Um exemplar típico de sua filmografia, com sua assinatura em cada canto da produção, mas infelizmente sem um pingo de personalidade ou carisma. E tem palhaços…
Rob Zombie é daquele tipo de cineasta que, goste você ou não, criou um estilo próprio, um jeito de assinar a parada em termos estéticos e mesmo de conteúdo.
Dá uma olhada nos filmes dele e você vai reconhecer de imediato alguns itens que não podem faltar a cada obra, tipo a fotografia granulada e propositalmente envelhecida com um jeitão de anos 70; a trilha sonora southern rock de caras como Lynyrd Skynyrd; as estradas empoeiradas do interior dos EUA; caipiras teimosos e mal-humorados; palavrões e putaria; além, é claro, das inevitáveis presenças de Malcolm “Laranja Mecânica” McDowell e sua própria esposa, Sheri Moon Zombie.
Isso tudo e também palhaços, né. Zombie adora esta coisa toda circense. Mas ele gosta de palhaços assustadores, sádicos, assassinos, sujos, dentes podres, maquiagem cheia de falhas, barba por fazer. Tipo o Capitão Spaulding que apareceu pela primeira vez em A Casa dos 1000 Corpos.
Pega tudo isso aí e faz o checklist. Tá rigorosamente TUDO lá em 31, o mais novo filme do diretor rock star, já disponível no Brasil nas plataformas online. O grande problema na obra, no entanto, é que ela infelizmente parece menos com um filme de vida própria e mais com uma colagem de tudo que ele já fez antes.
Um catadão de referências que não tem um pingo do carisma ou da personalidade de um Rejeitados pelo Diabo, aquele que é de longe o seu melhor filme. 31 é absolutamente genérico, óbvio, sem alma. É tipo um daqueles roqueiros que tentam fazer um álbum pra resgatar as glórias de outrora mas, ao invés de fazer algo novo, segue no template básico de tudo que fez naquele disco clássico, pra ver se acerta de novo mas erra miseravelmente? Bem isso.
A trama do sétimo filme de Rob Zombie começa quando, às vésperas do Halloween, cinco trabalhadores de um parque de diversões são sequestrados e mantidos reféns em um lugar demoníaco chamado Murder World. Logo eles descobrem que farão parte de um jogo batizado de 31, um evento anual esperadíssimo por todos os participantes.
As regras são bem simples: pelas próximas 12 horas, eles precisarão sobreviver à sangrenta caçada empreendida por um grupo de violentos palhaços chamados The Heads, enquanto sua jornada vira alvo de apostas para um bando de milionários vestidos como nobres vitorianos.
Tem potencial, né? Tem. Mas, ao mesmo tempo, tamos falando aqui de uma história que, em sua essência, já foi usada à exaustão na Hollywood dos filmes de terror – e nem vou falar aqui só de uma coisa como Jogos Mortais, por exemplo. Pra trabalhar a dita cuja, teria que colocar um temperinho adicional aí, né? Mas Zombie não faz isso tampouco. Tudo que ele entrega são cenas intensas de sangue e tripas que, vamos combinar, sozinhas já não são mais garantia de um bom filme de terror tem muito tempo.
Tudo parece jogado na tela pra chocar, o forte pelo forte. Apesar das 1h30 de duração, 31 chega a soar mais como um imenso videoclipe, só que de terror. “Ah, quero colocar uns nazistas aqui no meio, então vou pintar uma suástica no peito do anão e vou criar um quarto com uma espécie de altar pro Hitler”. Pega vários pensamentos assim, costura e você tem cenas inteiras ligadas por um fiapo e que não chegam a conversar entre si.
Tudo que Rob Zombie entrega em 31 são cenas intensas de sangue e tripas que, vamos combinar, sozinhas já não são mais garantia de um bom filme de terror tem muito tempo
Sabe aquilo que falamos no vídeo sobre Valerian, a respeito da falta de um bom editor, sobre um diretor que resolveu colocar tudo no filme apenas porque podia? É isso, Rob Zombie encarna o Luc Besson aqui. E quase que literalmente porque, assim como Valerian, este 31 também é um filme BONITO, considerando o universo dos filmes de terror. Tecnicamente eficaz, bem acabado, puta visual interessante. Mas se esquece da narrativa. Muita forma e pouco conteúdo.
Mas sabe o que é pior? Ele simplesmente se esquece da regra número 1 do bom filme de terror que é: pra coisa funcionar, você tem que se importar com alguém. Nem que seja com a porra do vilão. Aqui, nem um lado e nem o outro são suficientemente empolgantes. As relações da trupe de reféns tentando sobreviver são mal construídas, apresentadas quase correndo. Portanto, sendo BEM honesto, você não chega a dar lá muita bola quando eles começam a morrer ou quando choram pelo companheiro abatido. Na real, o espectador está anestesiado com tantos cortes e jogos de cena que mal consegue sentir alguma coisa por eles. Portanto, o quão chocante seria quando você descobre que um deles serviu de jantar para o restante dos outros, sem que ninguém pudesse imaginar?
E aí tem os psicopatas. Os personagens dos palhaços, tá bom, até que começam a ser interessantes, como é o caso dos dois irmãos tarados de serra-elétrica nas mãos. Mas o foda é que nenhum deles dura tempo o bastante em tela para se desenvolver o mínimo, pra você ter um motivo qualquer pra odiar.
É preciso, no entanto, que se faça justiça com UM elemento que talvez faça o filme ficar minimamente interessante desde o momento em que dá as caras. O Doom-Head — que, nas legendas, ganha o nome de Apocalipse. Com um visual que mistura um músico estiloso de black metal com a elegância do Nosferatu clássico, Richard Brake (que foi o Night King de Game of Thrones na 4a e na 5a temporadas) sabe carregar nas tintas do jeitinho certo para ser o único inimigo realmente apavorante desta galera. É exagerado e canastrão como se espera de um personagem do tipo.
O jeito do sujeito olhar, sussurrar, berrar e principalmente sorrir, é tudo tão forte que chega a ser de fato assustador. É alguém cuja motivação eu queria entender um tantinho mais, até. Aí, a gente fica aqui pensando: por que caralhos, então, não aproveitaram este miserável desde o começo? Por que não colocaram o camarada pra caçar a galera assim que eles foram levados para o seu campo de batalha particular?
Sei lá. Só o Rob Zombie pode responder isso. Mas tomara que ele não apenas tenha sacado este “pequeno” detalhe como já esteja, de alguma forma bizarra, imaginando dar um filme para o Doom-Head brilhar sozinho. Porque pelo menos 31 teria servido de alguma coisa, no fim das contas.