ENTREVISTA! Fede Alvarez, o diretor de O Homem nas Trevas

O diretor de Evil Dead e O Homem nas Trevas fala sobre seus processos criativos, sequências, Hollywood, pavor de ratos, porões e uma decepção enorme com a indústria pornô

Fede Alvarez, em uma roundtable conectando o escritório da Sony Pictures no Brasil e um hotel em Montevideo, onde ele atendia a imprensa CONTERRÂNEA pra falar de O Homem nas Trevas, afirmou que não existe exatamente muita diferença entre filmar em Hollywood e no Uruguai, já que “um dia de filmagem é meio parecido em qualquer lugar, não importa onde você esteja”. A diferença acaba sendo o formato. “A grande diferença é sempre entre um longa-metragem e um curta. Ao invés de filmar em um ou dois dias, você filma durante tipo dois meses, todos os dias”.

O que eu pude perceber, porém, é que há uma diferença enorme entre o cara que tá estreando, comandando o “reboot, remake, o que você quiser chamar” de uma das franquias de Terror mais importantes da cultura pop, e um segundo filme, agora escrito, produzido e dirigido (nessa ordem) por esse uruguaio de 38 anos, torcedor do Peñarol.

Na minha primeira conversa com ele, dentro do set de Evil Dead, eu parecia estar falando com um pinto no lixo, empolgadíssimo por cada coisinha que estava fazendo, INCLUSIVE o fato de estar dirigindo aquele filme. “Eu queria fazer esse filme. Havia pensado muito na ideia de fazer uma nova versão. A maioria das pessoas não viu o original no cinema. Quase todo mundo viu em vídeo. Eu mesmo vi em VHS. Um dia então me ligaram e disseram “Sam Raimi quer que você dirija ‘Evil Dead’”. E eu disse QUE?”, contou o diretor na época, início de Maio de 2012.

Ao contar um pouco de como foi a transição de uma franquia como Evil Dead pra um filme autoral, porém, a história parecia ser bem diferente. “Eles planejavam um remake há muito tempo e quando eu ouvi sobre, fiquei puto”, disse. “Mas aí eu tava sendo considerado e pensei que, bom, talvez a gente devesse sim fazer o filme — e ninguém fala “não” pro seu primeiro filme.”

As pessoas crescem, amadurecem, mudam de ideia e opinião e isso é ótimo. Em Maio de 2012, talvez Fede Alvarez tivesse desencanado do quanto “achava desnecessário” um novo Evil Dead e, antes de mais nada, quisesse vender seu peixe. Mas o fato é que agora, em Setembro de 2016, temos não só um roteirista, produtor e diretor que faz o possível pra extrair o seu melhor, como uma pessoa muito mais ciente de si dentro de toda essa engrenagem — e isso fica claro nessa entrevista que você confere a seguir. :)

Fede Alvarez no set de O Homem nas Trevas

Fede Alvarez no set de O Homem nas Trevas

| Você fazia as suas coisas no Uruguai e de repente tá lidando com grandes propriedades Hollywoodianas. Como isso aconteceu?
Tem uma coisa que é meio especial e estranha sobre fazer filmes: um dia de filmagem é meio parecido em qualquer lugar, não importa onde você esteja. Então, filmar um dia no Uruguai não é tão diferente de um dia filmando em Hollywood.

A grande diferença é sempre entre um longa-metragem e um curta. Ao invés de filmar em um ou dois dias, você filma durante dois meses, todos os dias. Você tem que ter uma visão muito definida do que precisa fazer e sobre o que é o filme na sua cabeça, porque você filma fora de ordem e demora tanto que às vezes você até esquece o que você queria contar originalmente.

Essa é a principal coisa que eu aprendi fazendo Evil Dead. Cada coisa que você aprende, quanto mais você faz, melhor você fica, eu espero. E depois de fazer um filme, quando eu fui pro segundo, eu pelo menos era o diretor de um filme. Evil Dead foi meu primeiro, nunca tinha feito um filme antes, eu tinha menos experiência e agora eu tinha um no currículo. Acho que a melhor coisa que você tira disso é a experiência de fazer um filme, algo que é um teste de fogo, não tem volta. É difícil, mas fico feliz por ter sobrevivido ao processo e poder fazer outro.

| Você esperava fazer sucesso nos EUA?
Eu não esperava esse sucesso, não, mas normalmente é porque eu não penso nisso. Eu não espero sucesso, eu não espero falha, eu acho que eu não espero nada. Eu realmente tento me concentrar no que preciso, que é fazer um bom filme, contar uma boa história e editar e trabalhar na música, e quando tá pronto, conversar com vocês sobre o filme. Prefiro não pensar se vai ou não funcionar, porque se você pensa muito nisso enquanto faz, você vai afetar o filme. Vai pensar que talvez o público não queira ver isso, que talvez fique muito chocado, fique com medo... Eu tenho pensar só no melhor filme que eu gostaria de ver no cinema, o que eu gostaria de ver se eu fosse o público desse filme. Então, nunca espero muito e normalmente acontece rápido. Até agora deu tudo certo, tou me acostumando, hehe.

| E sequências?
Eu não penso também sobre sequências. Se eu gostasse delas eu provavelmente teria feito Evil Dead 2, mas eu não queria. Eu não acho que a gente deva fazê-las só porque a gente pode, a gente tem de fazer quando tem uma boa história pra contar. Pode ser que exista uma pra O Homem nas Trevas 2, quem sabe, vamos descobrir logo. A gente vai, pelo menos, fazer o exercício de pensar em como seria uma sequência e, se tiver uma boa história, a gente pode fazer.

| É por isso que não temos um Evil Dead 2, porque você não gosta de sequências?
Hahaha... Bom, eu respeito muito o público. Eu fui público por muito tempo e me senti traído por filmes muitas vezes. Eu ia pro cinema acreditando que veria uma obra de arte e via uma obra de merda. Eu passei tanto por isso que eu queria muito honrar o público e entregar um filme que eles pudessem dizer, pelo menos, que “não é mais um daqueles”, que é diferente em algum nível.

Evil Dead, ainda que não fosse uma sequência, fosse um reboot, um remake, seja lá como você queira chamar, era um gore que você jamais veria em um filme de Hollywood, dum jeito explícito, nojento, quase como se eu tivesse expulsando as pessoas do cinema, ainda que a ideia fosse o contrário. Mas eu fico muito orgulhoso por isso, por termos ido além, pelas nojeiras, e o filme era sobre isso. Era sobre chocar com a nojeira, não queríamos nada além disso.

Nesse filme eu queria fazer algo que não tivesse fantasmas, que fosse real, que fosse em lugares que nenhuma história foi antes... Sequências às vezes tem essa desvantagem, que todo mundo meio que sabe o que esperar, porque é por isso que eles vão ver, certo? E eu sempre me preocupei que, fazendo Evil Dead 2, ou O Homem nas Trevas 2, a audiência veria exatamente o que viu antes. Como cineasta, como contador de histórias, você quer surpreender as pessoas, você quer que elas entrem no cinema sem ideia nenhuma do que esperar. Normalmente, em sequências, não só às vezes você sabe o que esperar, como é bom que algumas coisas aconteçam, porque é por isso que você tá lá e o público exige que você entregue as mesmas coisas de novo... Não é lá muito divertido.

Eu não tou dizendo que não farei sequências. Eu só tou dizendo que é por isso que normalmente eu tento fugir delas. Mas se tiver uma boa história — e existem boas histórias em sequências, como Exterminador do Futuro ou O Poderoso Chefão — eu tou dentro.

O Homem nas Trevas

| Como foi o processo de sair de um reboot de um dos filmes de terror mais importantes que existe, pra um filme mais autoral, bem menos violento, mais suspense?
Bom, esse eu curti muito mais fazer. Por conta de tudo o que você disse, eu era grande fã dos filmes originais de Evil Dead muito antes de conseguir o trampo. Eles planejavam um remake há um bom tempo e quando eu ouvi, fiquei puto; mas aí eu tava sendo considerado e pensei que, bom, talvez a gente devesse sim fazer o filme — e ninguém fala “não” pro seu primeiro filme, hehe. Foi um grande desafio, eu me diverti fazendo aquele filme, mas assim que eu abri meu computador pra começar a escrever as pessoas já tavam na internet dizendo que “vai ser horrível”, essas coisas, e não ajuda muito. Ajuda quando você quer provar que essas pessoas tão erradas, que é uma sequência decente e uma conexão boa entre os originais e o novo Evil Dead.

Mas o que eu queria fazer com esse era algo completamente fora do radar, queria fazer um filme que enquanto eu estivesse escrevendo, ninguém soubesse que eu estava escrevendo, porque eu meio que fiquei traumatizado, hehe. Todo mundo tinha uma opinião enquanto eu tava escrevendo, escolhendo elenco, filmando e aí saiu e a galera curtiu, mas eu não queria passar por isso de novo, queria só fazer um filme no meu tempo, no meu ritmo, o MEU filme, que ninguém pudesse comparar com nada, com um original. Foi um prazer verdadeiro, porque nada disso importa pro público, ninguém liga pra minha experiência fazendo o filme, a audiência quer ver um bom filme e é isso o que importa. Como eu me senti durante, ninguém quer saber.

A realidade é que fazendo assim, tendo mais liberdade, você testa mais seus limites. Com Evil Dead, eu tinha muita liberdade, mas precisava ser um Evil Dead, essa era uma limitação. Podia ser o que eu quisesse, desde que fosse um Evil Dead. Aqui, podia ser basicamente tudo o que eu queria. Você vê o filme e pensa que algumas daquelas coisas não deviam estar lá, mas eu queria que estivessem, e tão lá. Ninguém podia me dizer pra não fazer.

Essa é a beleza de viver num país livre, hehe. :D

| Quando que você é só roteirista, só diretor, só produtor? Como que esses trabalhos se conectam?
Eu acho que às vezes você troca o uniforme, de uma certa maneira. Tira o de diretor, coloca o de produtor, depende de qual parte do processo você está. Quando eu tou escrevendo, eu tou só escrevendo, não preciso fazer mais nada. Quando o roteiro tá pronto, viro o produtor por um tempo, falo com outros produtores, arranjo um jeito de financiar o filme, e diretor também, porque você precisa ter uma ideia de como vai fazer e convencer pessoas de que você sabe o que tá fazendo, mesmo que nunca saiba — você tem de parecer que sabe, essa é a chave, hehe.

E aí no fim eu acho que você meio que se torna os três enquanto faz o filme e, acredite, é muito trabalho. Eu aprendi isso nesse filme, porque você tá sempre reescrevendo alguma coisa; não todo dia, mas às vezes você precisa ajustar à realidade do que você vai filmar, porque você não tem a ideia exata do que vai ter no set e ajusta o roteiro pra encaixar, e quem faz isso sou eu; e como produtor e diretor é tudo mais fácil. Eu não tenho um chefe pro qual preciso perguntar se posso fazer alguma coisa. Fazendo o filme, eu decido como gastar o dinheiro e quando eu vou fazer o quê.

Nesse aspecto, é mais fácil. Mas você precisa lidar com muitas coisas e se você vai demitir alguém, vai ter de se demitir, provavelmente, hehe. Acaba não sendo tão divertido desse lado, mas te dá muito controle, eu posso te garantir isso. E eu acho que esse filme se beneficia disso. O mesmo filme, feito por um comitê de várias pessoas, provavelmente nunca teria as coisas que ele tem. Muitas das coisas extremas teriam sido cortadas, ou aliviadas, porque normalmente é o que comitês fazem, tentam ir para a área mais segura possível e acabam deixando tudo na média, ou derrubando, e eu não queria isso.

Meus filmes — e eu sei que isso é muito difícil em grandes projetos, e vai ser comigo também eventualmente — não são uma democracia. São uma ditadura. O diretor diz o que eles vão fazer e é assim. É um dos últimos empregos nessa indústria e no mundo em geral onde existe uma figura, um monarca, cuja palavra deve ser seguida. O mundo evoluiu para lugares melhores, ainda bem, mas nos filmes ainda funciona assim. O diretor é o rei e quando você é diretor e produtor é ainda mais, porque você pode fazer o que quer e é assim que você consegue produzir filmes como esse, fazendo coisas que são bizarras, estranhas, que não são uma aposta segura — agora até parece que é, porque estamos na segunda semana em #1 nos EUA, “nossa, aposta certa”, mas acredite, enquanto a gente tava fazendo e pensando em quantas vezes a goteira pingaria na tela, ninguém pensou que esse filme seria tão mainstream, mas eu tou bem feliz que tenha se tornado, porque mostra que as pessoas são meio pervertidas e meio doentes, mas eu gosto disso, são elas que fazem esses filmes funcionarem.

| Não há heróis nesse filme, todo mundo tem um ~Lado Negro. Era isso que você pretendia desde o início, ser diferente de outros filmes do gênero?
Sim e não. Eu diria que alguns dos melhores filmes de suspense já feitos tinham personagens meio nas sombras. Se você voltar pro Hitchcock, pensa em Psicose, a menina tá roubando dinheiro logo na primeira cena, e não é de um qualquer, é de um cara que pretendia comprar uma casa pra sua filha... Mas aí ela morre. Você tá do lado dela rapidinho no filme. Eu não inventei isso, queria ter inventado, mas Hitchcock fez isso em vários dos seus filmes. Em Pacto Sinistro eles tão planejando matar a mulher o cara, são todos pessoas ruins; em Um Corpo Que Cai, o cara é obcecado pela outra menina e quer que a nova se pareça com aquela que ele amava... Todos tem a moral muito questionável e isso sempre resulta em ótimos suspenses. Hitchcock sabia disso e vários diretores que vieram depois tentaram seguir esse caminho, e eu queria muito tentar isso. Eu não queria ter os personagens clássicos que você vê em todos os filmes, que sempre tem alguém muito bom, que às vezes se vestem de vilões, mas são bonzinhos, ótimas pessoas. Eu não queria aquilo, eu queria retratar pessoas mais reais, de certa maneira.

Cinema é sempre sobre ponto de vista. Eu tenho certeza que se tivesse fazendo um filme sobre qualquer um de vocês, eu poderia mostrar de um jeito e contar a história de um ponto de vista em que vocês pareceriam vilões. Eu não conheço vocês, mas eu ia mostrar algum ex, tenho certeza que eles teriam histórias terríveis pra contar. Nós todos fizemos alguma coisa ou temos algum ponto de vista que alguém poderia usar para nos fazer parecer vilões ou heróis, é tudo sobre ponto de vista. E cinema faz isso.

O Homem nas Trevas

| Vimos filmes como Quando as Luzes se Apagam e Distrito 9, que começaram como curtas e expandiram pra longas. Você tem planos de transformar algum dos seus curtas em um longa?
Eu não sei. Já pensei nisso em algum momento, mas sei lá. Hoje, eu acho que nenhum dos meus curtas é tão bom quanto esses que você citou. São ok, mas não são tão fáceis de traduzir em um filme.

| Sam Raimi uma vez disse que fazer filmes de terror é a melhor maneira de fazer com que seu filme seja visto, em todo o mundo. Mesmo que não seja bom, as pessoas vão ver, já que é um gênero que desperta a curiosidade da galera...
Hahaha, eu não tenho certeza de que isso seja verdade, mas enfim.

| ...você obviamente gosta desse gênero, mas você pensa em expandir e fazer outros filmes? O que mais você tem aí dentro que queira mostrar, além de fazer pessoas sentirem dor?
Bom, não sei. Honestamente, o que eu faço eu faço normalmente — e descobri que eu faço quando escrevo — eu tento não dizer pra história o que ela é. Eu deixo ela me contar o que é. É tipo você ter um filho e forçá-lo a ser um arquiteto e aí ele vira um hippie ou sei lá. Eu tento deixar a história me dizer o que vai ser. O Homem nas Trevas é um bom exemplo disso, aliás.

Quando a gente começou a escrever, não tínhamos certeza do que seria. “Pode ser um drama, um suspense, vamo ver pra onde vamos”. Começamos a escrever, descobrimos o que o cara tinha no porão e “fodeu, esse é um filme de terror”, aí descobrimos qual o plano dele e “ih caraio, é um body horror movie” e seguiu e seja lá o que fosse, a história contaria porque uma boa história tem uma direção, um fluxo que você não pode parar; te empurra pra um lado e não há nada que eu possa fazer. Se eu mudo, levo pra outro lugar, não seria natural.

Então normalmente eu defino uma história, uns personagens e empurro tipo um dominó, que cai e vai empurrando os outros naturalmente. E é só quando tá pronto que você olha pro roteiro e pensa “ok, isso é bem assustador. Acho que será um suspense de horror”. Mas não quando eu começo, porque se eu começo e escrevo com um tom, sabendo o que é, normalmente seria injusto com os personagens, que falariam como os personagens de filme de terror falam, as coisas seriam filmadas como um filme de terror e não funcionaria.

Pra responder sua pergunta, veremos onde eu sou levado, seja lá qual for a história que eu escrever com Rodo [Sayagues, co-roteirista de O Homem nas Sombras] depois, nós descobriremos em algum momento. Nós somos bem preguiçosos, não começamos a trabalhar no próximo até que tenhamos terminado o anterior, e não nos importamos com as regras de Hollywood, que dizem que você precisa fazer outro filme, ter uma data de lançamento, essas coisas. Nós não prestamos muita atenção.

Assim sendo, quando a gente terminar o trabalho com esse filme, for lançado e tudo mais, a gente vai sentar e conversar pra ver o que vem pela frente.

O Homem nas Trevas

| Jane Levy se joga, se machuca, se suja, a porra toda, nos seus dois filmes. Ela é a sua final girl? :)
Haha, até agora sim, com certeza. Ela parece sobreviver em vários dos meus filmes de um jeito ou de outro. Ela apanha, sofre um monte — e nesse ela sofre MUITO, eu tenho quase certeza de que ela nunca mais vai querer trabalhar comigo, mas... :D

| Como foi a escolha do Stephen Lang? Porque ele tá sensacional e a gente já o viu sendo intenso antes, mas não tanto quanto nesse filme. Como que foi o processo pra tê-lo no filme e transformá-lo naquele personagem?
Não rolou muito um processo pra escalá-lo, porque não dá pra imaginar alguém como ele entrando numa salinha com um papel, dizendo “Hey, eu sou Stephen Lang e vou fazer o teste para o Cego”, ele não faz isso, hehe. Basicamente você precisa saber o que você quer pro personagem e ir atrás. Eu sabia que eu o queria, não tinha muitos atores em Hollywood que sejam tão bons quanto ele, que tem 65 anos e à primeira vista você pensa “poxa, vão roubar esse pobre homem” e do nada você pensa “pobres crianças, vão roubar esse cego!”.

Não há muitas pessoas com essa habilidade e presença física que sejam tão cinematográficas de uma certa maneira. Então eu falei com ele, mandei o roteiro, ele gostou — ficou bem assustado, na verdade, ele disse que ficou morrendo de medo lendo e interpretar aquele cara, “um cara que faz umas coisas muito obscuras”... Ele tinha medo dele mesmo interpretando aquele cara, mas ele também disse que ter medo é um bom sinal, te dá espaço pra mostrar coragem. E foi isso que ele fez, mostrou ter coragem pra abraçar aquele personagem, e ele o fez com amor. Honestamente, a gente tentava entender aquele cara todos os dias e meio que pensar como ele. Como eu disse, é tudo sobre o ponto de vista. Se o Cego sai com vocês pra beber e todo mundo fica meio bêbado, e ele conta a história, todo mundo vai concordar com ele. Todo mundo vai odiar aqueles moleques.

Foi assim que a gente tentou chegar no personagem e eu tou muito orgulhoso dele. A gente acabou ficando amigo durante o processo de filmagem.

| E o cachorro, hein? Como foi trabalhar com ele?
Um pesadelo. Uma porra de um pesadelo. Aquele cachorro... Até hoje eu tenho pesadelos com ele. Normalmente cachorros não fazem nada, não se importam com o que você quer, se vão receber. Tipo, “whatever, tou com sono, vou ali dormir”. Cachorros não aceitam direção muito bem.

Mas a gente tinha três cachorros diferentes. As pessoas são meio racistas em relação a eles, todos acham que eles são iguais, mas na verdade eram três, hehe. Alguns eram melhores que os outros, mas fiquei bem feliz com o que a gente conseguiu fazer. Foi muito perigoso, na verdade — dois dublês se demitiram, tipo “eu não quero chegar perto daquele cachorro nunca mais” e saíram, fazendo com que a gente fosse atrás de outra dublê e eu acho que é a terceira que você vê na última cena em que ele aparece. O cachorro era antipático, mordia algumas pessoas e aquele lá podia esmagar seu crânio, se quisesse.

| Como foi filmar aquela cena em que todo mundo tá no escuro?
Começou com muita pesquisa. A primeira coisa que a gente fez foi ver se alguém já tinha feito isso antes, e percebemos que não. Em outros filmes, sempre que existe escuridão total, normalmente tem alguma coisa na mão, tipo Buffalo Bill, ou Silêncio dos Inocentes, com os óculos, ou tipo Atividade Paranormal, com alguém com uma câmera usando night vision. Mas nesse filme ninguém tem os óculos, ninguém tem uma câmera, então a gente parou e pensou “ok, o que fazer quando ninguém tem nada?”.

Nós descobrimos que não tinha nenhum exemplo, nunca ninguém tentou fazer aquilo, o que nos deixou bem empolgados, já que teríamos de inventar isso. Então o Pedro Luque, meu diretor de fotografia, começou a pesquisar, tentar encontrar uma estética — porque, olha, é muito difícil fazer uma cena que tem muita luz, ou então ninguém veria nada, mas que convença o público que tá totalmente escuro. Não faz sentido, eles tão vendo tudo, como tá escuro? Mas eles acreditaram, eles olharam pra escuridão. Não é fácil, foi uma combinação do tipo de luz que usamos, das lentes de contato que colocamos nos atores que não só faziam as pupilas parecerem dilatadas mas também os cegavam, então eles não podiam ver nada. Essa foi a chave do sucesso daquela cena.

Mas como eu disse, eu tou orgulhoso de ter tentado fazer algo que podia ter sido um desastre, mas funcionou bem. :)

O Homem nas Trevas

| Tem algum easter-egg do Peñarol nesse filme? Eu sei que no Evil Dead tinha... :D
Sim, tem, a mesma bandeira! Quando a câmera entra no quarto do Cego pela primeira vez, numa tomada bem longa, mostra algumas fotos e aí vai pra TV. Bem atrás da TV, à esquerda, tem uma bandeira do Peñarol. :)

| Em Evil Dead, tinha um porão — eu visitei o set, era realmente assustador. Em O Homem nas Trevas, tem um porão também... Qual sua relação com porões? :)
Eu acho que tenho medo deles. Meus avós tinham um porão e quando eu era criança eu tinha horror a eles, porque sempre diziam que tinha um rato lá e eu morro de medo de ratos.

Meu irmão e meus primos uma vez me empurraram lá e fecharam a porta. Provavelmente foi por tipo 2 segundos, mas na minha cabeça foi uma eternidade. Eu sempre achei aquele lugar muito muito muito assustador, e é por isso que eles acabam aparecendo nos meus filmes... Mas não me pergunta mais, cê vai me fazer chorar. :D

| Qual seu momento favorito do filme?
Bom, eu não sei se eu posso falar, se vai ser spoiler ou não, mas obviamente é a GOTEIRA. :D

Pra mim é o melhor momento porque é quando eu recebo a maior reação da galera, particularmente a estocada na boca com o negócio que pinga, hehe. Aquilo SEMPRE resulta na maior reação. Sempre que eu assisto ao filme no meio do público, eu não vejo a hora de chegar aquela hora e viro pra ver a galera e todos os caras tão “AAAARGH! MEU DEUS QUE NOJO!” e as meninas tão “AEAEAE, CHUPA!”, haha. Sempre funciona muito bem, é ótimo.

| O que é aquilo? Leite? :D
Quando a gente foi filmar, eu perguntei a mesma coisa pro cara responsável, porque parecia meio estranho. E ele disse “não se preocupe, é a receita que meus amigos da indústria pornô usam nos filmes”. Então minha mente foi, tipo “PERA. O que a gente vê nos filmes pornôs não é real?”. Eu fiquei muito triste com isso. Agora eu sei que aquilo que cê vê nos filmes pornôs não é real... Muito decepcionante.