Novo filme não-Marvel de Taika Waititi teria levantado um sinal de alerta dentro da casa do Pateta. Mas por qual motivo mesmo?
Um dos meus maiores questionamentos sobre a dominação da Disney é o fato da companhia ter uma assinatura bastante óbvia focada em produções para toda a família. Isso significa que o estúdio tende quase sempre a lançar filmes com classificação livre que carregam aquelas mesmas mensagens — o que pode limitar bastante o material criativo de seus cineastas.
Acontece aí que, com a aquisição da 20th Century Fox, a Disney também adquiriu no pacote a Fox Searchlight, um estúdio independente fundado em 1994 e responsável pelo lançamento de muitos filmes importantes e premiados de baixo orçamento, como 12 Anos de Escravidão, Birdman, Cisne Negro, O Grande Hotel Budapeste, Três Anúncios Para um Crime, A Forma da Água e A Favorita, além de muitos outros.
Apenas levando em consideração a temática desses nomes citados, dá para reparar que a Fox Searchlight não segue exatamente o tal DNA Disney presente em quase todos os produtos da companhia da Clarabela. E é exatamente um dos próximos filmes desse estúdio que em tese está tirando o sono de alguns executivos da Disney.
Segundo a Variety, alguns funcionários de alto escalão do estúdio estão incomodados com Jojo Rabbit, a sátira anti-nazista dirigida e estrelada por Taika Waititi. A publicação afirma que a temática pode ser “um pouco exagerada para que o que a Disney se acostumou a produzir” – mesmo que o filme, em si, não seja dela AINDA -, e citou que um executivo ficou desconfortável durante uma exibição, preocupado com o fato do material ALIENAR os fãs da Disney.
Desde o lançamento de Thor: Ragnarok, Waititi e Disney mantêm um ótimo relacionamento, principalmente porque a produção arrecadou mais de US$ 850 milhões de dólares pelo mundo. A prova dessa boa relação foi o anúncio de Thor: Love and Thunder, que contará com o retorno do cineasta neozelandês e seus protagonistas. Waititi conseguiu convencer até Natalie Portman a dar mais uma chance ao MCU, um relacionamento que parecia morto e enterrado.
Mas esse receio em ter que lidar com a possível revolta dos nacionalistas brancos norte-americanos (entendeu qual é o ponto aqui?) acaba indo contra o próprio histórico da Disney que, vale lembrar, fazia propaganda anti-nazista durante a Segunda Guerra Mundial.
Existe um exemplo claríssimo aqui: no caso, curta chamado A Face do Fuehrer (Der Fuehrer’s Face) protagonizado pelo Pato Donald, que como qualquer coisa na vida, pode ser encontrado na internet facilmente (inclusive colocamos ali embaixo). Estamos falando de uma animação, que inclusive ganhou o Oscar de melhor curta animado em 1942, mostrando o Donald tendo um pesadelo sobre trabalhar numa fábrica de armas em plena Alemanha nazista.
É, da mesma forma que Jojo Rabbit, uma sátira — mas uma daquelas bastante críticas e sem medo de colocar o dedo na ferida. Esse discurso sobre ALIENAR os fãs da Disney não faz muito sentido a partir do momento em que a companhia compra um estúdio independente que historicamente faz filmes desafiadores. Fora que eu tenho certeza que o público de Aladdin não será o mesmo que o do Taika, né…
Além da preocupação com a imagem da marca, a Disney também parece apreensiva com os primeiros números de bilheteria das produções da Fox depois da aquisição. De uma forma bastante pública, o presidente-executivo do estúdio, Bob Iger, declarou durante a conferência trimestral que o desempenho da Fox estava abaixo do que tinha sido antes da aquisição — e ainda bem abaixo do que a Disney esperava quando o acordo foi fechado. Apesar do tom contido, Iger explanou as frustrações de muitos membros do estúdio com o desempenho das produções herdadas.
Pessoas envolvidas nos bastidores dizem que o diretor de criação e co-presidente da Walt Disney Studios, Alan Horn, e seu co-presidente Alan Bergman estão bastante incomodados com o retorno financeiro dos filmes já lançados, além de preocupados com a viabilidade de vários projetos em diferentes estágios de produção.
Já nas mãos da Disney, produções como X-Men: Fênix Negra, a comédia de ação Stuber e o drama canino Meu Amigo Enzo se tornaram fracassos de bilheteria, já que concorreram contra grandes filmes do próprio estúdio, como Vingadores: Ultimato e O Rei Leão. Enquanto esses filmes da Fox tinham enredos e públicos diferentes, os sucessos da Disney no mesmo período tinham o mesmo foco: a possibilidade de toda a família assistir ao filme junto.
Só que, segundo a própria matéria da Variety, a Disney não fez muito esforço para divulgar esses filmes, o que acabou irritando (com razão) pessoas envolvidas na produção de Fênix Negra, por exemplo. O estúdio cortou pelo menos US$ 50 milhões do marketing e desenvolvimento da Fox, além de não apoiar internamente a produção. Recentemente, surgiram notícias sobre a Disney não estar impressionada com Os Novos Mutantes, mas não sabemos exatamente se isso significa que o filme é ruim ou se apenas não se encaixa no padrão do estúdio (lembremos que a ideia é que fosse um filme de terror com seres superpoderosos, portanto…).
Mas a partir do momento em que a Disney adquire uma marca como a Fox Searchlight, o estúdio deveria estar aberto à produções diferentes que a empresa mãe não teria coragem de fazer exatamente por causa da sua imagem. Um estúdio independente desafiador como esse entregaria a dose de ousadia que a Disney definitivamente precisa, além de trazer prestígio nas principais premiações – todos os filmes citados no começo desse texto ganharam em alguma ou mais de uma categoria no Oscar.
Estreando no outono norte-americano, Jojo Rabbit fará sua estreia mundial no Festival Internacional de Cinema de Toronto, um dos melhores e mais importantes termômetros para o Oscar. Isso pode acabar aliviando um pouco os temores dos executivos mais desconfiados, já que a Fox Searchlight tem um ótimo histórico em dominar a premiação.
Mas esse começo de relação já não parece exatamente promissor...
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