Analisamos as últimas informações que os produtores da série do Homem Sem Medo deram a respeito e colocamos os nossos pitacos sobre o que podemos esperar da primeira produção da Casa das Ideias para a Netflix
Hoje em dia, todo bom site e/ou serviço digital te oferece a opção de “você pode gostar também de...”. Pode ser desde a versão mais simples, relacionando assuntos similares, do tipo “você leu uma matéria sobre Star Wars, então toma mais uma aqui a respeito”, até coisas mais complexas – que usam os chamados algoritmos.
Você tá lá no Spotify, curtindo aquela banda que você gosta, e aí a plataforma roda um programa inteligente que oferece outras opções baseadas nos seus gostos, no perfil de sons que você andou ouvindo recentemente. Se ela vai acertar ou não, bom, aí é outra história. :D
Na Netflix, rola a mesma coisa – e, de acordo com o showrunner Steven S. DeKnight, depois que você assistisse a um episódio da vindoura série do herói cego Demolidor – que estreia no serviço de streaming dia 10 de abril -, a recomendação ideal de outras opções seria algo como os filmes Operação França (1971), Um Dia de Cão (1975), Taxi Driver (1976) ou ainda a série policial The Wire. Estas são as grandes inspirações (ou, no caso, aspirações) da nova representação de Matt Murdock.
O que estes títulos, mencionados por DeKnight em uma entrevista para a revista especializada Entertainment Weekly, podem nos contar a respeito de como vai ser o tom da série?
Dá para resumir em uma frase: esqueça, por um momento, Agents of SHIELD. Demolidor será uma Marvel bem diferente. É uma Marvel mais urbana, de crimes cotidianos, das ruas, dos becos, de bandidos mais mundanos, mais parecidos com aqueles que vemos nos noticiários policiais locais do que com os nazistas da HIDRA. “Os Vingadores estão aqui para salvar o universo, mas o Demolidor está aqui para salvar a vizinhança”, define Jeph Loeb, o todo-poderoso das produções da Marvel para a TV. “Não teremos pessoas voando nos céus e tampouco martelos mágicos”. Esperamos, portanto, por algo mais realista, mas sombrio...e mais violento, até. Saem os maníacos superpoderosos e entram os batedores de carteira, os mafiosos e os serial killers.
Porque, afinal, os gibis do Demolidor são mais, digamos, gráficos no que diz respeito à violência. Veja, a atual fase do personagem escrita pelo Mark Waid, mais leve e heroística, é genial, um dos melhores gibis de heróis publicados atualmente pela editora (ao lado do Gavião Arqueiro do Matt Fraction) – mas está claro como água que, pelo menos nesta primeira temporada, a inspiração vai ser bem mais no aclamado período escrito por Frank Miller.
Por outro lado, é preciso não se deixar levar pela empolgação de pensar que DeKnight vai trazer a fúria sanguinolenta de Spartacus, sua outra produção de sucesso, para o mundinho Marvel. Demolidor será, sim, mais violento que Agents of SHIELD e mesmo que alguns dos filmes do estúdio. Mas ainda será uma série Marvel, que precisa ser mais, digamos, comercial, para a família – de alguma forma. Vão rolar uns socos, chutes, voadoras e pontapés mais ignorantes. Mas não espere cabeças explodindo ou maxilares sendo deslocados.
Outro detalhe importante, que talvez tenhamos deixar passar destas referências: são todos filmes policiais, abordando o submundo do crime, com heróis que caminham na tênue linha entre o bem e o mal, tudo em tons de cinza e com altas doses de um humor mais sarcástico. Na série do Demolidor, mais do que a luta de um super-herói contra os malfeitores, teremos crimes acontecendo. A polícia vai estar mais presente, assim como a imprensa especializada neste tipo de notícia, no mundo-cão. Logo, o repórter Ben Urich (Vondie Curtis Hall), um dos principais pilares para a criação do mito do Demolidor, será de suma importância também. Mas detalhe: já sabemos que, como a Sony detém os direitos do universo do Homem-Aranha, ele não trabalhará para o Clarim Diário, mas sim para uma publicação chamada New York Bulletin. Tire da sua cabeça os sonhos de ver J.Jonah Jameson, ainda que por um instante breve.
Até por Vondie Curtis Hall ser um ator mais velho do que o Urich dos quadrinhos, dá para imaginar que este Ben Urich da série seja, na verdade, a junção de dois personagens: o próprio Ben e ainda o conciliador braço-direito de Jameson, Robbie Robertson. E não, isso não tem nada a ver com a cor da pele do ator e do personagem, mas sim com o perfil: Urich pode ser um sujeito combativo, investigativo, incisivo. Mas, como acontece com Robertson e Peter Parker, ele deve ser igualmente uma espécie de guia, de conselheiro, de velho mestre para o Demolidor e/ou para o seu alter-ego. Faria sentido.
Além disso, este lado mais, digamos, “procedural”, mais investigativo, abre espaço para uma coisa que foi pouquíssimo vista no filme estrelado por Ben Affleck: a faceta de Matt Murdock como advogado. Aliás, se você teve a chance de assistir à versão do diretor desta tão criticada película, vai perceber que ela dá uma melhoradinha (de leve, vai) ao incluir toda uma sub-trama que tinha sido originalmente cortada, envolvendo justamente um sujeitinho (vivido pelo rapper Coolio) defendido por Matt e Foggy – e que, depois, faria uma importante conexão com o Rei do Crime. É um lado que é tão icônico para o personagem quanto o lado detetivesco do Batman, até o momento pouquíssimo explorado em suas versões cinematográficas, por exemplo.
Adaptar um caso como o do adolescente metaleiro Joel Flood, da pequena cidade de Redemption, que Matt defendeu em uma história de David Hine mesmo sem ter certeza de sua inocência (e lutando, como Demolidor, contra o seu envolvimento em uma espécie de culto local), é tarefa relativamente fácil e pode gerar uma história com esta pegada mais soturna.
O advogado já teve, digamos, um casinho com uma tal espiã russa de nome Natasha, sabe? E inclusive a defendeu em tribunal. Um advogado como ele talvez fosse interessante depois de toda a treta ao final de Capitão América 2. Tá bom, sabemos que uma aparição especial de Scarlett Johansson talvez seja uma ideia mais complicada de realizar. Mas e se, em determinado julgamento, Murdock enfrentasse uma certa advogada chamada Jennifer Walters – prima de um cientista famoso e muitos anos antes da moça mudar a sua tonalidade de pele para algo mais próximo do esmeralda...? Mais fácil de criar um laço, ainda que distante, com os Vingadores, não?
Isso é importante, aliás: Loeb faz questão de deixar claro que embora esta seja uma parte da cidade de Nova York que não vimos até o momento nos filmes, a série do Demolidor se passa sim no mesmo universo dos filmes e de Agents of SHIELD. Portanto, as referências estarão presentes, não tenhamos dúvidas. É mais improvável, por exemplo, que algo como a aparição da Sif ao lado dos homens de Coulson aconteça na série do Demolidor. Mas é claro que pequenas tiradas com a batalha de Nova York podem (e devem) acontecer. Dá, no entanto, para ir mais além. Porque as pequenas e sutis menções a personagens secundários da Marvel, que Flash e Arrow fazem tão bem no caso da DC mas que Agents of SHIELD só aprendeu de fato a executar nesta segunda temporada, têm grandes chances de acontecer aqui.
Dakota North pode facilmente aparecer como uma investigadora particular que cruza o caminho de Matt/Demolidor em um caso qualquer. A promotora pública Kirsten McDuffie pode ser figura carimbada nos confrontos jurídicos de Foggy e Matt. Talvez a garota cega Milla Donovan, com quem ele se casa na passagem escrita pelo roteirista Brian Michael Bendis, possa ser um inesperado interesse romântico mais para o final da temporada. E seria um presente vê-lo ajudando a família de uma pequena garota indígena com problemas auditivos que é filha de um antigo parceiro do Rei do Crime – uma menina chamada Maya Lopez, que você deve conhecer melhor com o nome Eco.
O grande eixo para que estas conexões sejam visíveis aos olhos dos fãs, no entanto, deve ser mesmo a personagem Claire Temple, vivida pela atriz Rosario Dawson. Nos gibis, ela é uma coadjuvante obscura da década de 1970, ex-mulher de Bill Foster (que foi o Golias, um dos sujeitos a usar as partículas de Hank Pym para ficar gigantesco) e interesse romântico de Luke Cage – o que, supomos, deve ser usado também na versão para a telinha. No entanto, a grande graça é o fato de que a sinopse da série dá a entender que, por ser enfermeira/médica, ela muito possivelmente será mesclada com outra personagem bastante relevante nos gibis: a Enfermeira Noturna.
A Enfermeira Noturna, figura recorrente dos gibis recentes dos Novos Vingadores, é uma mulher misteriosa que atende secretamente os heróis urbanos do Universo Marvel, ajudando com pequenos ferimentos/escoriações, o que é uma mão na roda para quem tem identidades secretas a preservar e não pode ficar frequentando hospitais o tempo todo. Ela deve, possivelmente, fazer a mesma coisa com Murdock/Demolidor. Mas é muito provável que a moça não seja exclusiva – e, se bobear, deve até mesmo dar as caras nas séries do Luke Cage (<3), Punho de Ferro e da Jessica Jones. Além disso, é a chance de fazer pequenas brincadeiras com outros heróis que patrulham as ruas do Universo Marvel. Já pensou botar um sujeito chamado Shang-Chi (Mestre do Kung Fu) saindo do “consultório” da moça enquanto Matt chega, todo estropiado? Talvez um sinistro casalzinho de nome Tyrone 'Ty' Johnson e Tandy Bowen (Manto e Adaga) pedindo ajuda assim que Murdock sai pela janela? Ou então a Claire comentando sobre uma esquentada garota de nome Ava Ayala (Tigresa Branca)? Aliás, toda a história a respeito do irmão mais velho de Ava, Hector, o Tigre Branco original, ter sido defendido nos tribunais por Matt Murdock, também poderia render uma trama interessante... [h2]Nasci um herói... e um vilão[/h2] É desta forma que Loeb define a primeira temporada da série do Demolidor – que terá no Wilson Fisk vivido por Vincent D’Onofrio o seu grande vilão. “Fisk tem muitos outros aspectos além de ‘quero conquistar a cidade e ganhar um monte de dinheiro’, na verdade”, explica DeKnight. “Em nossa história, contamos também a trama de como ele conheceu sua esposa Vanessa. (…) Esta é a história de amor que vocês vão acompanhar, sobre como ela o afeta e transforma”.
É fato: Operação França, Um Dia de Cão e Taxi Driver, os filmes mencionados por DeKnight, têm em comum “vilões” (ou, no caso, antagonistas, já que os heróis não são necessariamente heróis clássicos, de moral inabalável) que são bastante carismáticos. O refinado traficante Alain Charnier (Fernando Rey) de Operança França é tão interessante quanto o policial brucutu vivido por Gene Hackman. Não temos dúvida de que o Fisk de D’Onofrio deve ser igualmente cativante, envolvente e cruel.
Embora pouco se saiba sobre o passado de Vanessa – coisa que deve ser corrigida na série, só pra constar – uma coisa sempre ficou muito clara: quando finalmente descobriu as atividades criminosas do marido, a esposa de Fisk se opôs completamente a isso. Pressionado pelo amor de sua vida, Fisk chegou até a abandonar a vida bandida durante algum tempo...mas logo voltaria a assumir o trono dos facínoras novaiorquinos. Depois de um incidente esquisito envolvendo um mutante (?) nos esgotos, Vanessa ficou anos num estado de catatonia sem cura, mandada para ser cuidada na Europa enquanto Fisk fazia de tudo para recuperar a mulher. Este, aliás, foi um dos retratos da relação dos dois que mais duraram nos gibis.
Já se sabe que, ao lado do Rei do Crime na série, teremos Leland Owsley (Bob Gunton), velho conhecido dos fãs de HQs do Demolidor como o inescrupuloso aspirante a chefe do crime que atua com a alcunha de Coruja. Tudo indica que ele será um puxa-saco como o Starscream da série clássica dos Transformers, que vivia tentando bancar o bom serviçal para o Megatron mas que, no fim das contas, queria mesmo é puxar o tapete dele e tornar-se líder dos Decepticons. Meio por aí.
Alexander Bont, personagem que foi o primeiro Rei do Crime em atuação no bairro da Cozinha do Inferno antes de Wilson Fisk existir, pode ser presença garantida. Por mais que se trate de uma criação recente na história do herói – outra cortesia da passagem de Bendis pelo título – faz sentido justamente pelo seu envolvido com os apostadores que foram responsáveis pela morte do pai de Matt, o boxeador Jack Murdock. Como o uniforme negro que as fotos já revelaram que o jovem Murdock vai usar no começo de sua carreira é referência direta à minissérie Demolidor: O Homem Sem Medo (1993), talvez tenhamos uma mescla de origens aqui, mostrando ainda como Bont teria sido derrubado por Fisk enquanto o advogado cedo assume seu papel de vigilante.
A ascenção de Fisk ao poder poderia ajudar a mostrar, ainda que brevemente, outros mafiosos que tiveram relação (de servidão ou de embate) com o personagem – como o Cabelo de Prata, o Cabeça de Martelo e mesmo o Lápide. Todos já tiveram também relação direta com o Homem-Aranha mas, dada a boa relação que a Marvel tem com a Sony, não duvido que eles possam ser utilizados, principalmente por se tratarem de vilões assim tão pequenos, sem maior expressão. E o próprio Rei do Crime não surgiu inicialmente nas páginas dos gibis do Cabeça de Teia?
Entre seus capangas, aqueles mais pé de chinelo mesmo, seria muito divertido ver pintarem nomes como Wilbur Day ou Vincent Patilio – respectivamente o Metalóide e o Homem-Sapo, dois dos vilões mais ridículos que o Demolidor já enfrentou e que, mesmo assim, são bastante cultuados pelos leitores das antigas. Seria um presente divertido. ;)
Por falar em vilão, aliás, cabe aqui uma provocação: um dos grandes inimigos do Demolidor é um grandalhão que atende pelo nome de Mr.Hyde, de personalidade bipolar como o Médico e o Monstro do qual herdou o codinome. Nos gibis, ele se chama Calvin Zabo, por vezes referido como Cal. E sua filha é uma bela menina mutante de nome Daisy, com poderes sísmicos – quem viu o final do mid-season de Agents of SHIELD deve saber a quem nos referimos... :) Poderia estar aí uma conexão entre as duas séries?
Uma coisa importante, no entanto, ainda falando dos vilões: é praticamente um consenso que uma das melhores coisas daquele filme do Demolidor foi o Mercenário vivido pelo Colin Farrell, certo? Então, logo, o cara vai pintar assim, de imediato, na vida desta nova encarnação do Demolidor? Não conte com isso agora. É bom que se esclareça que não, ele não vai aparecer na série – pelo menos, nesta primeira temporada. “Eu não diria que não existem planos para ele no futuro”, remenda DeKnight, pagando uma de misterioso.
Nisso, concordo com o produtor. Ainda é cedo para enfiar o Mercenário neste balaio de gato. Trata-se de um vilão dos maiores para o Demolidor, tão importante para a sua mitologia quanto o próprio Rei do Crime. Tentar desenvolver ambos ao mesmo tempo, à medida que se conta a história do herói, poderia ser confuso demais, caindo na mesma armadilha do filme. Muitos elementos, pouco tempo para dar profundidade a eles. Da mesma forma que acho que Elektra e os ninjas do Tentáculo, assim como a maluquinha da Mary Typhoid, também devem ficar de fora por enquanto – ainda mais porque elas acrescentam um quê de sobrenatural/super-humano que não combinaria com o tom que se quer dar na série, um pouco do dilema pelo qual vem passando Arrow, por exemplo.
Quem sabe no futuro. Quando o algoritmo da Netflix passar a recomendar a série do Demolidor para quem resolver assistir Operança França, não é? :)