Apesar de ser pouco lembrada fora do circulo trekker, a série é a única que liga as duas timelines da franquia e recebe uma justa homenagem em Star Trek: Sem Fronteiras
Jornada nas Estrelas: Enterprise não é, nem nunca será, a primeira série que vem a cabeça de alguém quando falamos da mítica criação de Gene Roddenberry. Aliás, se você não for um trekker, arrisco a dizer que há uma grande chance de você ter se esquecido da existência ou nunca ter ouvido falar da produção, exibida nem faz tanto tempo assim, entre 2001 e 2005. Por diversos motivos, Enterprise não decolou como deveria. O que é uma pena.
Porém, nem tudo é tão ruim assim. Até agora (ao menos até a estreia de Discovery), essa é única série que faz parte tanto da cronologia original quanto do reboot de Jornada nas Estrelas nos cinemas. Por tudo isso, são várias as referências presentes a ela em Star Trek: Sem Fronteiras, o novo filme da saga estelar que estreia nesta quinta (01) aqui no Brasil.
Enterprise, a série, se passa em um momento da história completamente diferente das outras séries da franquia. Esquece essa quase utopia de Federação dos Planetas Unidos, por exemplo. Tudo começa no ano de 2151, quando os terráqueos ainda estão dependentes de seu planetinha e com pouco contato com o resto do universo.
O nosso principal contato são os vulcanos, mas eles não são, ainda, companheiros em nossas aventuras. Desde o chamado “Primeiro Contato”, quando se revelaram aos humanos, eles ainda não compartilharam a vastidão de sua tecnologia, tudo por medo do que poderíamos fazer com ela. Cabe assim aos próprios humanos encontrarem as ferramentas ideais para a viagem espacial, começando pelo motor de Dobra 5.
A Frota Estelar, em operação na Terra desde 2119 e ainda uma “versão anterior” àquela da série clássica, equipa o novo motor na nossa primeira nave estelar de longo alcance, a NX-01 – ou, se preferir, a Enterprise — e o comando dela cabe ao capitão Jonathan Archer, o filho do cara que inventou o motor de Dobra 5. E assim a Enterprise parte pra, logo no episódio piloto, fazer o primeiro contato dos humanos com os Klingons, famosos antagonistas da franquia.
Ainda que seja uma produção mais recente, Enterprise traz uma tecnologia notavelmente mais RUDIMENTAR em relação à série clássica ou aos filmes. A NX-01 é bem menor e mais simples que a NCC-1701, a Enterprise original, além de ter protótipo de teletransporte, torpedos espaciais (no lugar dos famosos torpedos de fótons) e canhões de faser, além de não haver tradutores universais e raio-trator. Já os uniformes parecem mais vindos da Nasa do que do futuro de Star Trek.
O que inicialmente era uma missão de exploração vai, aos poucos, ganhando contornos de guerra, já que nem todos os povos que encontram com os terráqueos são tão amistosos assim. A Frota também vai construindo outras naves espaciais, que vão preenchendo o universo e causando preocupação em outros povos. Um desses povos são os Xindi, um coletivo de seis raças diferentes que vem do planeta Xindus e que viveu em uma guerra entre si por cerca de 100 anos. Ao ver a ameaça da Terra aos planos de grande poder, eles se unem para atacar o nosso planeta, destruindo uma grande área que vai da Flórida até a Venezuela. A Enterprise, obviamente, é convocada para viajar ao espaço e impedir que uma arma ainda mais poderosa dos caras acabasse de vez com o nosso planetinha azul.
Outro ponto importante (e confuso) de Jornada nas Estrelas: Enterprise foi a introdução de uma Guerra Fria Temporal, com viagens no tempo e fatos sendo revelados no decorrer das temporadas da série.
Enterprise explica diversos pontos pouco explorados no resto da franquia, como o surgimento da Federação dos Planetas Unidos
A coisa começa a ficar realmente séria na quarta temporada, que passou a ter a missão de preencher as lacunas da timeline de Star Trek. É nessa época, por exemplo, que a diferença física entre os Klingons da série clássica e as outras produções é finalmente explicada: o “sumiço” das marcas nas testas dos aliens é causado como uma REAÇÃO ADVERSA à cura de uma doença mortal, com os efeitos sumindo séculos depois.
Nesse período também começa o ataque dos Romulanos, que buscam desestabilizar a política espacial em benefício próprio. Percebendo a existência de um inimigo em comum, o capitão Archer orquestra o começo de uma Coalizão de Planetas, que seria formada depois pelos terráqueos, vulcanos, andorianos e outros quatro povos. Apesar disso não ser mostrado na série – o cancelamento de Enterprise fez com que os produtores corressem com a história que estavam contando –, isso tudo leva a uma grande guerra entre a Terra e os Romulanos, causando uma tensão em todo o universo.
A guerra finalmente termina em 2160, quando é declarada uma “Zona Neutra”, que existe fora da jurisdição da Coalizão de Planetas e, dali pra frente, os romulanos continuaram em um estado de guerra pelos próximos séculos. Os seis povos vencedores se reúnem na base da Coalizão, em São Francisco, na Terra Unida, para declarar não só um estado de paz em seus domínios, mas também a fundação da Federação dos Planetas Unidos.
No último episódio da série, já em 2161, a Enterprise é convocada para viajar à Terra uma ultima vez, com a tripulação acompanhando a cerimonia de fundação da Federação – e sendo descomissionada em seguida.
Se passam várias décadas até que Nero chegue, vindo do futuro, em 2233 — como é relatado no filme Star Trek, de 2009. Ele ataca a USS Kelvin, na qual estavam a bordo George e Winona Kirk, grávida do filho James. O ataque dos romulanos – que, nesse ano, deveriam estar isolados na Zona Neutra – não só destrói a Kelvin e mata George, como provoca um nascimento prematuro de James. Além disso, em um efeito borboleta, constrói um novo futuro, no qual a tecnologia avançou muito mais pelo contato com os romulanos de outra linha temporal e com a ameaça bélica mais presente.
Ainda assim, com todas essas mudanças, o que acontece em Jornada nas Estrelas: Enterprise é completamente válido para as duas linhas temporais da franquia. Os roteiristas Simon Pegg e Doug Jung, sabendo disso, usaram diversos elementos da série dos anos 2000 para embasar o roteiro de Star Trek: Sem Fronteiras.
SPOILER! No novo filme, a USS Franklin é encontrada pela tripulação da Enterprise (a NCC-1701 na timeline alternativa) no planeta Altamid. A nave foi construída antes até da NX-01 pela MACO, uma organização militar que existiu em paralelo à primeira Frota Estelar da Terra Unida, e foi a primeira da Terra a conseguir alcançar a velocidade de Dobra 4, tendo, depois, lutado nas guerras contra os Xindi e os Romulanos. Após a formação da Federação, a NACO acabou e a Franklin acabou reduzida à missões de reconhecimento e observação de outras civilizações dentro da nova Frota Estelar, recebendo o novo prefixo NX-326. Isso até cair no tal planeta após entrar num buraco de minhoca e perder contato com o resto da Federação.
A Franklin possui tecnologias muito próximas às da NX-01, como um teletransporte (inicialmente) mais primitivo, velocidade máxima em Dobra 4 e torpedos espaciais, além de ser relativamente pequena. Já a tripulação antiga usava uniformes parecidos com os de Archer e companhia.
Além disso, o vilão do filme, Krall, vem diretamente desse universo da produção dos anos 2000: um soldado que ficou sem lugar no universo quando a guerra acabou e tudo se resumiu à paz e à aventura científica.
Mas, mais do que isso, ver a Franklin é o ponto que faltava em Sem Fronteiras, uma grande comemoração dos 50 anos de Jornada nas Estrelas que consegue homenagear, das mais diversas formas, tudo que ajudou a franquia a ser o que é hoje.
Vida longa e próspera à Enterprise. Seja a série, seja a nave espacial. ;)