Brinks, pode ver o filme e depois ler o texto e vice-versa, tal
É o primeiro comentário que lembro de ter ouvido sobre manifestações por direitos das mulheres. Aliás, eu nem sabia que se organizavam pra fazer algo sobre isso. Ainda estava na facool de Jornalismo, em São Bernardo, a Detroit brasileira, era o final dos anos 90. Honesta e provincianamente, assumo a parte miserável que me cabe deste latifúndio ideológico: até os 20 anos de idade, eu nunca tinha ouvido, sequer, a palavra feminismo.
Nunca.
Em um mundo feito para homens (brancos, principalmente), ser uma mulher é ter juízo e obedecer. Os antigos idealizaram pra ser assim, construíram uma sociedade e blindaram sua liderança. Todavia, como chora de alegria a música do Belchior, o novo sempre vem, embora nunca venha fácil. Aliás, taí um parto dolorido e demorado, não há anestesia quando a luta é por direitos.
É disso que fala As Sufragistas, uma verdadeira surra em forma de filme, que tem em sua diretora, a britânica Sarah Gavron, uma fortaleza. Sem derramar uma gota de sangue, ela conta uma história de violência, onde a opressão do toque indevido, do olhar que julga, do verbo que fere e do gênero aprisionado fazem um convite amargo ao espectador, que este abrace a batalha das mulheres e assuma os riscos.
Sufrágio é sinônimo do ato de votar, visto pelas protagonistas como ferramenta para torná-las cidadãs, no momento em que a repressão machista ganhou a salvaguarda do idolatrado mercado, após a Revolução Industrial, no século XIX. Para ter ideia, uma mulher não era dona do próprio dinheiro, quando o recebia, devia entregar prontamente para o marido; também não havia sequer discussão sobre guarda de filhos, esta era irrevogavelmente do homem, e por aí vai.
Qualquer semelhança com as ainda praticadas e furadas ideias que mulher só é feliz comprando tralhas ou o dever exclusivo do VARÃO de comandar a casa e a família, não compreendem, portanto, mera coincidência. Trata-se de herança das piores. Para se ter noção, os casamentos praticados na maioria das igrejas, muitas delas franquias da fé brasileiríssimas, ainda pregam submissão feminina na hora de sacramentar a união.
A revolta gradativa de Maud, a personagem de Carey Mulligan, lembra a formação da massa que compreende qualquer militância, que cansa de apanhar calada e decide que, se quiserem bater, que batam em público, que ouçam, a contragosto, o lado do oprimido. Me lembrou demais as meninas das Ocupações Escolares em São Paulo, que a cada semana apareciam em maior número, cada vez mais juntas, cada vez mais líderes, cada vez com menos medo da borracha e da fumaça daqueles que deviam protegê-las.
As Sufragistas é arrasador e, muito mais do que isso, necessário. Tem que assistir, tem que passar pra frente e tem que lutar, porque ainda há muitas páginas pra gente virar nesta história, e muitas delas estão na minha cabeça e também na sua.