O novo desafio das mulheres nas HQs dos EUA | JUDAO.com.br

Números de Fevereiro mostram uma queda na importância das revistas estreladas por mulheres, mas a presença feminina entre as quadrinistas vem crescendo

Fevereiro de 2015 foi um mês marcante para as HQs nos EUA. De acordo com números da Diamond, que distribui os gibis por lá, cinco das 15 revistas mais vendidas no mês eram estreladas por mulheres. Não é que tinha heroína na capa, na equipe ou no elenco de apoio. Tinha mulher protagonista, com o nome bem grande estampado no logo.

Era a hora e a vez das mulheres nos gibis dos EUA... Ou pelo menos parecia.

Um ano depois, dos 15 títulos mais vendidos, NENHUM é estrelado por mulher — sim, teve Dark Knight III: Master Race #3, mas não dá mais pra dizer que ele entra nessa categoria, diferentemente do primeiro número. Mighty Thor #4, a primeira publicação com mulher protagonista aparece na 19a posição, com 56 mil exemplares, de acordo com o ComicChron (lembrando sempre que esses números não são de vendas pro público final, mas sim para as comic shops, que fazem pedidos de acordo com as encomendas e a demanda esperada, mas ficam com o encalhe quando ele acontece).

Mas, entre os 100 mais vendidos de Fevereiro de 2015, 20 eram estrelados por garotas — e, pra essa conta, tô excluindo equipes mistas, mas considerando times com formação totalmente feminina, como a versão dos X-Men lançada em 2013 e a A-Force. Agora, em Fevereiro de 2016, esse número subiu pra 21 gibis entre os 100. Ou seja, esse segmento já superou a barreira dos 20% da fatia que mais vende no mercado AND cresceu 5% em um ano. É pouco, mas é um crescimento na diversidade.

Harley Quinn #25, que ficou na 21a posição em Fevereiro de 2016

Harley Quinn #25, que ficou na 21a posição em Fevereiro de 2016

POR OUTRO LADO, esses 21 de agora venderam bem menos que os 20 do mesmo mês no ano anterior. Em Fevereiro de 2015 eram estimados exatos 1.496.802 exemplares entre essas revistas — 999.800 se você desconsiderar o “cheat” de Orphan Black #1, que foi incluido no Loot Crate, um daqueles esquemas de assinatura de caixa ~nerd. Já em Fevereiro desse ano os títulos com meninas ficaram nos 746.511 exemplares. Desconsiderando o Loot Crate, foi uma queda de 26% — maior que a geral nas vendas de revistas mensais, que ficou em 14%.

Números frios nunca vão revelar, mas há algo aí que, talvez, justifique essa queda. A indústria de quadrinhos dos EUA demorou décadas pra perceber a importância da representatividade feminina. Conquistar a confiança delas pra ler o mesmo título mês a mês vai demorar um bom tempo, e isso não vai ser resolvido lançando dois números 1 de cada gibi por ano.

Porque sim, Spider-Gwen teve dois lançamentos no ano passado. O mesmo vale pra Silk, Spider-Woman... Ok, relançar vai turbinar as vendas, muito por ser novidade e por movimentar leitores e imprensa, mas um senso de continuidade ajuda na confiança, assim como ter um começo, um meio e um fim. Lançamentos atrás de lançamentos, apenas e tão somente, atrapalha o mercado como um todo, mas vemos que é particularmente pior quando falamos de um público-alvo que antes era quase que ignorado – afinal, a queda não tem sido tão grande entre revistas com protagonistas homens.

ÓBVIO que Batman não é lido só por meninos, nem a Mulher-Maravilha tem apenas leitoras meninas. No entanto, a diversidade de personagens, temáticas e enredos é que ajuda a atrair diferentes perfis entre quem lê. Assim como a certeza de que, daqui um ano, o personagem diferente que te encantou vai continuar lá, o que nos leva a um outro problema: a retenção.

É cada vez mais difícil manter um leitor por meses e meses lendo uma história que, tecnicamente, não terá fim. Por isso, as editoras – principalmente a Marvel – investem em relançamentos constantes, sempre retornando ao número 1. Só que isso também traz um desgaste.

Se fosse só isso, porém, não teríamos esse atual “apagão” feminino – afinal, esse problema é pra todo mundo. Inclusive, nos 15 mais vendidos de Fevereiro temos apenas três “números 1” e dois “números 2” – o que justifica a queda geral no mercado, mas falaremos disso depois.

A grande questão é que por mais que as meninas se sintam representadas nas capas e nas protagonistas, as histórias dificilmente acompanham; outro detalhe é a perda de timing. A DC, por exemplo, não estava preparada para o sucesso da Supergirl na TV, que não tem uma revista própria desde o ano passado — e, agora, a previsão da estreia da revista é apenas para a partir de setembro. Um ano depois da série.

Agora, não dá pra acusar a Casa das Ideias de não arriscar. Além da Thor, temos um time dos Vingadores 100% feminino e uma Wolverine, além de outras sacadas interessantes que trazem diversidade para nomes e franquias famosas.

Mulheres quadrinistas

Dados recentes mostram também outro caminho a ser trilhado nessa questão de representatividade. Um estudo do historiador Tim Hanley, publicado no Bleeding Cool, mostra que em Janeiro desse ano apenas 16% dos quadrinistas e editores da DC envolvidos nas revistas eram mulheres – e a maior parte era, na ordem, editoras assistentes e editoras. Na Marvel, o número cai pra 15,7%, sendo que a maioria estava na posição de editora assistente (54,1%).

Tá ruim, mas era pior. Esse foi o melhor resultado em representatividade nos últimos meses! E a tendência é subir: as solicitações da Marvel pra abril colocam 33 mulheres trabalhando como roteirista ou artista em 24 títulos diferentes — a maior presença delas desde que o Tim Hanley começou a fazer esse levantamento. Já a DC em maio terá 23 mulheres trabalhando em 20 títulos.

Capa de A-Force #4, escrita por G. Willow Wilson e Kelly Thompson

Capa de A-Force #4, escrita por G. Willow Wilson e Kelly Thompson

E o resto?

Fevereiro não foi um bom mês pra ninguém – e lá nos EUA nem dá pra culpar o carnaval. As editoras venderam 14,62% a menos de revistas quando comparado com fevereiro do ano passado, numa queda acumulada em 9,52% no ano. Quando falamos em dólares, o faturamento caiu 6,73% no último mês, comparando com um ano antes.

Só que o mercado de encadernados deu uma boa compensada: houve um crescimento de 32%, com um aumento de 12% no faturamento. Isso fez com que o mercado como um todo só tivesse uma queda de 1,69% – tudo quando comparado com fevereiro do ano passado.

Isso não é, ainda, motivo pra desespero. Ano passado tanto DC quanto, principalmente, Marvel. promoveram relançamentos. Num primeiro momento, isso eleva as vendas das revistas mensais e derruba os encadernados. Depois, há uma queda natural nas vendas dos gibis (a mesma história da retenção) e crescem os encadernados, algo motivado pela galera que quer comprar os arcos completos dos relançamentos.

Outro detalhe é que as editoras foram mais contidas no último mês. A DC está se preparando para seu próximo relançamento, que acontece a partir de Maio, enquanto a Marvel acabou de sair de um e está preparando terreno pro próximo grande crossover, Civil War II.

Só não foi, mais uma vez, um bom mês pra DC. Se o mercado no geral teve uma ligeira queda, a participação da DC diminuiu ainda mais: foi de 28% em fevereiro de 2015 pra 24% agora. Pelo menos o Rebirth vem aí, dando uma esperança pra editora...