Com uma justificativa de merda, a Casa das Ideias faz uma imensa cagada que pode sinalizar um rebosteio ainda maior vindo lá na frente
Dia 5 de Outubro de 2018. Durante a New York Comic Con, lá tava a Marvel toda pimpona, aquecendo o coração dos fãs que declararam sua tristeza pelo fim do elogiado gibi mensal do Darth Vader, escrito por Kieron Gillen, encerrado em 2016, com o anúncio da a minissérie em cinco edições Shadow of Vader, escrita por Chuck Wendig (de livros da saga como Marcas da Guerra), a ser lançada em Janeiro.
Dia 12 de outubro de 2018. Uma semana depois. Em sua conta no Twitter, Chuck anuncia que foi demitido da Marvel. Ele escreveu os três primeiros números da parada – mas está fora do 4 e do 5, além de ter sido afastado de um outro projeto ainda não anunciado relacionado a Star Wars. “Eu pensei que estava tudo bem, não tava sabendo de problema algum. Mas aí eu recebi a ligação”, explica o escritor numa enorme thread que ele depois transportou para um texto em seu blog. “Fui demitido. Por conta da negatividade e vulgaridade que meus tweets atraem. Sério. Foi isso que Mark [Paniccia], o editor, me disse. Muita política, muita vulgaridade, muita negatividade da minha parte. Basicamente, eu não tava sendo civilizado”.
A Marvel confirmou a demissão de Wendig, mas não quis comentar os motivos e afins.
A gente pode lembrar, mais do que imediatamente, do caso James Gunn. Ainda mais porque, desde que tornou canônico um personagem LGBT em um de seus livros de Star Wars, Wendig virou alvo favorito dos conservadores norte-americanos dentro do fandom da saga espacial (na qual, MUITO PROVAVELMENTE, nunca sequer prestaram atenção). Recentemente, tal qual o próprio Gunn, o sujeito vinha desabafando suas próprias opiniões sobre política no Twitter e, da mesma forma que Gunn, chamou a atenção daquela galera que insiste em chamar quem tem um mínimo de preocupação com temas sociais de Social Justice Warrior como se isso fosse um problema.
Com a conta bloqueada no Twitter durante cerca de cinco horas poucos dias antes da demissão, Chuck acredita que a grande onda de escrotidão, o que abriu o que ele chamou de “túnel do assédio”, surgiu principalmente depois da indicação do juiz Brett Kavanaugh, com acusações de abuso sexual, à Suprema Corte dos EUA. Ele fez uma thread sobre a tal da “civilidade” que vinha sendo pedida para tratar do assunto e eis que os monstros saíram do esgoto. Obviamente, já teve gente pedindo que a Disney/a Marvel/a Lucasfilm demitisse o cara. Dois dias depois da suspensão no Twitter, viria a ligação.
Só que existe aqui, entre Wendig e Gunn, uma diferença GRITANTE: apesar de já ter se desculpado sobre eles no passado e claramente ter começado a se comportar de maneira diferente, os comentários travestidos de piada que o Gunn fez lá atrás foram, de fato, BEM ESCROTOS. Mas no caso do roteirista de Star Wars, o que fez com que ele levasse porrada da galera do chamado Comicsgate e fosse posteriormente demitido foram suas opiniões pessoas acerca do mundo em que ele vive.
Se você não enxerga aí um precedente gravíssimo, olha, precisa reler tudo de novo.
“Me parece esquisito que as pessoas fiquem bravas por eu ficar bravo sobre política, mas – bom, olhem ao seu redor. Mudanças climáticas, crianças em jaulas, abusadores sexuais em altos cargos do poder”, explica ele. E a gente entende TOTALMENTE. “Eu hesitei em falar sobre o assunto porque, honestamente, isso pode significar uma vitória pras piores pessoas possíveis, algo que eles queriam tem um tempo”, afirma Chuck.
“Sei que isso é uma vitória pros caras do Comicsgate, vai fortalecê-los ainda mais. Mas eles ganharam, eu tô fora da Marvel e, acho que, pelo menos por agora, de qualquer coisa relacionada a Star Wars. (...) Mas isso é assustador. Arrebenta meu coração. Tô muito triste e preocupado com o país no qual tô vivendo”.
Chuck faz questão ainda de ressaltar que o editor afirmou que a decisão foi DELE, que parecia genuinamente puto da vida com os tweets, os palavrões, a caralha toda. “A decisão é deles. Eles têm direito de fazer isso. Se eles honestamente sentem que minha presença poderia prejudicar o gibi, eu não quero isso”.
E aí, vocês sabem de que OUTRO caso isso nos lembra? Talvez de Chelsea Cain, aquela que teve o gibi do Visão inexplicavelmente cancelado? Aquela que também é, como Wendig, apenas uma freelancer e que, EXATAMENTE COMO ELE, também foi extremamente vocal a respeito de suas posições políticas e se tornou alvo favorito dos tais comicsgaters? BINGO.
Estão percebendo um padrão aqui?
Gunn, Cain, Wendig. Todos de alguma forma envolvidos com a Disney enquanto marca-mãe e com a Marvel que tem como chairman da divisão Marvel Entertainment um certo Ike Perlmutter. Apoiador declarado de Donald Trump e que, como a imprensa americana noticiou no começo de Agosto, atuaria secretamente como um dos homens-fortes do presidente cuidando do Departamento de assuntos de Veteranos, ali nos bastidores.
Somar as coisas todas não é lá muito difícil. Assim como a gente fez em Janeiro deste ano, entendendo a relação entre os gibis com personagens diversos sendo cancelados, as entrelinhas bem estranhas de um novo aplicativo sendo lançado e personagens-legado como a Thor Jane Foster ou a Coração de Ferro Riri Williams, todos igualmente alvo das reclamações do Comic Book Guy padrão, sendo tirados dos holofotes pra dar destaque aos medalhões de sempre.
Tudo isso ajuda a contar uma história, que talvez seja a mais vergonhosa da história da Marvel Comics – mais do que qualquer Saga do Clone já conseguiu ser.