Reino Unido cria série de diretrizes sobre como cenas de nudez e sexo deverão ser filmadas daqui pra frente | JUDAO.com.br

Enquanto Emilia Clarke contou sobre toda a pressão que sentiu pra tirar a roupa no set de Game of Thrones, diversas organizações do Reino Unido se juntaram pra definir diretrizes sobre nudez e cenas de sexo para TV

Há alguns anos que temos acompanhado um movimento de diversas atrizes comentando sobre o quão desconfortáveis foram as cenas de sexo e/ou nudez que gravaram. Muitas vezes sinônimo de objetivação do corpo feminino, a execução dessas cenas causam muita pressão em jovens atrizes que acreditam que, ao dizer não para isso, criarão problemas na carreira ainda no início.

Emilia Clarke é mais uma a expor o que sente sobre isso. Participando do podcast Armchair, do também ator Dax Shepard, ela contou que a experiência de filmar essas cenas em Game of Thrones era “aterrorizante”. O próprio apresentador descreveu algumas das primeiras cenas de Clarke na série como “praticamente cenas de estupro”, uma vez que a personagem é constantemente assediada em diversas cenas no início da série.

Com o passar dos anos, Clarke percebeu que tinha poder no set ao afirmar que se tornou “muito mais esperta” em indicar o que ela não ficava confortável em fazer, mesmo que a pressão dos fãs fosse jogada em cima dela. “Eu já tive brigas no set antes de dizer ‘não, o lençol permanece alto’ e eles diziam ‘não, você não quer decepcionar os fãs de Game of Thrones’. Eu só dizia ‘Foda-se!'”, contou a mãe dos dragões. “Eu estava flutuando nesta primeira temporada, não tinha a menor ideia do que tava fazendo, não fazia ideia do que era aquilo, nunca tinha participado de um set de filmagens como esse antes, e agora estava completamente nua”.

É extremamente preocupante quando uma figura de poder dentro do set – geralmente um homem, olha que surpresa – manipula uma atriz em nome dos “fãs do programa”. E se um programa é tão famoso quanto Game of Thrones, a atriz se sente obrigada a fazer o que é ~pedido. Mas que raios de fãs são esses que ficam DECEPCIONADOS se uma atriz não aparece nua? Uma mulher não deveria precisar se tornar “muito mais esperta” se seus chefes se preocupassem minimamente com a forma como a cena afetará a atriz.

O diretor Neil Marshall, que dirigiu o episódio Blackwater na segunda temporada, comentou uma vez sobre como os executivos da HBO o pressionaram para acrescentar nudez sem necessidade real, apenas comprovando que o estúdio estava mais preocupado com os tais “fãs” do que com o bem-estar do elenco da série e da equipe. Ainda durante sua participação no podcast, Clarke afirmou que continuou a se perguntar sobre a necessidade dessas cenas: “Isso traz à pergunta: o que é isso? Como é estar sob o olhar de pessoas que você nunca vai encontrar e nunca saberá quem é?”.

A atriz ainda comentou que Jason Momoa foi muito útil ao guiá-la no set de filmagens, afirmando que ele realmente cuidou dela em um ambiente onde ela não sabia que precisava ser cuidada. “Só agora percebo a sorte que tive com isso, porque poderia ter sido de muitas, muitas e muitas maneiras diferentes. Como Jason tinha experiência, ele fez um monte de coisas antes. Ele disse: ‘Querida, é assim que deve ser e é assim que não é para ser, e eu vou garantir que seja assim'”, contou. Ela ainda acrescentou que Momoa sempre se certificava de receber uma túnica durante as cenas de nudez no set. “Ele era tão gentil, atencioso e se importa comigo como um ser humano”, completou.

Após essas declarações, o Reino Unido divulgou suas primeiras diretrizes sobre nudez e cenas de sexo para TV. Lançadas pela Directors UK, uma organização de diretores, as diretrizes nasceram da necessidade de definir expectativas profissionais claras e compartilhadas que se aplicam a todos os envolvidos na criação de conteúdo sensível. Elas abrangem técnicas de ensaio, direção de cenas de violência sexual, planejamento de cenas para aderir a cláusulas contratuais individuais e encontrar soluções criativas para desafios que ocorrem no set. O objetivo é fornecer práticas recomendadas para diretores que trabalham com roteiristas, produtores, diretores de elenco, intérpretes, agentes, maquiadores, figurinistas e coordenadores de intimidade.

“O diretor, como líder criativo de uma produção, deve definir o tom para um ambiente profissional e respeitoso no set”, afirmou Susanna White, presidente do comitê de cinema do Directors UK. “Estamos todos aqui porque queremos contar histórias convincentes e impactantes, e nenhum membro de um elenco ou equipe deve ser colocado em uma posição em que se sinta inseguro, explorado ou mal administrado – especialmente ao criar material sensível. Ao longo de minha carreira, vimos como é de vital importância saber como abordar conteúdo sensível com profissionalismo”.

Produzidas em parceria com diretores membros do Directors UK, órgãos da indústria e profissionais de todas as áreas para garantir que as melhores práticas padronizadas em todo o setor, as diretrizes são apoiadas pelo BAFTA, Guild of Casting Directors, BFI, Equity e Writers Guild of Britain, além dos grupos Era 5050 e Time’s Up UK. “As diretrizes criadas pela Directors UK estabelecem o padrão para dirigir cenas íntimas e ajudarão a promover um ambiente de trabalho seguro para todos em um filme ou programa de televisão”, completou White.

Em comunicado, o BAFTA ressaltou a importância da colaboração dos diretores para formar as regras de conduta contra assédio publicadas em 2018 pela Academia Britânica e na criação das novas diretrizes. “Eles realmente abraçaram a agenda e criaram um conjunto de recursos adicionais que se baseiam na orientação e ajudam seus membros não apenas a lidar com meu comportamento quando o testemunham, mas também reconhecer seu papel na criação de um ambiente onde o assédio moral, o assédio e todos os tipos de comportamento coercitivo não são tolerados”.

Se o bom senso, sensibilidade e o mínimo de empatia não funcionam, diretrizes claras – e com caráter punitivo – podem ser o caminho para atrizes serem ouvidas nas leituras de roteiro e nos set de filmagens. Nenhuma mulher deve se sentir pressionada no seu ambiente de trabalho, muito menos quando a pressão está relacionada ao seu próprio corpo. É claro que é ótimo que Emilia Clarke tenha conseguido reunir forças para se defender e que alguém tenha a defendido quando ela não conseguia, mas é perturbador que pessoas em posição de poder não tenham levado em consideração que as cenas poderiam causar desconforto. Com as novas diretrizes, esperamos que nenhuma atriz – ou ator – precise passar por situações desconfortáveis para se tornar “muito mais esperta” ao ultrapassar seus próprios limites em nome de um trabalho.