No dia em que se completam 50 anos desde os crimes bárbaros no número 10050 da Cielo Drive, é importante a gente se perguntar o que fez e ainda faz tanta gente ter este fascínio pelo guru e assassino
Que nós, seres humanos, temos uma certa atração pelo bizarro, pelo monstruoso, por casos criminais, em especial aqueles que são verdadeiros e mostram o pior de nós mesmos, isso é fato. Desta forma, alguns desses eventos se tornaram marcos significativos na nossa história. Mas enquanto alguns casos nos intrigam pela falta de respostas, outros atraem mais atenção justamente pela quantidade de informações disponíveis e pelo absurdo dos acontecimentos. Vira tudo um espetáculo diabólico. Esse é o caso dos assassinatos cometidos pela Família Manson, o culto / gangue liderado por Charles Manson, um dos nomes mais reconhecíveis do século 20.
Em 9 de Agosto de 1969, a atriz Sharon Tate, grávida, além de seus amigos Steven Parent, Abigail Folger, Wojciech Frykowsk e Jay Sebrin foram brutalmente assassinados em sua casa no Benedict Canyon. No dia seguinte, o casal Leno e Rosemary LaBianca também foi cruelmente assassinado por desconhecidos durante um assalto em sua casa em Los Feliz. Sem um histórico de violência tão brutal na região, as duas noites levaram pânico à cidade de Los Angeles.
Depois de meses de investigações frustradas e a opinião pública completamente apavorada, a polícia prendeu Charles Manson, um charmoso vigarista camaleônico que conseguia se esconder sob diferentes personalidades dependendo do seu público. Junto com ele, Linda Kasabian, Tex Watson, Patricia Krenwinkel e Susan Atkins – membros de um culto disfarçado de cultura hippie conhecido como Família Manson – foram apontados como os executores das mortes realizadas à mando de Manson como parte de uma tentativa fracassada de iniciar uma guerra racial.
Manson era uma figura tão ~carismática que muitos viram sua prisão como injusta. Para pessoas que faziam parte da chamada contracultura, a contestação social que rejeita os valores da sociedade dominante, ele e sua desajustada família eram vistos como inocentes que estavam sendo usados como bode expiatório para os reais assassinos. Rebeldes vivendo num grupo cujo objetivo era desafiar o sistema. Não foi difícil, portanto, que quem sustentava este discurso acabasse sendo atraído para as conversas sobre os crimes e começasse a questionar a versão policial. Estas foram as primeiras sementes da transformação da figura de Charles Manson num ícone pop.
Em um texto escrito para o The New York Times, Ed Sanders, uma figura conhecida da contracultura na época, poeta, cantor e ativista social que muitos consideram ter servido como “ponte” entre as gerações beat e hippie, comentou que também compartilhava esse pensamento sobre Manson e os membros do seu culto estarem sendo enquadrados por crimes que não cometeram. Não demorou muito para Sanders mudar radicalmente de ideia, principalmente quando ouviu de membros da família um plano de fuga que envolvia decapitar um grande número de pessoas para criar uma distração. Obviamente, esta é uma ideia que foge de QUALQUER ideal sobre paz e amor...
A famosa capa da Rolling Stone com Manson também poderia ter sido muito diferente. Aquela clássica, icônica, de 1970, com a manchete The Incredible Story of the Most Dangerous Man Alive? Pois então. Segundo David Dalton, um dos repórteres encarregados de entrevistá-lo na prisão, Manson “parecia como um de nós” e tinha um visual que lembrava os músicos Jim Morrison (The Doors) e Jerry Garcia (Grateful Dead). Barba, cabelão, pinta de rockstar, discurso contestador na ponta da língua.
“Sabíamos que qualquer um que parecesse assim nunca poderia ter feito essas coisas horríveis que diziam que ele fazia”, afirmou Dalton. Junte um movimento sócio-cultural que estava em destaque com um sociopata que sabia exatamente o que falar e como agir e, pronto, você tem a fórmula do sucesso. Mas, à medida em que pesquisava a história e conversava com Manson, o jornalista ficou convencido da sua culpa, que gerou a frase de capa “o homem mais perigoso do mundo”.
Automaticamente, as pessoas começaram a processar os acontecimentos e tentar encontrar uma narrativa coerente sobre os assassinatos. Ao investigar o caso para seu livro intitulado The Family, Sanders analisou que o fascínio pelos assassinatos parecia óbvio pelo envolvimento de pessoas famosas – como Dennis Wilson, dos Beach Boys – e a aura de liberdade sexual e social do período. “Tinha o bumbo dos anos 1960, com sua libertação sexual, seu amor ao ar livre, sua ferocidade e seu uso aberto de drogas. Tinha a fome de estrelato e renome; tinha religiões de todos os tipos; [...] e tinha tudo isso em um enorme panorama de sexo, drogas e violenta transgressão”, opinou.
Lançado em 1971, The Family foi apenas um dos muitos materiais que surgiram a partir dessa história. O promotor do caso, Vincent Bugliosi, também escreveu em 1974 seu próprio livro com uma visão privilegiada dos fatos, gerando um dos primeiros best-sellers modernos sobre crimes reais. Por causa das ótimas vendas, Helter Skelter acabou moldando culturalmente nossa percepção sobre os assassinatos, principalmente ao se tornar uma minissérie em 1976, que posteriormente foi refeita em 2004. Muitos dos detalhes que temos sobre os assassinatos saíram diretamente dessa publicação.
Alguns membros da família também escreveram suas próprias histórias sobre esse período, com dois livros de memórias escritos por Susan Atkins após sua prisão, intitulados Child of Satan e Child of God, além de Member of the Family, livro de memórias escrito por Dianne Lake, um membro que fala frequentemente sobre sua experiência como parte da família.
Mas o interesse por essa história ganhou novas ramificações com o passar dos anos sob a ótica de pessoas que nunca estiveram envolvidas diretamente com Manson e seu culto, mas também desejavam compartilhar sua própria visão do caso. Disso saíram cinebiografias de gosto duvidoso como House of Manson de 2014, além de histórias inspiradas nos assassinatos, como O Perigo Bate à Porta de 2016.
E, claro, uma enorme quantidade de documentários e podcasts relembrando e investigando os eventos, programas televisivos que se encaixam na época, como o exemplo de Aquarius, um drama da ABC que narra a busca de um policial por uma pessoa desaparecida que o leva até Manson. Fora as centenas de livros que usam os assassinatos como ponto de referência, como As Garotas, de Emma Cline, lançado em 2016. Veja bem, existe até uma ópera (!) chamada The Manson Family.
Com os assassinatos completando 50 anos em 2019, novos e diversos materiais estão revivendo essa história. Além de Era Uma Vez em Hollywood, filme de Quentin Tarantino cujo enredo aborda de alguma forma a Família Manson, o thriller de terror The Haunting of Sharon Tate, dirigido por Daniel Farrand e estrelado por Hilary Duff, e Charlie Says, filme de Mary Harron que se concentra nos assassinatos, também serão lançados este ano.
Outro material inédito que investiga o caso é o recém-lançado Chaos: Charles Manson, the CIA, and the Secret History of the Sixties, livro escrito pelo jornalista Tom O’Neill e Dan Piepenbring. Após mais de 20 anos de investigações, a publicação tem o objetivo de desmontar a visão sobre o caso presente no livro de Bugliosi, mas também entrega uma boa quantidade de teorias da conspiração envolvendo Manson que podem gerar certa incredulidade. O próprio autor diz não ter as respostas, mas lança teorias à torto e à direito. Ele questiona, por exemplo, por que razão diversas pessoas que orbitam ao redor de Manson têm alguma conexão com a CIA — e por que suas técnicas de manipulação parecem muito com os experimentos de manipulação mental à base de LSD da agência secreta americana...
Inegavelmente, uma parte de nós tem MESMO um certo interesse por histórias horrorosas como essa, já que sempre estamos procurando razões e explicações para este tipo de atitude. Mas o nível de violência e barbárie cometidos pela Família Manson dificilmente tem uma explicação 100% racional, além de análises psicológicas de especialistas na mente humana sobre o que leva alguém a cometer atrocidades como essas, principalmente em nome de outra pessoa.
A grande pergunta, no entanto, ainda é: por mais que sejamos tão fascinados pela morbidez, por que justamente um tipo como Manson permanece sendo lembrado com tanta frequência? Pela gravidade dos crimes sem sentido? Pela eterna personificação da psicopatia? Pela pose de astro do rock diante do palco? Pela sua relação com astros do cinema e da música?
Com a bucólica imagem da contracultura dos anos 1960 gravada em nossa memória coletiva, os assassinatos de Tate/LaBianca representaram um permanente conto de terror macabro durante uma década em que os jovens tentavam derrubar velhas restrições e regras – um tempo no qual, vale lembrar, muitos homens tiraram vantagens do discurso teórico sobre igualdade, como no caso do próprio Manson, de posse de um harém de jovens seguidoras que cuidava das tradicionais tarefas domésticas e era usado como moeda de troca sexual pelo próprio “guru”.
Mas enquanto Kasabian, Watson, Krenwinkel e Atkins foram esquecidos na prisão, Manson alcançou seu grande desejo ao se tornar tão famoso quanto os Beatles. Não como um grande músico como declaradamente desejava, mas sua prisão o levou à uma inegável fama mundial.
Desde sua prisão, Manson se tornou uma das representações dos piores pesadelos da sociedade americana e essa imagem foi perpetuada com o passar do tempo com a incontestável ajuda da cultura pop. Mas, além disso, ele também cristaliza a nossa própria curiosidade mórbida.