Ao ir assistir às aventuras do ouriço / porco espinho azul no papel de acompanhante do real interessado, digamos que consegui curtir a coisa toda sob um outro ponto de vista… ;)
Com ou sem visual renovado, possivelmente meu interesse por ver esta adaptação cinematográfica do Sonic beirava o nulo. Eu era VICIADO no jogo original, lá nos idos de deixa pra lá, sempre curti muito o personagem, mas ver aqueles trailers me trouxe à boca um gosto amargo chamado Pica-Pau.
Deixa eu contar uma parada pra vocês: quando a gente vira PAI, por mais cinéfilo que seja, tem vezes que acaba sendo inevitável ir ao cinema muito mais no papel de acompanhante do que qualquer outra coisa. Você só vai. Você faz um puta exercício de desapego e entende, na marra, que certas coisas não são MESMO pra você. Foi assim que acabei indo ver o sofrível Internet – O Filme com a filhota pré-adolescente que tava na vibe dos YouTubers. E foi seguindo este baile que, em 2017, lá estava eu no cinema pra este diacho de filme live-action do Pica-Pau, que no mundo todo saiu direto em DVD/streaming mas aqui, graças à popularidade ímpar do personagem, chegou às telonas com alguma pompa e circunstância.
Sem meias palavras, o resultado final é pavoroso. Não dá nem pra engolir como “diversão sem compromissos” porque, diabos, é tudo tão genérico que daria NUMA BOA pra ser qualquer personagem ali e vambora. Parece uma costura das histórias mais óbvias do manual do filme pra vídeo, só que com um bocado de esforço para tentar tornar piadinhas que dariam no máximo esquetes bobos de 2 minutos em uma única trama coesa. FUÉN, fracasso total e completo.
Ver os trailers do filme do Sonic me trouxe RIGOROSAMENTE esta lembrança à mente. Um fiapo de historinha qualquer só pra servir de desculpa pra termos o porco espinho interagindo com um bando de seres humanos. Mas, da mesma forma que o filme do Pica-Pau, o meu pequeno filhote tava na pilha pra ver, ainda mais agora que ele tá nesta vibe toda gamer, então vamos lá, firmes, fortes, coração aberto, porque ver ele feliz ajuda a aliviar o impacto de qualquer filme ruim.
Mas... quer saber? Me surpreendi. Claro, não é uma obra-prima que vai salvar o combalido mundo das adaptações cinematográficas de videogames; sim, a trama é bastante genérica, mal começa a parada e cê já tá bem ligado no que vai acontecer com a graaaande decisão da vida do policial vivido pelo James Marsden. Só que o timing inteligente e ágil da condução toda, aliado a um Sonic que é praticamente uma criança hiperativa (causando identificação imediata não só com a molecada mas também com praticamente todos os papais e mamães da sala), faz você nem sentir o tempo passar e se acabar com as risadas dos pequenos.
Graças à sua supervelocidade e, óbvio, também a uma habilidade meio super sayajin que o ouriço só demonstra lá na frente, Sonic é caçado em seu mundo natal por um bando de malvados, cujas identidades parecem ter sido guardadas para uma continuação. Sua mentora, uma coruja meio Obi-Wan Kenobi, entrega na mão do jovem mancebo um monte de anéis (sabe aqueles, que o Sonic tinha que coletar no jogo?) que servem como mecanismos de transporte para outras realidades — basta segurar, pensar para onde ir, jogar no ar, atravessar... e ele é enviado para a Terra, com a recomendação de se manter escondido e, assim que for descoberto, pular para OUTRO mundo.
Acontece que, como você pode suspeitar, o Sonic começa a ficar mais curioso, se envolve com o cotidiano de uma pequena cidadezinha, se apaixona pelos humanos e aí vem toda a merda. Porque ele derrapa, se deixa ser visto, o governo dos EUA saca que tem treta ali. E então entra em cena o Robotnik.
Vejam só, as interações entre o Sonic e o oficial da lei boa-praça Tom Wachowski (Marsden) funcionam que é uma belezinha, têm charme, têm graça, têm uma fofura, principalmente quando eles tão num esquema meio road trip. Mas tudo, claro, só dá certo porque o personagem ganhou CARISMA. O visual ajuda neste sentido, até pelos olhos bastante expressivos, mas vê-lo gastando todos os seus esforços, às vezes com muito exagero, tentando agradar seu mais novo amigo para conseguir passar pelo máximo de experiências terrestres antes de ter que pular pra próxima fase, poxa. O momento em que eles ganha seus icônicos sapatos vermelhos, aliás, é de uma fofurice tamanha que não dá pra evitar soltar um “OOOOUN!”. <3
Só que aí eu volto lá em cima, pro Robotnik, o vilão clássico interpretado pelo Jim Carrey. Quando ele surge, e cada vez que ele pinta numa sequência, ele rouba a cena. Nitidamente ele tá se divertindo, pirando, improvisando, livre pra curtir sem muito peso nas costas, interpretando um antagonista canastrão, imprevisível, que acrescenta igualmente uma série de camadas ao vilão que a gente só conhecia como um cientista maluco formado por um monte de pixels.
A conexão entre ele e o porco espinho, que é complementada pela conexão entre ele e o policial interiorano, é tão imediata que compensa as soluções fáceis, as obviedades, as viradas no roteiro que são aquelas mesmas de sempre.
Aí, na cena pós-créditos, rola uma parada que dava pra imaginar que iria acontecer, tendo uma continuação nos planos ou não. E é muito legal. Fanservice pra cacete, ok, concordo, mas combina com o todo. E só foi o complemento perfeito, a cereja no bolo, pra fazer eu e meu filho sairmos rindo juntos do cinema. E daí que não é um filme “oooooh”? A ideia não era essa, o objetivo não era este.
Cinema é experiência, né? Lembra que a gente fala sempre isso? Pois então. A experiência foi toda uma delícia. Valeu pelo ouriço, valeu pelo Robotnik, mas valeu bem mais por mim e um camaradinha que saiu cheio de perguntas deliciosas e constatações incríveis.
Cinema TAMBÉM é isso.