Teria a Pixar feito um filme animado sobre depressão?
Ok, vamos lá, por partes. Nunca, em toda a minha vida, eu briguei tanto comigo mesmo para escrever sobre um filme.
Não que Divertida Mente, o novo longa da Pixar, que estreia esta semana nos cinemas, seja um filme complicado. É a Pixar fazendo o que ela sabe de melhor: criar personagens cativantes, construir uma ótima história e nos levar por um mundo totalmente novo, ainda assim extremamente familiar. Afinal de contas, alguém precisa nos levar às estrelas.
Bom, o primeiro artigo que escrevi, e enviei para os Thiagos (Borbolla e Cardim), amigões e masterminds por trás do JUDÃO, acabou demorando muito para ser escrito, e no final não tinha nada de diferente do que você lerá em outros sites, revistas e jornais por aí: “ah, um ótimo filme, a história é assim, a animação é assado, você vai gostar disso e daquilo, uma piadinha no final antes de convidar você leitor para ir assistir” e por aí vai.
Isso não chega a ser um problema – se você ler os artigos e críticas sobre o novo Mad Max, depois do terceiro todos parecerão idênticos, na forma e/ou no conteúdo. Ok.
Mesmo com alguns percalços, a Pixar sempre se vangloriou de colocar a história em primeiro lugar, do cuidado com o storytelling, de achar o núcleo emocional dos personagens e, com isso, criar figuras que ficarão pra sempre no imaginário das pessoas, sejam crianças ou adultos.
E posso garantir que eles acertaram em cheio novamente. Mas por que cáspita, dessa vez, estava sendo tão difícil escrever uma crítica que realmente passasse a experiência de ver o filme, coisa que eu já tinha feito trocentas milhões de vezes no passado?
Quando o texto saía, saía sem graça, genérico. Comecei pelo menos cinco versões, cada uma com um ponto de vista diferente, e simplesmente não conseguia terminar. Para um filme que fala sobre emoções, não estava fazendo sentido. Eu tinha adorado o filme. Estava clara para mim a história: nesse universo, vemos que todas as pessoas possuem cinco emoções básicas – Alegria, Tristeza, Medo, Raiva e Nojo – que são a base de nossas ações e reações ao mundo ao nosso redor, que acabam gerando nossa personalidade.
Conhecemos Riley (voz da novata Kaitlyn Dias) ainda bebê, onde vemos nascer a primeira emoção, Alegria (um trabalho sensacional de dublagem da comediante Amy Poehler). Logo depois aparecem Tristeza (dublada espetacularmente bem pela atriz Phyllis Smith, da série The Office), Raiva (Lewis Black, mostrando que o casting de vozes para esse filme foi espetacular mesmo), Medo (Bill Hader) e Nojo (voz da Mindy Kaling). Sob o comando de Alegria, todas elas vivem no Quartel-General, centro de controle na mente da Riley, comandando as ações e reações da menina, com o objetivo de fazer Riely muito feliz em sua vida.
Só que um acidente joga Alegria e Tristeza bem para os confins da mente de Riley, deixando o controle nas mãos nada competentes – na verdade, bem competentes, já que eles agem exatamente como são – de Medo, Nojo e Raiva. Agora, Alegria e Tristeza têm que enfrentar um mundo que não conhecem, desvendando diversas partes da mente de Riley para voltar e colocar a vida da menina nos eixos, já que, agora com 10 anos, ela não está conseguindo se adaptar à mudança de sua pacata cidade natal no estado de Minnesota, onde deixou amigos e toda uma vida para trás, para viver em San Francisco, cidade grande e completamente diferente do estilo ao qual Riley e sua família estão acostumados.
Tudo muito claro. Mas nada do que eu escrevia expressava o que o filme tinha me passado. Nem de perto. Saco.
Eu estava perdendo alguma coisa. E durante esse processo enjoado, fiquei relembrando o filme, principalmente de como a pequena Riley reagia ao mundo à sua volta enquanto Alegria e Tristeza estavam em sua jornada para voltar ao Quartel-General, passando pelo Subconsciente, pelo gigantesco Arquivo de Memórias e pela Terra da Imaginação da mente da menina.
Parecia que ali, no meio dos personagens cativantes (vocês jamais esquecerão Bing Bong, podem ter certeza), da bela trilha sonora de Michael Giacchino e das piadas – quem perceber a referência ao clássico filme Chinatown ganha um pirulito – era possível que a Pixar estivesse falando sobre depressão.
Sim, depressão. Aquela terrível doença que muitos ainda acham que é apenas um momento de desânimo, de tristeza. De “frescura”.
Pete Docter, diretor e roteirista de Divertida Mente (o mesmo de Up – Altas Aventuras e Monstros S/A), já falou que o filme é baseado nas experiências dele como pai, em como ele tentava entender as atitudes e emoções de sua filha, Elie – sim, ela foi a inspiração para o nome da esposa do velhinho Carl Fredricksen em Up – hoje com 14 anos, e como isso o levou a ir mais fundo sobre essa questão das emoções.
Mas acredito que o filme vá além. Na história, Alegria controla a vida da pequena Riley, é ela quem comanda a equipe, quem dá as diretrizes, então todo o esforço é feito para que a menina seja feliz 100% do tempo. Mas com Alegria longe do Quartel-General, as outras emoções simplesmente piram. Ninguém ali sabe o que fazer. Eles então tentam raciocinar como Alegria, tentando organizar as coisas, fazendo o que sabem baseado naquilo que são. Mas se o objetivo era fazer com que a vida da menina fosse de eterna felicidade, eles falham miseravelmente, transformando a maneira como Riley reage perante os novos acontecimentos da vida.
Não sei se já tive depressão. Baseado no pouco que eu já li e vi, acredito que não, ou pelo menos não de maneira tão profunda para que eu necessitasse tomar remédios ou de terapia. Sei que esse é um assunto muito sério, então não quero tratar essa questão de maneira leviana, já que realmente sei muito pouco sobre esse tema. Mas já passei por momentos que apenas definir como “tristes” não explicaria direito o que eu estava sentindo.
Momentos onde não havia alegria, mas também não havia tristeza. Era uma falta de vontade, como se nada tivesse objetivo ou sentido. Uma sensação de que, no final, eu não ficaria alegre, onde tudo não acabaria bem, como um final feliz. Mas, ao mesmo tempo, tinha a sensação de que tudo também não acabaria em uma dor terrível, uma tristeza sem limites. Não. Era como se tudo ficasse inerte, em um estado de torpor. Não havia vontade para se fazer as coisas, mas também não havia vontade de ficar parado.
As coisas se tornam mecânicas, parece que tudo acontece na base da “osmose”, meio que no automático. E alguns desses eventos duraram dias; poucos desses eventos duraram algumas semanas. Às vezes havia razões para eu ficar assim. Outras, eu não entendia. E pude me relacionar com a maneira como Riley se comportava enquanto Alegria e Tristeza estavam longe do Quartel-General. Medo, Raiva e outras emoções ficavam mais fortes, mais amplificadas, pois só elas estavam lá.
Como eu disse antes, não quero ser leviano: depressão não se resume a isso. Pode durar anos, décadas, e já li e vi descrições muito mais pesadas. Pode haver crises, ou pode ser algo constante, dependendo da pessoa. Há muito o que se aprender sobre depressão – que não é só uma grande tristeza que pode melhorar com um dia no parque ou com pessoas queridas ao redor – e eu aconselho a você que tem interesse a ver um vídeo sensacional no TED Talk (legendas em português disponíveis) de uma apresentação dada pelo escritor Andrew Solomon, sobre depressão.
Por isso acredito que o filme, ao contar com maestria sobre essa fase do crescimento da pequena Riley, vai além de ser apenas uma maneira de entendermos que a Tristeza não deve ser simplesmente uma doença a ser combatida, mas que todos passamos por momentos tristes, que devemos ter nosso próprio tempo para entender e aprender com essa emoção e, com isso, crescer. Que nossos pais e amigos são nossa base, que podem nos ajudar a passar por momentos complicados da melhor maneira possível. Sem querer querendo, a jornada de Alegria e Tristeza para voltar ao Quartel-General acabou se tornando uma maneira lúdica, sutil, emocionante e, se é que pode se dizer algo assim, divertida, de abordar um assunto complicadíssimo.
Então, respondendo à pergunta que deixei lá no começo: não, a Pixar não fez um filme sobre depressão. Mas fez um filme que é muito mais profundo do que parece, e fez isso com toda a beleza, sutileza e carinho que ultimamente só eles conseguem fazer.
Por isso, vá assistir Divertida Mente. E deixe o filme te levar às estrelas. :-)
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