Boas histórias devem sempre ser contadas, mas o trabalho de Ryan Coogler independe de qualquer legado. É bom porque é bom. E é bom pra caralho
Creed: Nascido para Lutar é um filme do Rocky. Podia se chamar Rocky VII que não teria absolutamente nada de errado. Segue aquela mesma fórmula do boxeador amador que acaba ganhando na hagada uma chance ao título, é treinado por um velho que o faz perseguir galinhas, corre pelas ruas da Fiiiiladélfia seguido pelos joviais da cidade e, enfim, aquilo tudo que se vê através de cinco dos outros seis filmes da franquia. Mas com uma diferença: não precisava ser Rocky. Não precisava evocar a nostalgia.
Creed: Nascido para Lutar é bom porque é bom. E é BOM PRA CARALHO.
Creed carrega o peso de personagens e história que todo mundo conhece, de uma maneira ou de outra. É meio como Star Wars: do mesmo jeito que você sabe que o Darth Vader é pai do Luke e da Leia e que tem o Chewbacca, você sabe que o Rocky é um lutador (desculpa), tem Eye of the Tiger a escada em Filadélfia e Apollo, o DOUTRINADOR — além da ADRIAAAAN. Mas, diferente do sétimo episódio da saga de George Lucas, Creed usa esse peso pra seguir em frente com sua própria história.
Donnie não é o novo Rocky, mesmo que seja. Nascido depois da morte do pai, Apollo Creed, resultado de uma trepada aleatória, o moleque passou 14 anos da vida entre reformatórios e orfanatos, até que foi adotado por Mary Anne, a viúva de Apollo, passando a viver numa mansão em Beverly Hills, entre as lutas de boxe em Tijuana, a noite, e um trabalho engravatado corporativo de dia, em Los Angeles — claramente não se encaixando em nenhum dos mundos.
Donnie não luta por opção e nem é o underdog com que a maioria das pessoas se identifica. Rocky era um trabalhador, solitário, que seguia sua vida em busca de alguém pra dividir a vida com ele. Na vida de Creed há muita violência e preconceito, além de ter envolvido o peso de ser filho de quem é e todos os conflitos que isso pode gerar — tudo sensacionalmente interpretado pela cara fechada e pelos sorrisos de Michael B. Jordan, que mesmo sem que você perceba, te coloca ao lado dele pro que der e vier.
Tessa Thompson é linda, com um sorriso que mais parece um abraço, e faz com que não só Adonis se apaixone por ela com sua interpretação de Bianca, que não é a nova Adrian, mesmo que seja. Ela tem sua próprias ideias, vontades, objetivos, problemas e, enfim, uma vida que segue independentemente de qualquer outra pessoa — como, aliás, todos os relacionamentos do universo deveriam ser.
Rocky Balboa é o Rocky Balboa de sempre, ainda que ele assuma um papel que em outro momento foi de Mickey... Sem ser o novo Mickey. Mais solitário do que nunca, sem Adrian, sem Paulie, sem o filho, que está no Canadá (:D), sem Punchie, apenas com Cuff e Link (que, embora ainda estejam vivas, não são as mesmas nesse filme), Rocky espera pelo dia em que vai se juntar ao seu melhor amigo e à mulher da sua vida naquele cemitério, enquanto lê as notícias do dia na mesma cadeira escondida em cima da árvore.
É Donnie que o faz ter forças pra seguir em frente, que dá a ele novamente um gosto que nem sequer pensava que era possível sentir. O personagem é o próprio filme, nesse caso. Um clássico, que todos sabem o nome, vez ou outra assistem pra lembrar do passado, mas que volta, com outra forma, com outro nome, com outras motivações e surpreende por mostrar que aquela história ainda vive e que tem tanto pra seguir em frente.
Sylvester Stallone mostra que é sim um bom ator, talentoso que, no máximo, fez algumas escolhas muito erradas na carreira. O prêmio que ganhou no Globo de Ouro foi mais do que merecido e não seria surpresa nenhuma se repetisse o feito no Oscar — nem que fosse pra encerrar essa história de Rocky, de uma vez por todas, pra ele. Não, é claro, sem te fazer chorar uma ou outra vez. :)
Ryan Coogler, responsável pela ideia do renascimento da série, também emociona com a direção. Não me lembro de ter assistido a um filme de boxe em que tenha sentido uma tensão real pela luta em si, e não pelo que ela representava. Numa das lutas, inclusive, o cara usa um plano sequência de dentro do ringue que deve servir de inspiração pra muitos outros diretores daqui pra frente.
Sabe, Creed: Nascido para Lutar é bom porque é bom, é bom porque é um filme que independe do passado. Como diz a tagline de um dos pôsteres, luta pelo próprio nome. Mas é bom também porque é cinema. Mesmo que use uma fórmula já definida ou, de certa maneira, conte uma história já contada, é criativo e emocionante.
Boas histórias devem sempre ser contadas. E Creed acerta right in the feels.