história de um sujeito que entra na tal, hm, casa sem fim, um imóvel mal-assombrado repleto de quartos, um mais assustador que o outro, e no final, chegamos a possível conclusão que ele nunca saiu de lá. Pra falar a verdade, de assustador, essa curta história não tem nada, mas Antosca e Cia. fizeram mais uma vez um trabalho impressionante, apesar de uma nítida queda de qualidade com relação à primeira meia-dúzia de episódios.
Dirigida por Steven Piet, No-End House pegou apenas os pilares de sustentação do conto e transformou em uma viagem metafísica pra lá de sinistra e hermética sobre uma casa que manipula o espaço e o tempo em um ciclo perpétuo em busca de vítimas para devorar as lembranças das pessoas que ali entram e assim se manter viva para sempre.
A intenção de ser mainstream e acessível à maior parte das pessoas continua igual a ZERO e, aqui, somos testemunhas de um produto quase que experimental, que tem em sua maior preocupação a trama – sempre deveras complexa e recheada de suspensão da descrença –, desenvolver os personagens, construir um ritmo mais lento e absurdamente sentimental e criar uma perene atmosfera de desconforto.
Calcado mais uma vez no horror psicológico de dar gosto pelo fato do tal DOMICÍLIO se alimentar de medos palatáveis e manipular a mente dos que ali se encontram, No-End House erra um pouco no tom, na forma arrastada em que é conduzido e em um sem número de barrigas, mesmo em seus curtos episódios de 45 minutos, dando a impressão de que a peteca poderia cair. Mas aí veio a terceira temporada, Butcher’s Block, que terminou no último dia 14, um ARROUBO de ousadia, quase um pesadelo tétrico onde Antosca invoca David Lynch às últimas consequências e entrega uma produção completamente perturbadora, desconcertante, provocadora e insólita, mandando às favas – novamente – qualquer padrão convencional para uma série de terror e prezando somente pela experiência, não importa o quão surreal ela seja.
E ainda tem Rutger Hauer no elenco.
Dirigido por Arkasha Stevenson, Butcher’s Block abusa da estranheza e ojeriza, cheio de nojeiras, canibalismo, autoflagelação e toques doentios de humor negro, um compilado de todas as experimentações malucas e doentias anteriores das outras temporadas, subindo um degrau na desconstrução plena do horror grotesco, colocando em tela a conjuntura das piores imagens de um tormento febril, misturados com uma dose de beleza onírica e depressiva, sem deixar de lado uma história fúnebre, personagens afetados e situações inimagináveis em qualquer obra convencional.
Dessa vez, a fonte de inspiração foi a creepypasta “Search and Rescue Woods”, publicada no Reddit por Kerry Hammond, sob o pseudônimo de searchandrescuewoods em 2015. A história segue as experiências do narrador, um funcionário da polícia florestal, que se depara com situações sobrenaturais em uma floresta (AH VÁ!) que envolve estranhos desaparecimentos e uma misteriosa escadaria que aparece no meio da mata.
Adaptado livremente, temos duas irmãs que se veem no meio de uma onde sumiço de pessoas num bairro pobre de uma cidadezinha, o tal Butcher’s Block (“Quarteirão do Açougueiro”, em tradução livro), envolvendo a família dona do matadouro local — cujo patriarca é o Rutger Hauer — chegados num ocultismo e que, reza a lenda, desaparecem há décadas com pessoas da região para realizar sacrifícios para uma DEIDADE cósmica que reside na dimensão que se abre no topo da escadaria que surge do nada no meio do parque.
Channel Zero é uma obra visual inigualável e dotada de uma imagética poderosa, poucas vezes vista no gênero, tanto na telona quanto na telinha
Vista pela unidade de suas três temporadas, Channel Zero é uma obra visual inigualável e dotada de uma imagética poderosa, poucas vezes vista no gênero, tanto na telona quanto na telinha, ainda mais em tempo de produções tão pasteurizadas e modorrentas. Não à toa, é tão obscura e quase desconhecida do grande público, que pode achar muito experimental, arrastada e sem pé nem cabeça.
Mas Antosca, e vejam só, o SyFy, merecem todos os LOUROS e acertaram ao transformar em produto audiovisual, mesmo que de complicada digestão, pesadelos bizarros e nonsense, nos presenteado com verdadeiras gemas televisivas, mesmo que sem o buzz e devido reconhecimento que mereciam — o que, agora, só depende de você. :)