As pessoas por trás dos duelos de Magic: The Gathering | JUDAO.com.br

Produção da própria Wizards of The Coast, o divertido Enter the Battlefield foi disponibilizado na íntegra no YouTube

Acho que foi por volta de 2002 ou 2003, não me recordo exatamente. Mas eu tive a minha própria loja de quadrinhos. Ficava em Santos, lá bem de frente pro estádio da Vila Belmiro, do outro lado da rua. Uma casinha pequena na qual eu vendia gibis, bonequinhos, estatuetas, livros de RPG e, claro, cards. Principalmente os de Magic: The Gathering. Aliás, eram de longe a coisa que mais vendia na loja.

Eu não só vendia cards de Magic, como também comecei a jogar loucamente. Cheguei ao cúmulo de comprar caixas inteiras de boosters, fechadas, só pra mim, e coordenei campeonatos que rolaram na loja. Disputadíssimos, com muita estratégia entre elfos, goblins, ents, bolas de fogo e ogres babões. Nunca ganhei merda nenhuma porque eu era ruim demais – acabava montando meus decks muito mais pensando no quão legais eu achava as histórias dos personagens do que efetivamente na mecânica do jogo. Mas devo dizer que, ali, na mesa de jogo, fiz alguns grandes amigos. Pra vida toda.

Owen Turtenwald é um jogador do Wisconsin. Ao lado dos amigos Reid Duke e William Jensen (veterano, que faz as vezes de mentor), Owen faz parte de um grupo/time batizado de Peach Garden Oath – que homenageia a lenda chinesa dos três lordes que forjaram uma aliança de proteção mas que, claro, também faz referência a uma carta de Magic. Apesar de estarmos falando de um jogo individual, um contra um, eles se ajudam, treinam um ao outro, testam estratégias, compartilham experiências. De cartas e de vida.

“Sinto que já é um laço mais profundo do que sangue”, diz a mãe de Owen no documentário Enter the Battlefield – Life on the Magic: The Gathering Pro Tour, que conta um pouco dos bastidores da disputa profissional que a própria Wizards of The Coast realiza há mais de duas décadas, mostrando que essa coisa de amizade não aconteceu só comigo. “Não sei se mais profundo do que família, mas independente de continuarem jogando Magic ou não, tenho a sensação de que isso vai continuar para sempre”. É este tipo de história que o filme, dirigido pela dupla Nathan Holt e Shawn Kornhauser e com narração de Wil Wheaton (o Wesley Crusher de Jornada nas Estrelas: A Nova Geração, além de agora célebre interpretando a si mesmo em um papel recorrente na série The Big Bang Theory), pretende contar. Não é um filme sobre o jogo. Mas sobre os jogadores. E que você pode ver inteirinho no YouTube.

O projeto começou com a série Walking the Planes, uma série de vídeos curtos no qual Shawn e Nathan registravam o cotidiano dos jogadores nas competições de maneira leve e bem-humorada. “Enter the Battlefield aconteceu como um desafio da WoTC para nós”, conta Nathan, em comunicado oficial. “Qualquer um que trabalha no Pro Tour sabe quanto sangue e suor os jogadores depositam nestas disputas. É uma parte imensa de suas vidas. Então, fomos um pouco mais profundamente do que as coberturas deste tipo de evento normalmente vão. Quisemos vê-los mais vulneráveis, o que exige uma dose imensa de coragem e confiança. Eles merecem aplausos”.

Rodado ao longo de quase dois anos, o documentário conta as histórias de sete diferentes jogadores de Magic que estão, de uma forma ou de outra, envolvidos no Pro Tour – aquela que é considerada a mais importante competição deste jogo no calendário oficial. São, na verdade, uma série de torneios realizados em diversos países onde só participam jogadores que são convidados pela organização, com base em sua importância e vitórias acumuladas em outras disputas. Basicamente, estamos falando dos melhores contra os melhores, concorrendo a prêmios num total de US$ 250.000 — e os grandes vencedores podem participar da cobiçada disputa do campeonato mundial, que acontece anualmente.

Claro que é impressionante ver todo o apoio que recebe da família o jovem israelense Shahar Shenhar, campeão do mundo com apenas 20 e poucos anos e que simplesmente não parece sentir a pressão. Assim como é surpreendente ver, do outro lado, a luta do quarentão Chris Pikula, ele mesmo um pai de família, um dos maiores “advogados” pelo fair play, figura reconhecida no meio desde o final da década de 1990 – mas que nunca conseguiu entrar no chamado Hall of Fame dos maiores jogadores da história e ter um convite vitalício para o Pro Tour, que é o seu grande sonho. Chega ser meio triste, talvez o momento mais “coração apertado” do filme todo.

Como sempre, as melhores histórias são aquelas mais inesperadas, como a de Patrick Chapin, conhecido pela ALCUNHA de The Innovator. “Este jogo é meu meio de expressão”, diz ele. Seu tio afirma que, quando Patrick começou a jogar as cartinhas, parecia que um vácuo que existia dentro dele se preencheu. O resultado? Uma das mais conhecidas e cultuadas personalidades do meio, conhecido pelas formas criativas de combinar cartas de maneira inteligente e estratégica. Animado e aparentemente ligado no 220v, com um jeitão meio maluco, já escreveu até livros sobre o assunto. A namorada diz que ele se torna rapidamente fluente em qualquer assunto sobre o qual se interessa, porque a sua curiosidade é especial. “Por que, ao invés de me focar na mesa, eu não me foco em levar Magic como uma coisa divertida e especial para as mesas de muitas outras pessoas?”, diz ele, com porte de embaixador. Mas, quando tem a chance de disputar o Mundial, Patrick rapidamente se torna de novo apenas um jogador, montando um deck baseado na carta dourada do Siege Rhino e indo pro jogo de terno e gravata, contra um bando de moleques de moletom.

MagicChapin

Outra história que eu adoraria ter visto em ainda mais detalhes é a história de Melissa DeTora, veterana de Pro Tours e uma das poucas mulheres convidadas para estes torneios, a primeiríssima mulher na história a se tornar Top 8 no campeonato. “Quero ser uma inspiração para que mulheres joguem. E não apenas joguem, mas que sejam tão boas que sejam campeãs”, diz ela, com um jeito tímido, mas decidido.

Ela conta que recebe muitas mensagens de outras meninas, dizendo que disputam num jogo que é notadamente muito mais masculino mas que, mesmo assim, provaram seu valor em seguir em frente em meio às piadinhas idiotas. “Tem pais que me mandam mensagens dizendo que sou um ídolo para as filhas deles”. O quão foda é isso? Se Magic é um jogo cujo segredo é mais do que competir com o jogador do outro lado da mesa, mas sim competir consigo mesmos, me responda aí: quantos adversários a mais tem uma garota mesmo? Pois é.

“Eu sabia que um projeto como este ajudaria a contar estas histórias de um jeito mais poderoso e envolvente do que a gente conseguiria na cobertura ao vivo das partidas que fazemos em vídeo regularmante”, diz Greg Collins, produtor executivo do filme. “Nate e Shawn toparam um projeto deste tamanho e fico empolgado em compartilhar estas histórias com o mundo”.