Existe um Weinstein mais perto de você do que você imagina | JUDAO.com.br

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Sabe aquele lance que a cultura pop ajudou a popularizar, de que estamos todos a no máximo seis graus de separação do Kevin Bacon? Então. Na semana passada, desde que uma das histórias mais sórdidas que há anos circulava nos bastidores de Hollywood se tornou pública, descobrimos também que estamos mais perto de Harvey Weinstein do que imaginamos. Se não perto DO Harvey Weinstein, pelo menos de UM Harvey Weinstein.

A lista de mulheres que reuniram coragem para abrir o jogo sobre o comportamento predador do ex-chefe da Miramax e Weinstein Co. não para de crescer, incluindo nomes como Angelina Jolie, Gwyneth Paltrow, Ashley Judd, Asia Argento, Cara Delevingne e Rose McGowan. Como resultado da série de revelações, o executivo foi expulso não apenas de sua empresa mas também da Academia, a do Oscar. Cê acha que acabou aí, que isso é o bastante, que a justiça está feita? Mas nem de longe, amigo. Porque não para nele. Nunca parou.

“Talvez esta seja uma questão endêmica”, afirmou Emma Thompson para a BBC. “Passei a maior parte dos meus vinte e poucos anos tentando evitar que homens mais velhos metessem a língua na minha boca apenas porque eles achavam que ‘bom, ela tá aberta a isso’. Então imagino que isso aconteça regularmente”. Em artigo para o THR, a showrunner de Grey’s Anatomy, Krista Vernoff, afirma que a cultura inteira é cúmplice. “Se fizemos isso ser apenas sobre o Harvey, então nós já perdemos”.

Essa não é MESMO uma questão que envolve apenas o Weinstein. É uma indústria que tem Woody Allen, Bill Cosby, Roman Polanski. Certeza que outros nomes vão surgir aos longo dos próximos dias, semanas, meses. Só que não para por aí. Porque esta é uma questão que não fica restrita à Hollywood. Ou alguém aí já esqueceu do caso envolvendo o ator José Mayer? “É uma situação vivida por todas. Desde estagiárias até mulheres graúdas, que têm cargos de liderança”, diz a produtora Malu Andrade, organizadora do grupo Mulheres do Audiovisual, em matéria do UOL, ao revelar que recebe diariamente uma série de relatos de assédio no meio aqui do Brasil. “Elas se sentem muito inseguras. O mercado é pequeno, todo mundo se conhece, existe um medo latente e muito real de não conseguir emprego por vingança dos assediadores ou de ser prejudicada de outras formas”, explica. Só que não para por aí.

Esta não é uma questão que acontece estritamente na indústria do entretenimento. Homens usando o seu poder e influência para conseguirem o que querem... Quantos casos você já não deve ter ouvido antes no meio político, em escritórios de advocacia, em empresas de contabilidade, em gigantes alimentícias...? Dê só uma olhada na quantidade de mulheres postando “me too / eu também” em suas redes sociais nos últimos dias, atendendo à convocação da Alyssa Milano. Suas colegas de trabalho, amigas, familiares. Só que não para por aí.

Um cara poderoso, bom, ele acha que pode tudo, né? Como diz Dave Mustaine na letra de Symphony of Destruction: “You take a mortal man / And put him in control / Watch him become a god / Watch people’s heads a’roll”. Mas este camarada, ele carrega consigo o machismo nosso de cada dia. Com todos os anos em que a objetificação feminina te foi vendida como algo normal e corriqueiro. Ele cresce na vida, ganha poder, status, pensa aí: ele não vai achar que pode fazer o que bem entender com qualquer mulher que passe no seu caminho? Só que não para por aí.

Faça o “saudável” exercício de olhar os comentários que estão rolando nas notícias relativas ao caso Weinstein. Lá fora ou aqui no Brasil, tanto faz. “Na hora de dar pra subir na carreira elas gostaram, agora tão reclamando”, dispara um. “Se eu tivesse a grana deste cara, faria igual, meteria a vara em quem passasse na minha frente, kkkk”, solta outro. “Bando de piranhas que nunca se deram ao respeito. Por que não falaram sobre isso antes? Tavam aproveitando, né?”, arremata um terceiro. Estes comentários são de gente DE VERDADE. Vida real. Pessoas que você conhece, que trabalham contigo, que sentam na mesa de boteco pra falar de futebol com a sua galera. E que se tivessem o dinheiro e o poder do Weinstein, seriam EXATAMENTE como ele. Talvez até tenha potencial pra morar um Weinstein aí bem dentro de você, amigão.

Essa é daquelas horas em que você, que não tem a intenção ou currículo pra se tornar um merda como ele, ou como estes aí dos comentários acima, tem que ESCUTAR as minas. Leia bastante sobre o assunto. Converse com suas amigas. Veja o que elas têm a dizer, ouça suas histórias. Eu também tenho que fazer isso. Porque também sou este homem cheio de privilégios.

Hora de olhar pra trás e repensar coisas que fez, que disse, e de repente passar um filtro do tipo “mas será que neste momento eu não fui igualmente escroto ou babaca?”. Muito provavelmente, spoiler, tu foi sim. Porque eu também fui. Sei exatamente como eu pensava quando eu tinha 18, 19, 20 anos de idade. E pouco me orgulho disso.

O que muda aqui é: que tipo de homem eu quero ser daqui pra frente? Eu tenho plena certeza de que não quero ser Harvey Weinstein. E nem ter nenhum amigo/colega ou mesmo chefe como ele. E você?