Zoe Saldana, a Uhura de Star Trek: Sem Fronteiras conversou com o JUDÃO sobre os novos rumos da franquia e, se eu fosse você, prestaria atenção no que ela tem a dizer. :)
Dois momentos que, pra mim, definem quem é Zoe Saldana, tanto a atriz quanto a pessoa. O primeiro veio num vídeo de making of de Avatar, focado na tecnologia de captura de movimentos do filme. Na imagem dividida, Zoe e Neytiri aparecem lado a lado, desesperadas com Jake Sully.
É uma imagem que, ainda hoje, me espanta. A ferocidade da Zoe Saldana nesses poucos segundos atinge diretamente quem assiste. Você enxerga toda a entrega da atriz àquela personagem, àquele momento — o que a tecnologia de James Cameron fez o favor de capturar, ainda bem.
O outro momento foi quando, em Maio desse ano, em Atlanta, a entrevistei pela primeira vez. O assunto era Star Trek: Sem Fronteiras e, na época, tinha visto apenas alguns trailers, mas saí daquela sala sentindo ao mesmo tempo uma necessidade de assistir ao filme e como se não precisasse ver mais nada sobre, já estava satisfeito.
Isso enquanto eu lamentava o fato de não ser amigo dela, de não estar no mesmo grupo de WhatsApp, de não poder marcar AQUELA cerveja.
A mesma entrega que Zoe Saldana tem na sua atuação ela demonstrou durante os 20mins em que eu e dois outros jornalistas, um espanhol e uma francesa, conversamos com ela. Não havia resposta ensaiada, e havia resposta pra tudo. Mais importante: não era uma entidade hollywoodiana cumprindo seu contrato que estava ali, havia alguém, uma pessoa disposta a falar desde ficção científica a feminismo, representatividade e golpe de estado enquanto a babá eletrônica ficava ligada numa cômoda ali do lado, em conexão direta ao quarto onde seus pequenos gêmeos estavam e que, entre uma entrevista e outra, exigiam sua atenção. “A vida é boa”, diz ela.
Star Trek: Sem Fronteiras é o primeiro filme que faço depois de me tornar mãe, o que foi perfeito, porque eu volto a encontrar com meus amigos, pessoas que me apoiam pra caramba, que estavam tão empolgados quanto eu em voltar para este trabalho. E estávamos curiosos para trabalhar com o novo diretor. É meio como a mesma classe se reunindo depois das férias de verão e dando de cara com um novo professor. É muito legal.
Eu gostei do que vi em Star Trek: Sem Fronteiras e espero muito mais do futuro, o que significa que penso que você, fã ou não, deveria assistir. Mas se você só pode aceitar uma coisa que eu digo por vez, esquece o filme: ouça o que Zoe Saldana tem a dizer.
Hoje, nessa entrevista, e sempre.
| Você disse que foi divertido fazer. É tão divertido de ver quanto foi de fazer?
Sim. Simon Pegg é um dos roteiristas. É incrível. Tem muito do humor inglês. Tem palavras enormes. Mas é muito divertido. E tem um ritmo, em certos momentos, um ritmo inglês, e fico feliz que nós, do elenco, tenhamos conseguido capturar isso. E a coisa boa é que tínhamos o Simon ali. Dava pra ir e “Simon, o que isso significa, é assim?”. E Simon é um fã tão aficcionado por Star Trek, que a gente ia perguntar várias coisas pra ele. Até o Justin. “Simon, estava palavra aqui, quer dizer o quê?”. E ele explicava “bem, isso tem relação com a primeira temporada, com o episódio X”.
| Ele é um trekkie!
Totalmente. E ele fazia graça sobre isso com a gente. “Quer dizer, eu saberia isso se fosse fã. Não que eu seja”.
| Star Trek sempre contou, metaforicamente, histórias sobre o mundo real, o mundo no qual vivemos. Sem Fronteiras faz isso também? De alguma forma?
Eu acho que sim. Eu realmente acho que sim. Quando o filme começa, nós estamos muito cansados. Não voltamos para casa tem muito tempo, já estamos de saco cheio uns dos outros.
Acho que é muito legal mostrar este lado dos nossos soldados, das pessoas que gastam seu tempo protegendo a gente. Eles estão com saudade de casa, estão cansados, estão famintos, estão cheios de dúvidas, estão com medo, estão putos. Todas estas pequenas coisas.
Quando finalmente chegamos a algum lugar, e nos separamos sem nem dizer “tchau” uns para os outros, bom, este não é o plano que o universo tem para nós. O propósito da Federação é manter a paz na galáxia. E nós somos a Tropa que eles sempre mandam para manter a ordem, manter as coisas funcionando. Mas o que acontece quando nós somos o alvo? Nós é que estamos sendo atacados? Logo no começo da história, nós somos testados, rolando uma virada bem inesperada. Espero que os fãs, os antigos, os novos, se interessem e gostem.
| Mas você acha que este filme é mais para os novos ou para os antigos fãs? Se parece mais com a série, por exemplo?
Acho que sim, se parece com a série. Se pensarmos que a antiga série tem tipo 2segs de brincadeira e “ok, vamo trabalhar”. Alguém liga, alguma espécie em algum lugar fez alguma merda, e lá vamos nós.
Acho que, neste ponto, é similar, por mais que seja um poooouco mais longo (risos).
Somos atacados de uma forma bem inesperada. É quase como uma traição, é tipo levar um tapa na cara. Eles nos pegam de calças curtas e leva um tempo pra que a gente se reúna de novo, recolha os pedaços e caia fora, sabe?
| O que você pode dizer sobre sua relação com Spock?
Ela definitivamente evoluiu, como todas as outras relações ali. O que eu gosto a respeito da jornada que eles fizeram Spock e Uhura trilharem é que é algo natural. Natural como quando você é jovem e se apaixona por aquele professor mais jovem que sabe de tudo, e você quer saber tudo e vocês ficam juntos...
Ele é um pouco insensível com relação a decisões que toma de maneira impulsiva e que podem afetar as pessoas ao seu redor e que o amam, mas ela quer encorajá-lo, talvez fazê-lo abraçar de vez seu lado humano. Você passou a vida toda sendo vulcano, sufocando este lado humano, mas você também é humano, precisa do seu coração, ele vai ajudar você a tomar decisões melhores, que serão melhores para todos. Este é o objetivo dela. E não sei, eles tão mais velhos, já estão nessa tem um tempo. Não sei se as prioridades deles evoluíram, se o relacionamento deles evoluiu a ponto de talvez um descobrir que vai ser melhor sem o outro. Temos que esperar para ver.
| E o que acontece com Uhura neste filme? Pelo que ela vai passar?
Acho que tem algo a ver com ser atacada. É tudo tão rápido, e testemunhar a violência tão de perto, as baixas da guerra, está se tornando uma realidade muito difícil pra que ela aceite.
E eu não sei, eu sempre uso isso, mas acho que ser a Uhura tem me permitido viver alguns tipos de vidas paralelas. A Uhura do começo, toda maravilhada, chega na Academia que foi o que ela sempre quis, para o que se preparou a vida inteira. E eu tava fazendo Avatar, deixei de lado um pouco para fazer Star Trek, e aí eu pensava “estou fazendo estes dois filmes enormes com montes de efeitos especiais, um seguido do outro, com cineastas fantásticos e que sempre foram tão apoiadores das mulheres”, e eu me deixava ficar tão maravilhada quanto a Uhura.
“No segundo [filme] eu queria fazer uma coisa mais física. Não queria que a Uhura fosse a única mulher na ponte e única a não usar uma arma para defender a galera. Fuck that!”
Mas no segundo eu queria fazer uma coisa mais física. Não queria que a Uhura fosse a única mulher na ponte e única a não usar uma arma para defender a galera. Fuck that! Se você acha que não reparei nisso, dã, todo mundo nota. Especialmente uma mulher. Eu sento lá e, nos primeiros cinco minutos, tenho que segurar a mão do meu homem porque ele se emociona, já que tem tantos caras com os quais ele pode se identificar e eu sou só aquela garota, irrelevante, pela qual ninguém vai se importar e se bobear alguém vai matá-la. Eu não queria isso. Cheguei no JJ e falei “ela tem que ter cenas de ação”. E ele também se sentia assim.
E, bom, a parte 3 desta história é que eu tive meus bebês, então fui ficando mais NHÓI, “ai, meu Deus, o que tá acontecendo comigo?”, Eu choro quando vejo comerciais de TV! “Estes hormônios, quando eles vão sair do meu corpo? Estas crianças já têm oito meses de idade e eu ainda fico aqui chorando!”. Quando eu li este roteiro, elas tinham só seis meses, e Simon [Pegg] foi muito rápido ao me fazer uma pergunta: “como você está fisicamente?”. E eu não queria que a Uhura fosse muito física neste filme. Eu não poderia aguentar. Tinha acabado de ter gêmeos, meu corpo ainda estava se recuperando, seria loucura para mim. Vamos fazê-la ser forte no que ela faz melhor, que é interpretar e se comunicar.
| Você tem algo a ver com o fato de que Uhura e todas as outras mulheres têm mangas longas, as insígnias...?
Sim, eu falei para eles. E fiquei muito feliz. Não estamos fazendo grandes mudanças apenas colocando mais mulheres no elenco. Mas como elas vão ser retratadas? Quem são elas, qual é o oxigênio que elas respiram? Elas estão ali apenas esperando para que, quando as câmeras ligarem, comece o papo sobre homens ou elas têm seu próprio caminho, suas próprias atribulações?
Espero que os fãs enxerguem que as mudanças que estão sendo feitas em Star Trek, nestes filmes, são para um bem maior. Claro, a única coisa com a qual não vamos mexer é com o eixo central do que é Star Trek, todas estas pessoas das mais diferentes espécies da galáxia se reunindo em torno do desejo de fazer a paz. Nunca ninguém vai mexer com esta missão. Mas precisamos fazer isso ficar atual. Os dias de hoje são diferentes de 50 anos atrás. Sim, queremos celebrar toda esta longevidade que Star Trek tem, mas é preciso que a saga seja atual. Para que novos fãs consigam se identificar com ela.
| Mas 50 anos atrás, Roddenberry queria fazer o elenco com metade de homens e a outra metade de mulheres. Só que estamos em 2016 e você continua sendo a única mulher.
Na verdade, não. Temos a Sofia [Boutella, a alienígena Jaylah], MAS entendo o seu ponto, somos duas. Ainda estamos melhorando neste aspecto. Mas o que as artistas mulheres precisam continuar a fazer, além de aprender a dizer “não” quando precisam, é aprovar, dar apoio e trabalhar com cineastas que sejam a favor das mulheres. Sempre. Não dá pra dizer “ah, mas tem aquele que de vez em quando coloca a mulher de batom vermelho, os peitos pulando pra fora”. Isso já passou, tá saturado. Blergh.
E se ela for a cientista que descobriu uma vacina importante? Eu sou produtora, tenho uma empresa com minhas irmãs [Cinestar Pictures], sempre queremos colocar na rua material de mulheres e sempre escutamos aquelas mesmas coisas “hum, bem, é que queríamos filmes sobre mamães”. E, tipo... Não. Queremos outras porras de escolhas. Queremos escolhas. Queremos isso.
“O que Gene Roddenberry fez foi fantástico. Foi utópico. Ele nem queria estar no futuro. Ele queria estar no presente”.
O que Gene Roddenberry fez foi fantástico. Foi utópico. Ele nem queria estar no futuro. Ele queria estar no presente. Ele foi bastante movido pelo que estava vivendo na época, como civil, como cidadão global. E ele queria viver aquilo nem que fosse aquele pouco, aquele grão de areia. E Star Trek foi um diamante no meio de tudo aquilo.
| Você começou falando sobre o novo diretor. Como foi trabalhar com Justin [Lin]?
Eu adoro o Justin. Acho que o novo é bom. Claro que sinto saudades de JJ, mas eu estava tão orgulhosa por vê-lo à frente de Star Wars, nem tive tempo de pensar “estamos fodidos”. Não. Justin é um diretor bastante promissor. Eu também não concordo com aquela opinião corrente de que “ow, ele veio da franquia Velozes e Furiosos, que medo”.
O que nós achamos de Velozes e Furiosos, por que estamos tratando isso com ódio? Velozes e Furiosos está mudando as coisas também, está dando ao seu público a chance de uma interação mais participativa, com seus desejos, está atingindo uma massa enorme de gente globalmente. Podemos chegar a isso, considerando as diferenças. Claro, as pessoas querem entretenimento descompromissado, mas não só isso, elas não são estúpidas Eu discordo disso. Justin REINVENTOU Velozes e Furiosos. Esta franquia estava relativamente morta. Os estúdios estavam fazendo, mas investiam pouco na história, era só colocar um monte de carros, jovens músicos, rappers, e vamos fazendo. Justin chegou e “se vamos fazer, vamos fazer direito, vamos dar algum tipo de integridade, vamos colocar um pouco de arte aqui, de alguma forma”. Isso é incrível.
E agora ele está aqui, entrando em uma franquia que existe há 50 anos, que foi reinventada por um diretor icônico como JJ Abrams. E ele entra com graça, compromisso, classe, foco, disciplina. Ele trabalha mais duro do que qualquer um, ele vê sua família por último. Ele é um cara muito calmo, quieto e de poucas palavras. Ele não está aqui para fazer amigos, está aqui para fazer um filme. Eu gosto disso. Esta é a escola da qual eu venho.
Ele é um diretor com muito menos palavras do que qualquer outro. E isso não é um defeito. Você tem que se certificar de que você o entendeu. Se o seu diretor não te oferece o bastante, você tem que ir lá, sentar com ele, “não entendi o que você disse, você usou aquela palavra enorme, eu não sei o que é, eu até joguei no Google! Leia o texto comigo. Eu sou muito simples”. E ele aprecia este tipo de humor, ele tinha momentos de relax toda vez que eu estava no set. Mas ele entrou quando o trem já estava em alta velocidade. Nós estávamos na pré-produção, construindo o set, quando ele entrou. Por alguma razão que eu não sei, entre os estúdios. Ele entrou, fez o trabalho dele e pronto.
| Você era fã de ficção científica? Quando era pequena? Tinha um personagem que você gostava de interpretar?
Sim! SIM! Eu era uma ninja no Halloween. Eu brincava de Ripley, de Sarah Connor. “Seja uma bruxa”. Ewwww? “Seja uma princesa”. Uh, não!
| Você era moleca?
Não, era não, sempre fui uma mulher muito feminina. Eu só gosto de explorar mais partes de mim. Tem momentos em que eu vejo uma barata e você não vai ver uma pessoa pular tão alto. Mas se alguma coisa quebra, não vou ficar “ah, tá quebrado, não posso usar”. Não, eu vou encontrar uma porra de um jeito de consertar. Não preciso que alguém venha fazer as coisas pra mim.
Não, eu não era moleca, mas eu gosto de usar o meu corpo, de uma maneira não-sexual. Eu gosto de usar meu corpo de um jeito ágil, físico. Eu nunca fui de esportes, eu gostava de competir contra mim mesma, eu tentei, mas não funcionava nessa coisa de trabalho em equipe. Trabalhava melhor sozinha e meus pais me incentivaram, sempre. Mas o resto da família, tios, avós, primos. Eles são fantásticos, mas eles eram da parte geek da coisa. Estude, estude, estude até se tornar doutor. Eu não era assim. Eu queria ser dublê, dançarina, queria ser feliz. E eles “WAAAT”. E agora acho que eles não poderiam estar mais orgulhosos de mim.
| O quanto você acha que a representatividade é importante? Te pergunto isso porque, no Brasil, temos um novo ministério formado apenas por homens brancos. Não tem mais mulheres e está rolando uma discussão enorme e eu penso, de verdade, que política e cultura pop estão muito ligados, misturados...
A arte tem de imitar a vida. Quando a vida é tão maquinada e tão controlada que até a sua arte é meticulosamente criada pra servir um propósito, que serve apenas a uns poucos, eu considero essa uma sociedade muito triste e sem talento.
“O que o Brasil está fazendo com estes ministros, é totalmente racista e sexista”.
Uma coisa que eu tenho a dizer a todos os artistas do Brasil é para se manifestar. Se não quer ficar falando porque ninguém gosta de ouvir sermão, crie sua arte, faça um número, uma escultura, um desenho, escreva uma história, dirija algo, performe algo que reflita quão feias as coisas estão nesse momento. Porque isso é racismo e sexismo. Em qualquer livro. O que o Brasil está fazendo com estes ministros, é totalmente racista e sexista.
É este tipo de revide, por parte do povo, dos artistas, que acontece exatamente antes de quem está no poder perder o controle. E é aí que esta força controladora tenta uma última coisa, uma última tentativa superexagerada de se manter no controle, no poder. E aí eles são derrubados. Eu encorajo os brasileiros a não aceitar isso. Há maneiras de você, sem violência, pacificamente, artisticamente, encorajar um ao outro pra se unir e destruir aquele sistema.
O Judão viajou a convite da Paramount Pictures.