Euphoria não é só uma série | JUDAO.com.br

Assisti ao season finale de Euphoria e consegui entender o meu sentimento em relação à série e quem tá assistindo a ela.

Foi uma sensação bem estranha eu chegar no Twitter e no Instagram na noite do último domingo (04) e ver uma quantidade enorme de gente falando sobre o season finale de Euphoria. Eu, que há semanas comento sobre a FORÇA DA NATUREZA chamada Zendaya e uma série que diz tanto sobre tanta coisa, me senti um pouco invadido. Como assim tanta gente assistiu à mesma série que eu? Como assim tanta gente assistiu ao final da temporada da série que eu assisto ANTES DE MIM?

Nunca fui essa pessoa “agora que todo mundo gosta, eu não gosto”. Pra mim o que é bom deve ser não só compartilhado como multiplicado. Por que com Euphoria seria diferente, então? Por que eu deliberadamente ignorei todo e qualquer comentário, link, vídeo, foto relacionado ao final dessa primeira temporada? Eu nem tava exatamente preocupado com spoilers — eu só não queria ler ninguém falando, mesmo.

Por quê?

Sempre enxerguei um bom tanto de mim mesmo na Rue, a personagem interpretada brilhantemente pela Zendaya. Ela passa por um monte de coisas que eu também passo e, fosse meu senso de autodestruição um pouco mais forte, talvez tivesse seguido o mesmo caminho que ela seguiu. Por vezes, incontáveis, eu tentei. Alguma coisa sempre me segurou, porém. Não sei até hoje se isso foi bom ou ruim.

No season finale, logo no começo, a Rue diz que está tomando um antidepressivo, um dos poucos que não a deixam “mais doida” — exatamente o mesmo que eu tomo há pouco mais de um ano e meio. O mesmo que eu deixei de tomar por um tempo, pela falta de grana, e isso me colocou num dos piores momentos da minha vida. “Olha, até nisso eu me identifico com ela”, pensei.

Enquanto isso, o frio começava a me incomodar.

Veio o momento em que o Nate encara o pai e se (de)bate no chão, gritando. Nunca tive coragem de encarar meu pai como ele teve naquele momento, sequer de desafiá-lo minimamente. Mas a pressão era grande. Por muitas vezes eu senti vontade, por outras tantas ele disse pra eu ir pra cima dele. E eu não sei se meu pai só teria me segurado... Sinceramente, aliás, eu penso que não. É isso ou então a imagem que ele construiu na minha cabeça que não me deixa enxergar de outra maneira.

Fato é que ver aquele moleque, que eu tanto odeio, que é a única coisa que me incomodava na série (o lance policial que o envolvia é, provavelmente, a coisa mais irreal da trama), reagindo daquele jeito me fez lembrar alguns momentos em que eu só quis gritar, só quis me ferir, muitos deles porque era exatamente isso o que eu precisava. Gritar. Sentir uma dor mais forte do que a minha própria. Colocar pra fora. Tirar de mim algo que eu nunca soube o que era.

Sem aguentar o frio, resolvi me deitar e me cobrir. Por algum problema entre o meu celular e a HBO GO, a transmissão parou e eu acabei dormindo. Tava cansado e a série tava tendo um episódio normal, como qualquer outro — lindo e pesado. Algumas horas depois, a primeira coisa que fiz foi fechar o aplicativo, reabrir e apertar o play.

A Jules me fez me apaixonar pela Hunter Schafer desde o início. Inclusive questiono se isso significa que eu sou PANSSEXUAL, ou mesmo bi, uma vez que senti atração por uma mulher trans. Foda-se: na real, é só um questionamento que me ajudaria a entender melhor esses conceitos. Mas Jules, em um único episódio, também me fez sentir uma coisa muito ruim por ela.

Muitas vezes a gente não percebe, tem algumas ideias pré-concebidas, especialmente envolvendo homens cis, mas o que ela faz com a Rue é abuso. É parte da natureza da Jules ser daquele jeito mas, ao encontrar com uma pessoa como a Rue, se torna abuso. E foi nesse momento em que Euphoria bateu. Bateu forte demais.

Foi nesse momento que eu comecei a entender por que eu me senti tão incomodado com tanta gente assistindo à Euphoria: aquilo não é, nem nunca foi, uma série pra mim, uma história sendo contada, uma obra de ficção, entretenimento.

Aquilo é a minha vida.

Rue, desde que chega em casa e percebe que a ideia de fugir vai se tornar realidade, finca os dois pés no chão e decide que aquilo não é uma boa ideia. Não se trata mais do relacionamento das duas, mas sim de tudo o que a levou até ali (narrado de maneira BEM emocionante, aliás, pela própria mãe). Rue não conhece a liberdade, ela nunca conheceu. Desde pequena ela lida com amarras, ela lida com pressões, ela lida com coisas que ninguém consegue entender... a não ser que tenha lidado também.

Há toda uma montagem, indo e vindo, mostrando um bom tanto da sua infância, o que aconteceu com seu pai, as brigas com a sua mãe, as intervenções da irmã. Tava tudo ali. Tudo. Aquilo é a minha vida.

Ver quão simples é pra alguém sair da sua zona de conforto, mudar, encarar coisas diferentes, enquanto uma outra pessoa demonstra claramente — repare na boca dela, no que ela faz com os lábios — um incômodo, uma vontade enorme de ceder à pressão externa de um lado, mas não conseguindo se DESVENCILHAR da pressão interna do outro, tornando-se assim uma pessoa nula, inexistente, recheada de dor e pressão.

A fuga, pra Rue, é se drogar. Pra mim, foi pensar em me matar. As duas têm o mesmo objetivo: nos tirar a angústia de não conseguirmos ser nós mesmos, POR MAIS que o mundo lá fora acredite que saibamos quem somos, que sejamos livres. Felizes.

Eu entendo demais quem elogia a série como série, quem faz resenha, grava vídeos, comenta sobre as técnicas, sobre as atuações. Eu também faço isso com séries, filmes. Entendo também quem vai pras redes sociais gritando o quão boa é algo que viu, ouviu, leu. Eu também faço isso... Eu fiz isso com a própria Euphoria, durante umas cinco semanas.

Posso até repetir aqui, resumidamente: Zendaya merece Emmy, Oscar, BAFTA, Goya, Tony, Grammy, Troféu Imprensa, Melhores do Ano do Faustão; a série é muito bem dirigida, é muito bem escrita, é muito bem fotografada e tem algumas atuações REALMENTE boas. Não gosto da história policial envolvendo o Nate, foge muito da realidade... Mas aí é isso. É esse o máximo que eu consigo me afastar da série.

O que aconteceu no último domingo, porém, foi que eu vi um monte de gente falando de mim. Do que eu passo. Do que eu sinto. Eu não sabia, até assistir aos últimos 20 minutos do último episódio da temporada (que eu adoraria se fosse única, inclusive, o que já sabemos que não vai ser). Eu me senti acuado, eu me senti assustado. Eu me senti até com medo.

Eu nem sequer consegui dormir essa noite.

Tou exausto, tou quebrado, tou angustiado. E se acabar com tudo, de um jeito de outro, não é uma opção, eu tou aqui. Pra vocês pode ser um relato, pra mim vai ser um espelho: eu nunca mais vou esquecer disso. E eu espero mudar. Até lá...