Bill Plympton: "Estou lutando pra mostrar que animação é para todas as idades" | JUDAO.com.br

No Brasil para uma mostra em homenagem a seus trabalhos, o animador independente Bill Plympton fala sobre mercado, criatividade, Hollywood e um… Hitler cartunista?

Você pode até nunca ter ouvido falar nele, mas com certeza, em algum momento da sua vida, já viu alguma animação produzida por Bill Plympton. Se não viu, está perdendo o trabalho de um grande artista. Dá um pulo no YouTube e no Vimeo, e dê uma procurada. Não, agora não, espere um pouco, primeiro termine de ler aqui. Mas depois vai lá. Não vai se arrepender. :-)

Plympton nasceu em Portland, nos EUA. Desenhava desde pequeno e sempre foi fã de Disney e dos clássicos animados da Warner dirigidos por Tex Avery e Chuck Jones, entre outros. Acabou estudando Design Gráfico na universidade Portland State, e depois se transferiu para a School of Visual Arts em Nova York. Ele já publicou seus cartuns em jornais como The New York Times e revistas como Vogue, Rolling Stone, Vanity Fair, Penthouse e National Lampoon, entre outras. Mas foram seus filmes, e principalmente seus curtas metragens animados, que o tornaram conhecido no mundo da animação.

Ele veio ao Brasil para a mostra Bill Plympton – O Rei da Animação Independente vai até dia 20 de Abril em São Paulo, e até dia 24 de abril no Rio de Janeiro, e eu iria se fosse você — mais informações no site MostraBillPlympton.com.br.

Bill é animador e character designer de mão cheia, com um estilo próprio que faz seus trabalhos se destacarem até para aqueles que não estão acostumados a ver animações. Ele é tão bom que chegou a ser convidado pela Disney a fazer parte de seu time de animadores – na época, foi chamado para trabalhar em Aladdin – mas mesmo com um salário considerável, o contrato com a Disney não permitira que Bill continuasse a criar sua própria obra sem que essas pertencessem automaticamente à casa do camundongo Mickey. Bill declinou.

Fazer os próprios desenhos animados nunca foi algo fácil, e muitos podem dizer que Plympton tomou a decisão errada em não garantir um contra-cheque gordo e recorrente na maior produtora de animação do mundo. Ainda mais com o tipo de animação que ele faz, onde gosta de tocar em diversos tipos de temas como nudez, violência e política, entre outros, assuntos que a maioria dos produtores, distribuidores e exibidores fogem como diabo da cruz e que fariam os executivos da Disney ficarem de cabelos em pé. Ainda mais hoje em dia, com a overdose de animações feitas em CGI: “quando tento distribuir meus trabalhos nos cinemas, os distribuidores dizem: ´hum, tem nudez´, ou ´é desenhado, não é feito no computador´, ou ´você não é um grande estúdio, não tem nome´”, diz Bill. “Estou lutando para mudar as mentes do público (...), para mostrar que animação é para todas as idades, pode ser stop-motion, claymation, desenhos feitos à mão...”.

Mesmo com tantas dificuldades, a qualidade dos trabalhos fez com que Plympton ganhasse repeito e credibilidade. Tanto que foi indicado ao Oscar de melhor curta-metragem animado em 1987, com Your Face. Com muitos trabalhos reconhecidos pelas vinhetas da antiga MTV Brasil, a indicação ao Oscar foi o que ele considera “mais importante para minha carreira”, segundo o próprio Bill, em entrevista ao JUDÃO. “De repente, as pessoas descobriram o Bill Plympton. Mas sim, a MTV estava ao redor do mundo – China, Rússia, Austrália – então muitos ainda se lembram do meu trabalho por causa disso, e foi muito importante. Eu participei também do Festival de Animação Spike and Mike, que exibiram meus trabalhos em vários cinemas, escolas e universidades, e nos Estados Unidos muitos se lembram por causa disso. Algo que me deu muita visibilidade também foi minha participação n’Os Simpsons [Plympton fez três couch gags, aquele pedaço da abertura da série de TV, em 2012, 2013 e 2014]”.

Com 69 anos de idade, mais de 30 anos de carreira, 46 curtas e 7 longas metragens animados, ele não para. “Estou finalizando o curta Revengeance, com Jim Lujan. Acredito que mais dois meses para terminar, e depois vamos inscrever em diversos festivais. É sobre a escória de Los Angeles – lutadores, motoqueiros, criminosos, políticos corruptos, fanáticos religiosos, etc. Lujan escreveu o script e desenhou os personagens, e eu apenas animei, que é o que eu adoro fazer, animar personagens. Espero conseguir trazer para o Anima Mundi do ano que vem. Seria ótimo”, diz. Isso sem falar em um projeto que com certeza tem tudo para ser ótimo, mas que vai causar polêmica: “Além disso, fiz um mockumentary sobre Hitler, chamado Hitler’s Folly. A história é sobre o que aconteceria se Hitler, ao invés de ter se tornado um tirano, tivesse virado um cartunista, como Walt Disney. E a ideia não é tão estranha, pois ele adorava desenhar, adorava Branca de Neve e os Sete Anões, era um fanático por animação. Mesmo assim, as pessoas no meu estúdio não quiseram trabalhar na idéia. Na verdade, três pediram demissão, pois não queriam trabalhar no projeto com Hitler como personagem.”

Bom, só digo uma coisa: preciso ver esse do Hitler. :-D

Bill ainda é um apaixonado pela arte, e ávido consumidor de animações: “Eu levei meu filho para ver Zootopia, e gostamos muito. Gosto bastante de Como Treinar seu Dragão, grandes personagens e belo design. Eu continuo assistindo aos clássicos, como Dumbo, Mogli... Sou obcecado por animações, se pudesse assistir só animação pelo resto da vida eu seria muito feliz. Eu não assisto séries de TV, mas sei que há muitas séries boas hoje. Só gostaria de ter mais tempo para assistir...” Quem não? :)

Bill Plympton

| Sobre as animações comerciais atuais, principalmente nos cinemas, como você as vê? Hoje a grande maioria é em CGI..
E voltado para crianças.

| Exato. Como você se sente sobre isso?
Eu tenho uma opinião muito forte sobre essa situação. Primeiro, estou feliz que essa segunda Era Dourada das animações esteja explodindo agora. Todos adoram animação, e estão fazendo muito dinheiro, o que acho ótimo. Ainda assim, por causa disso é difícil para conseguir distribuição dos meus curtas nos cinemas. O público acredita que animação é somente para crianças, e tudo tem que ser feito em computadores. Quando tento distribuir meus trabalhos nos cinemas, os distribuidores dizem: “hum, tem nudez”, ou “é desenhado, não é feito no computador”, ou “você não é um grande estúdio, não tem nome”. Estou lutando para mudar as mentes do público americano, para mostrar que animação é para todas as idades, pode ser stop-motion, claymation, desenhos feitos à mão...

| Animação é uma ferramenta, não um gênero.
Exatamente. Um ótimo exemplo é O Menino e o Mundo [(]filme brasileiro dirigido por Alê Abreu, vencedor em Annecy 2015 e que concorreu ao Oscar de melhor animação em 2016].

| Você já viu o filme?
Sim, eu vi. É bem diferente da Disney, da DreamWorks e de outras produtoras. Animação é uma grande forma de arte, e as pessoas deveriam ter a oportunidade de apreciar melhor as diferentes técnicas, estilos e idéias, e é isso que estou tentando fazer nos EUA.

Bill Plympton

| Você mencionou que um dos principais problemas do mercado de animação é a distribuição, principalmente para curtas, uma dificuldade bem antiga até. Mas e sobre conseguir investimento? Eu vi que você lançou três campanhas de financiamento coletivo no Kickstarter, e todas elas atingiram as metas. Baseado nessas trêrs campanhas, o que você acha sobre essa nova forma plataforma para conseguir investimento?
Para as pessoas que vivem nos EUA, essa é uma forma muito importante. Os EUA não têm dinheiro para artistas. O governo quer gastar dinheiro em armas, navios e aviões de guerra, coisas estúpidas como essas. Então os artistas precisam achar novas maneiras de conseguir investimento. O bom nos Estados Unidos é que Hollywoord é tão grande, e por isso existem diversas maneiras dos artistas conseguirem dinheiro para produzir seus filmes...

| Don Bluth (diretor de Fievel, Um Conto Americano, Anastasia, Titan a.E.) está fazendo uma campanha no Kickstarter também, para lançar Dragon´S Lair...
Exato. Mas, pra mim, conseguir investimento não tem sido tão problemático. Não sei dizer, acho que tenho sorte, mas os curtas que vendo fazem dinheiro. Existe essa ideia que curtas não são lucrativos, que são uma perda de tempo, mas meus curtas fazem muito sucesso e trazem muito dinheiro. E com isso consigo fazer meus novos filmes e curtas. Entretanto, o financiamento coletivo tem sido ótimo para minhas finanças. Por exemplo, e isso eu falei nas minhas Masterclasses: as pessoas perguntam “Bill, como você ganha dinheiro, você não usa dinheiro do governo, nem de grandes corporações...” Bom, há OITO maneiras de se conseguir dinheiro com meus filmes:

  1. Cinemas
  2. Universidades, escolas de cinema, festivais, companhias aéreas, museus
  3. DVDs. Ainda faço um bom dinheiro com DVDs
  4. Televisão. distribuo por toda a Europa, Canal+, BBC... e também em outros países, como Japão, Coréia do Sul, os próprios Estados Unidos...
  5. Internet. Eu vendo para Itunes, Netflix, Vimeo...
  6. Comissions. Eu produzo vídeos, publicidade, documentários...
  7. Merchandising. Vendo camisetas, artes originais, etc. Ontem mesmo vendi 10 artes origimais, e é uma das razões pelas quais eu gosto de desenhar no papel. Se eu desenho no computador, o desenho desaparece, mas os desenhos originais são muito valiosos
  8. E financiamento coletivo. Onde os fãs financiam meus filmes.

Com isso você vê que há várias maneiras de obter financiamento, e manter meu estúdio funcionando.

| Mesmo assim é um trabalho difícil, pois você tem que ficar convencendo as pessoas o tempo todo de que o seu trabalho pode dar dinheiro. Que pode ser lucrativo mesmo mantendo sua visão e estilo pessoal...
Isso mesmo, fazer os filmes que quero fazer. Mas outras pessoas nos Estados Unidos já fazem isso com muito sucesso, como Don Hertzfeld. Ele faz mais sucesso e dinheiro do que eu, é um superstar. Mas tem outras pessoas que também conseguem seguir esse caminho, mantendo a integridade criativa.

Bill Plympton

| Você mencionou que ainda desenha no papel. Mas como você trabalha a pós produção dos seus filmes? Que tipos de software você usa para editar, para colorir...?
Eu não estou tão envolvido nessa parte. Meu foco é nos storyboards, design dos personagens e animação. Depois passo todo esse material para minha produtora, Wendy Zhao. A minha equipe escaneia os desenhos, fazem o clean-up, e fazem toda a composição com o Final Cut Pro. Usamos também Adobe Photoshop para as cores, eu acho... Não me cobre muito nessa parte, não estou tão envolvido assim. E sei que também usamos After Effects. Tem funcionado muito bem até agora. O orçamento para nossos filmes é sempre muito baixo. Antes dos computadores, usávamos uma câmera grande, filmes de 35mm, tínhamos que comprar os filmes, processá-los, se havia erro tínhamos que regravar, era um pesadelo. Eu estou muito feliz agora que o computador ajudou a baixar bastante o custo de produção. Antes de usarmos computadores para colorir os filmes, 75% dos custos eram do lado técnico: mixagem do som, uso e manutenção de câmeras, compra e revelação dos filmes... Agora o custo fica em torno de 5%. Significa que esse dinheiro agora pode ir para os artistas.

| Como sempre deve ser.
Exatamente.