Tudo o que você sempre quis saber sobre o cinema grindhouse (mas tinha medo de perguntar)
Eddie Muller, historiador do cinema, crítico e autor do livro Grindhouse: The Forbidden World of Adults Only Cinema, conta que há uma piada recorrente na indústria: assim que a câmera cinematográfica foi inventada, o exploitation surgiu cinco minutos depois. Meio isso, né? ;)
Aquele que é considerado o primeiro filme exploitation, Tráfico de Almas (Traffic of Souls), foi também um dos primeiros longas MADE IN USA, lançado no longínquo ano de 1913. Nele, o diretor George Lune Tucker estabeleceu as diretrizes para o gênero, pegando um medo generalizado e recorrente da América naqueles IDOS – o tráfico branco e a prostituição forçada – e prometendo um monte de coisas em sua campanha de publicidade: choque, centenas de cenas e casting gigantesco. Tudo que a Terra do Tio Sam estava ávida pra ver. Mas, como todo bom exploitation, nada disso foi entregue do jeito que devia! ;)
No entanto, as salas de cinema entupiram de gente e Tucker, que rodara o filme com modestas 57 mil doletas, faturou 450 mil verdinhas e colocou a Universal Pictures no mapa dos mais importantes estúdios de Hollywood.
Preocupados em colocar um freio no que era exibido nas telas, os conservadores dos EUA criaram em 1922 o MPPDA – sigla para Motion Picture Producers and Distributors of America – que tinha como objetivo implementar uma espécie de guia de conteúdo para os filmes, resultando no surgimento do Motion Picture Production Code, colocado em prática em 1930 pelo cavaleiro branco da moral e bons costumes, o cristão Will H. Hays. O objetivo? Ditar o que era aceitável ou não para a audiência americana (aka CENSURA).
Bom, o tiro saiu pela culatra e o código ajudou a disseminar ainda mais o tal exploitation, tal qual a Lei Seca ajudou a disseminar o contrabando de bebidas. Produtores e distribuidores independentes deram seu jeitinho de continuar exibindo filmes que não se enquadravam nas regras e não eram veiculados nos grandes cinemas. Segundo David Church, autor do livro Grindhouse Nostalgia: Memory, Home Video and Exploitation Film, o nome “grind” surgiu derivado da chamada “grind policy” – “política da moagem”, em tradução livre – uma estratégia de programação cinematográfica datada dos anos 20 na qual funcionários ficavam em frente aos cinemas tentando atrair consumidores com a oferta de exibição de filmes por um valor de bilheteria reduzido.
Pelo fato dos teatros “grindhouse” estarem localizados próximos à casas de BURLESCO e de outros tipos de entretenimento adulto, além de oferecerem sessões duplas, triplas ou “noitões” por uma única entrada, eram frequentemente associados a uma audiência de baixa classe social, que exibiam uma grande variedade de filmes de má reputação.
Foi só quase depois de duas décadas, em 1948, que o código começou a ruir após o Congresso Americano julgar o caso conhecido como Paramount Case, decidindo no tribunal o destino dos grandes estúdios que possuíam o monopólio da exibição de seus filmes nos cinemas. A aprovação dessa lei Antitruste detonou o chamado “sistema de estúdio” e mudou a forma como os filmes de Hollywood eram produzidos, distribuídos e exibidos, proibindo exclusividades e certos acordos de negociação. Agora toda e qualquer produção cinematográfica poderia chegar a quaisquer cadeias de cinema, inclusive as produções independentes, o que abriu os olhos de Hollywood para colocar grana, distribuir e importar qualquer tipo de filme, inclusive os exploitation que vinham sendo projetados por aí às margens do sistema.
A verdadeira virada de jogo aconteceu em 1966, quando Blow Up – Depois Daquele Beijo do Antonioni não conseguiu certificado de exibição pelo Motion Picture Production Code por conta da clássica cena de nudez frontal feminina, e a MGM, distribuidora do filme nos EUA, o lançou através de uma subsidiária não ligada ao sistema de produção oficial regido pelo código. Esse DISPARATE gerou uma reação em cadeia que fez com que o defasado sistema de classificação implodisse e dois anos depois fosse criado o atual Motion Picture Association of America, ou MPAA – aquele que aparece na cartela verde antes de começar um trailer – responsável pela classificação indicativa dos filmes.
Enquanto a MPAA cooperava com censores cada vez mais rígidos e demais organizações que lutavam em nome do cidadão de bem americano para manter a imagem de uma Hollywood limpa, um sistema underground comandado por distribuidoras que operavam em um mercado paralelo buscava fórmulas que trouxessem de volta para as salas de cinema uma audiência perdida para a televisão. O resultado da equação estava pronto.
Esse movimento, somado à crise estrutural e ideológica de Hollywood, junto às mudanças sociopolíticas, crise econômica e quebra de paradigmas que os EUA passavam naqueles tempos durante a Guerra do Vietnã, foi o responsável por uma brecha no mainstream que deu origem ao cinema de autor da Nova Hollywood, à proliferação dos filmes independentes de baixo orçamento e ao boom do exploitation, alimentados pela contracultura, nova esquerda, igualdade racial e o movimento black power, liberalização de costumes, feminismo, direito dos gays, etc.
Isso fez com que os filmes B migrassem dos inocentes beach party movies popularizados pela American International Pictures com seus jovens bronzeados, surfe, corridas de carros envenenados, rock ‘n’ roll e amores de verão, e, no caso do cinema de horror, dos filmes góticos com Christopher Lee, Peter Cushing e Vincent Price, para longas repletos de atitudes subversivas, como os filmes de motoqueiros como The Wild Angels de Roger Corman, até chegar à superexposição da violência e do gore que ganharam as sessões da meia-noite nos drive-in e grindhouses.
Durante a década de 1970, as grindhouses se popularizaram na região da 42nd St. em Nova York e na Hollywood Blvd. em Los Angeles, exibindo sessões duplas com filmes eróticos, de artes marciais ou quaisquer produções contendo o sufixo “exploitation”. Segundo a definição de Eric Shaefer, autor de Bold! Daring! Shocking! True: A History of Exploitation Films – a bíblia acadêmica do chamado paracinema – os exploitation pegavam um elemento específico que poderia ser explorado, misturavam efeitos especiais exagerados, sexo, violência, romance, consumo de droga, nudismo, esquisitices, sanguinolência, bizarrices, destruição, rebelião, e dependiam profundamente da propaganda sensacionalista como forma de promoção para fisgar as pessoas para irem aos cinemas.
E, ah, segundo o mesmo autor, estes filmes são “frequentemente de baixa qualidade em todos os sentidos”.
Bom, para você tirar essa prova, preparamos um guia básico do cinema de apelação marota, apelação raiz, listando alguns de seus subgêneros, indicando seu exemplar cinematográfico definitivo e EXPLANANDO os muitos motivos pelos quais você deveria perder algum tempo precioso de sua vida vendo essas bagaceiras.
| Blaxploitation
O que a foda é isso?
Os efervescentes anos 60 e 70 fizeram explodir a luta pelos direitos civis, muito por conta das tensões raciais que percorriam a América e resultaram no surgimento do movimento Black Power e de grupos como os Panteras Negras. O cinema, como genuína indústria que é, resolveu se aproveitar dessa situação para atrair os negros para as salas. Reza a lenda que apenas DOIS cinemas ao redor da nação concordaram em exibir Sweet Sweetback’s Baadasssss Song (isso mesmo, com CINCO s) de Mario Van Peebles em 1971 e, na noite de estreia em Detroit, ele causou um alvoroço tão grande que quebrou todos os recordes de bilheteria e faturou 4 milhões de dólares. Isso inspirou tanto o cinema independente quanto de estúdio a fazer filmes sob a perspectiva negra em tempos de divisão racial.
Qual é o filme?
Blacula, o Vampiro Negro (1972)
Por que diabos assistir?
O Príncipe Mamuwalde sai do continente africano acompanhado de sua esposa para negociar diretamente com o Conde Drácula em pessoa o fim do comércio escravo. Insultado com o ultraje e petulância de Mamuwalde, o Príncipe das Trevas o transforma em um vampiro e, aprisionando-o, em um caixão por toda eternidade, roga a praga: “Eu o amaldiçoo com meu nome, você será Blacula!”. A American International Pictures resolveu de vez misturar o horror tradicional gótico com uma pegada moderna do blaxploitation e todos os elementos estereotipados que tinha direito: homões da porra, belas mulheres, visual boogie naipe e trilha sonora cheia de funk composta por Gene Page, arranjador da maioria dos hits de Barry White.
| Canibal
O que a foda é isso?
Foi em 1972 que o cineasta Umberto Lenzi, ao dirigir Mundo Canibal, deu o pontapé inicial ao infame ciclo italiano canibal, que predominou em parte da produção vinda da Terra da Bota entre os anos 70 e 80, sendo talvez um dos movimentos cinematográficos mais controversos e gráficos do exploitation. De cada dez filmes do subgênero, onze traziam a mesma história envolvendo canibalismo praticado por tribos perdidas de nativos nas inóspitas selvas tropicais da América do Sul e da Ásia, e as mais brutais formas de violência gráfica, litros de sangue derramado e todo tipo de descalabro, incluindo aí crueldade animal genuína. Tudo apenas com o intuito de chocar os telespectadores incautos e oferecer o máximo da experiência visual apelativa. Para você ter ideia, até a Emanuelle (!!!) teve suas aventuras sexuais dentro do ciclo, em uma porcaria dirigida pelo picareta Joe D’Amato.
Qual é o filme?
Cannibal Holocaust (1980)
Por que diabos assistir?
O suprassumo do cinema canibal de Ruggero Deodato se autodenomina “o filme mais controverso já feito”. Pense em uma produção que resolve colocar todos os elementos possíveis para descompassar o espectador em uma única película: sanguinolência, empalamento, canibalismo, aborto, crueldade real com animais, desmembramento, nudismo frontal… A coisa foi tão feia na época de seu lançamento que, dez dias depois, todos os rolos foram apreendidos por ser confundido com um snuff movie e Deodato preso, saindo do xilindró só depois que apresentou os atores vivinhos da silva no tribunal e jurou de pé junto que não matou ninguém. Além disso, o filme ainda foi o precursor do found footage e tem uma baita crítica social velada por trás da incursão do homem branco em uma cultura que julga inferior. Afinal, eu me pergunto quem são os verdadeiros canibais…?
| Canuxploitation
O que a foda é isso?
Também temos exploitation vindo do Canadá, sim senhor! O neologismo canuxploitation (“canuck” é uma gíria vulgar para canadense) surgiu só em 1999, em um artigo publicado na revista Broken Pencil que se refere aos filmes de terror produzidos no Grande Norte em um período conhecido como “tax-shelter era”, que foi de 1974 a 1982. Neste período o governo, querendo impulsionar a subdesenvolvida indústria cinematográfica local, criou novas regulamentações e aumentou o crédito fiscal para produções, subindo o subsídio do custo de capital de 60% para 100%. Essa farra do dinheiro público em prol do exploitation fez surgir no mapa cineastas como Alan Ormsby, Bob Clark, Ivan Reitman e David Cronenberg! Boa, Canadá!
Qual é o filme?
Confissões de Um Necrófilo (1974)
Por que diabos assistir?
Manja o Ed Gein, o infame Açougueiro de Plainfield que inspirou a trindade formada por Norman Bates de Psicose, Leatherface de O Massacre da Serra Elétrica e Buffalo Bill de O Silêncio dos Inocentes? Pois bem, foi em um canuxploitation da dupla Jeff Gillen e Alan Ormsby e com produção de Bob Clark, que o sujeito foi retratado de forma mais fidedigna, mesmo que seu nome, fatos, locais e pessoas tenham sido alterados para proteger os inocentes. Confissões de um Necrófilo consegue captar todo o clima doentio e macabro que sempre esteve envolto na persona e nos crimes de Gein e, ainda assim, como um toque característico da dupla Ormsby e Clark, há uma pitada de humor negro inserida em algumas situações chave que promove um riso desconfortável e nervoso por conta das bizarrices. Mas bizarro MESMO é saber que Clark seria o responsável, anos mais tarde, pelo clássico teen dos anos 80, Porky’s – A Casa do Amor e do Riso.
| Carspolitation
O que a foda é isso?
Tá ligado À Prova de Morte, o segmento de Tarantino de Grindhouse? Ele é um carsploitation em toda sua glória! Aqui neste subgênero turbinado que se popularizou tanto nos EUA quanto na Austrália, a ordem é: carros possantes – podem ser esportivos ou muscle cars de Detroit – perseguições a milhão, rachas perigosíssimos e batidas, muitas batidas. O grande filme que resume tudo isso é sem dúvida Corrida Contra o Destino de 1971, no qual o Kowalski de Barry Newman dirige seu Dodge Challenger R/T 1970 branco à toda velocidade. Por sinal, este é o sonho de consumo da personagem de Zöe Bell no longa do Taranta.
Qual é o filme?
Corrida com o Diabo (1975)
Por que diabos assistir?
Ao invés do clássico setentista Carro – A Máquina do Diabo, que apesar de beber na fonte do exploitation, foi lançado por um grande estúdio, a Universal Pictures, um representante de presença obrigatória nos cinemas drive-in e grindhouses era o road movie satanista Corrida com o Diabo. A afiadíssima dupla Peter Fonda e Warren Oates são dois sujeitos normais que viajam com suas esposas de motorhome e, certa noite, estacionados em um campo aberto, após muita bebedeira e conversa fiada, testemunham um sacrifício de uma garota realizado por um culto satânico. Isso dará início a uma insana e demente perseguição pelas estradas do Texas. Em uma daquelas famosas lendas urbanas do cinema, o diretor Jack Starret clama que contratou satanistas de verdade como extras do sinistro culto ocultista de rednecks. Provavelmente só mais uma jogada publicitária, ao melhor estilo dos filmes exploitation.
| Eco-horror
O que a foda é isso?
É a batalha épica do Homem vs Natureza! E o responsável indireto pela criação e proliferação desse subgênero foi um tal de Steven Spielberg. Tudo bem que lá nos anos 50, os Big Bugs, ou filmes com insetos (ou aracnídeos, crustáceos, moluscos ou o que mais o valha) gigantes dominavam as matinês e, três anos antes, o ultrajante A Noite dos Coelhos já havia tentado meter medo nos espectadores, inclusive no Julius, pai do Chris. Mas foi só em 1975, quando a adaptação do best-seller de Peter Benchley tomou a indústria cinematográfica de assalto como o primeiro blockbuster da história, que o eco-horror proliferou como uma verdadeira praga, devido ao sem número de rip offs do filme de Spielberg que foram surgindo, a maioria de qualidade bastante duvidosa. E toma os pobres seres humanos se deparando com a ira de ursos, orcas, aranhas, crocodilos, polvos, abelhas africanas e até javalis.
Qual é o filme?
Piranha (1978)
Por que diabos assistir?
Pegue todo o storyline imortalizado por Tubarão, misture com uma produção de Roger Corman, o Rei dos Filmes B, coloque um jovem Joe Dante na direção e enfie um bando de piranhas assassinas toscas de borracha pregadas em palitos de churrasco aterrorizando um parque aquático. Voilá: você tem esse clássico absoluto do eco-horror. Uma bisonhice na qual os heróis têm de lidar com um cardume de piranhas inteligentes, fruto de uma experiência do exército para criar um novo tipo de arma biológica para jogar nos rios do Vietnã, com direito a uma verdadeira carnificina onde o PEIXE VORAZ, como diria Alípio Martins, trucida criancinhas indefesas em um acampamento de verão. Não obstante, a Universal Pictures decidiu processar a New World, empresa presidida por Corman, por plágio de Tubarão. Porém, quando Spielberg assistiu ao filme, ele simplesmente ADOROU e o processo foi abandonado. Eu ouvi um alto e sonoro: “CHUPA”?
| Giallo
O que a foda é isso?
Giallo vem da palavra italiana para “amarelo”, termo derivado da cor das capas de famosos livros pulp baratos de bolso que publicavam tramas de mistério e violência, bem famosos na Itália pós-fascista. Falando em português claro, o subgênero se refere a um estilo particular que se desenvolveu em meados dos anos 60, graças à mente genial do Maestro do Macabro, Mario Bava, que desenrolou os principais conceitos do estilo no filme Seis Mulheres Para Um Assassino: um matador misterioso usando luvas pretas de couro que assassina mulheres violentamente e precisa ser descoberto ao melhor estilo whodunit da literatura de Edgar Wallace. Depois, Dario Argento pavimentou o caminho do gênero no começo dos anos 70 com sua Trilogia dos Animais (e seus títulos absurdamente fodásticos, como O Pássaro das Plumas de Cristal, O Gato de Nove Caudas e Quatro Moscas Sobre Veludo Cinza) sendo seguido de perto por uma dezena de cineastas como Lucio Fulci, Sergio Martino, Antonio Margheriti e Massimo Dallamano.
Qual é o filme?
Prelúdio Para Matar (1975)
Por que diabos assistir?
Se pudermos falar de forma grosseira que Dario Argento é o Hitchcock italiano, Prelúdio Para Matar é seu Psicose. O thriller ultraviolento repleto de sadismo é a quintessência do giallo, uma obra prima com uma história que envolve toda a narrativa básica comum nesse tipo de filme: uma testemunha ocular, uma investigação particular e um assassino que usa luvas e capa que comete seus crimes com requintes de crueldade extrema e perversão sexual, tudo captado pelas lentes do diretor em um verdadeiro desbunde técnico, amparado por um misé-en-scéne impecável e trilha sonora desconcertante do Goblin, transformando a violência estilizada em algo sublime.
| Gore
O que a foda é isso?
Tudo bem que o nível de violência no cinema mudou drasticamente após Hitchcock colocar Anthony Perkins para esfaquear Janet Leigh num chuveiro em Psicose. Mas foi apenas três anos depois que a linda palavra de quatro letras que todo fã do horror ama de paixão despontou nas telas, sob a batuta de Herschell Gordon Lewis e sua vulgar Trilogia de Sangue. O gore, que nasceu inspirado em algo que o teatro Grand Guignol já fazia na França um século antes com suas peças cheias de sangue espirrando na plateia, grudou de um jeito no cinema de terror assim como mancha de sangue não sai nunca mais de uma camisa branca, e as telas foram cada vez mais pintadas de vermelho nas décadas seguinte, até virar pré-requisito básico para certos tipos de produções e de gostos mais apurados.
Qual é o filme?
Banquete de Sangue (1963)
Por que diabos assistir?
Herschell Gordon Lewis estava certa noite em sua casa assistindo a um velho filme de gângster na televisão, com um meliante que levava uma verdadeira saraivada de balas e não saía uma mísera gota de sangue dos projéteis entrando em sua carne. Lewis pensou: “Isso não está certo!”. E foi aí que ele resolveu extrapolar todos os limites e colocar o fluído vital em seus tons mais vermelhos de guache em toda a beleza do Technicolor em Banquete de Sangue, o seminal filme do subgênero no qual um maluco que parece o Arnaldo Antunes quer servir um jantar de carne humana em oferenda para uma deusa egípcia doida. Bagaceira ruim de doer, mas com uma importância ímpar para o cinema, uma vez que a cena em que o psicopata arranca a língua de sua vítima usando um fórceps mudou o curso do cinema para sempre (?).
| Nazisploitation
O que a foda é isso?
Nessa altura do campeonato já havia se passado um tempão desde o fim da Segunda Guerra Mundial e então o nazisploitation surgiu com um blitzkrieg no gênero apenas como uma desculpa para imagens de terror e degradação, sexo, tortura e assassinato gratuitas em campos de concentração, geralmente envolvendo mulheres e geralmente envolvendo as mesmas sem nenhuma peça de roupa. A ideia era poder colocar tudo na conta dos nazistas, os maiores inimigos que a humanidade já viu, tornando assim essas presepadas cinematográficas justificáveis. O progenitor desse subgênero escandaloso foi Love Camp 7, de 1969, dirigido por Lee Frost, mas foi uma comandante loira dominatrix ninfomaníaca que criou a sua pedra angular.
Qual é o filme?
Ilsa, a Guardiã Perversa da SS (1975)
Por que diabos assistir?
O diretor Don Edmonds, que vivia numa verdadeira pindaíba naquela época e não tinha um puto nem para pagar o aluguel, marcou um encontro de negócios com o produtor David F. Freadman – sujeito distinto, de cabelo grisalho e usando um belo terno que fizera uma ponta em Love Camp 7 e produzira os filmes de Herschell Gordon Lewis – no saguão do hotel Intercontinental certa tarde. Disse ao cineasta que ele havia sido altamente recomendado e o queria dirigindo seu próximo filme. Edmonds levou o roteiro de Ilsa, A Guardiã Perversa da SS para ler e chegou à conclusão que “era a maior merda que já havia lido em toda sua vida” e que “ninguém ia querer fazer um filme desses, por ser terrível e uma afronta ao homem e a tudo”, segundo suas próprias palavras. A alemã era ruim que nem o diabo, com um apetite sexual insaciável e dedicou sua vida a fazer experimentos de tortura recheados de barbárie e sadismo em mulheres para provar sua teoria de que o sexo feminino é muito mais tolerante à dor que o masculino. Mas acontece que o produtor ofereceu muita grana em dinheiro vivo e, bom, o resto é história. Como Edmonds enfatizou: “Se você tem que ser ultrajante, seja ultrajante. E eu fui”
| Nunsploitation
O que a foda é isso?
Banido, censurado, excomungado e execrado pela Igreja, toda a polêmica envolvendo Os Demônios de Ken Russel e seu convento de freiras bruxas sexualmente reprimidas abriu a porteira para outro subgênero bastante, digamos, peculiar nas grindhouses: o nunsploitation. Basicamente, filmes para se ver freiras sem roupa! Tipicamente essas produções envolviam as devotas em monastérios católicos da Idade Média em conflito com a opressão sexual devido ao celibato, a Inquisição e as tentações providas pelo Capiroto. Grandes celeiros obviamente foram os países católicos como Itália, Espanha e México. Afinal, se não é pra causar com o catolicismo, é melhor nem descer para o set.
Qual é o filme?
Satanico Pandemonium (1975)
Por que diabos assistir?
Tarantino e Rodriguez sempre foram fãs descarados do grindhouse MESMO! Tanto que em Um Drink no Inferno, a personagem de Salma Hayek – aquela da dança inesquecível com a cobra ao som de Tito & Tarantula – foi batizada com o nome desse nunsploitation mexicano de Gillberto Martínez Solares, em cujo pôster está grafado a genial tagline “De esposa de Cristo para escrava de Satã”. Decidido a mostrar as safadezas e tentações dentro do convento, o diretor meteu um Coisa-Ruim galanteador – e que é a cara do Hector Bonilla – para subverter uma bela freirinha, instigando-a a praticar muito sexo e assassinato! Efeitos especiais de desaparecimento tosco, atuações bisonhas e nada lascivas, freiras interpretadas por prostitutas e a protagonista tentando tirar a virgindade de um jovem pastor pré-adolescente são a cereja desse bolo herege.
| Ozploitation
O que a foda é isso?
Sabe que país foi um grande celeiro do exploitation nos anos 70? A Austrália! Sim, é isso mesmo! A terra dos cangurus e dos outbacks teve uma safra tão prolífica que gerou até um subgênero próprio, o ozploitation, que ainda foi tema de um documentário nada menos que sensacional: Além de Hollywood: O Melhor do Cinema Australiano (se bem que esse MELHOR gera controvérsias), que conta com depoimentos de ninguém menos que Quentin Tarantino em carne, osso e queixo, provando a veracidade da genial vertente cinematográfica australiana.
Qual é o filme?
Patrick (1978)
Por que diabos assistir?
O queixudo é fã confesso do longa de Richard Franklin, e inclusive, seu maior desejo não consumado nessa vida (tá, posso estar exagerando) era que Uma Thurman cuspisse e girasse o olho nas órbitas enquanto estava em coma em Kill Bill, tal qual o clássico do ozploitation. Infelizmente a atriz se recusou por achar ridículo. Mas Robert Thompson, ator que faz o personagem título do filme, nos presenteou com um rapaz em estado vegetativo com poderes psicocinéticos usados para o mal, fruto de uma nova onda de interesse na telecinese que surgiu depois de Carrie – A Estranha de Stephen King ser publicado e lançado nos cinemas na sequência. Agora, quer ver como o cinema australiano era definitivamente sui generis? O personagem do doutor responsável pela clínica onde Patrick está internado o usa como cobaia para experimentos com eletrochoque, que foram REALIZADOS DE VERDADE no ator durante as filmagens. E o pior é que o ator que topou essa ideia de gerico do diretor. Tudo pela arte!
| Rape and Revenge
O que a foda é isso?
Os execráveis rape and revenge são uma ramificação dos filmes de vigilantes a la Charles Bronson, mas com uma inversão de papéis e de gênero, e seguem sempre a MESMÍSSIMA estrutura de três atos. Primeiro ato: a personagem (SEMPRE é uma mulher, tirando talvez Amargo Pesadelo) é estuprada, torturada física e psicologicamente e deixada para morrer. Segundo ato: ela sobrevive e se reabilita. Terceiro ato: ela se vinga matando e torturando seus estupradores. Pronto, seguindo este guia, está pronto um roteiro de um autêntico “estupro e vingança”.
Qual é o filme?
A Vingança de Jennifer (1978)
Por que diabos assistir?
Porque nenhum júri da América iria condená-la! Afinal, a tal Jennifer, garota independente e sexualmente resolvida da cidade grande – considerada pela sociedade machista vigente como “está pedindo” ou “dando mole” – comeu o pão que o diabo amassou na mão de uns caipiras que a estupraram violentamente, a torturaram e a deixaram para morrer. Mas, seguindo a cartilha difundida por Wes Craven em Aniversário Macabro e Bo Arne Vibenius em Thriller – A Cruel Picture, sua vingança será maligna, regada à mortes sangrentas praticadas em seus ofensores de forma brutal e realista. O diretor Meir Zachi supostamente se baseou em uma história real para escrever seu roteiro, quando encontrou uma garota nua e coberta de sangue, com o maxilar quebrado, vítima de um estupro, engatinhando para fora do Central Park, auxiliando-a na busca de ajuda pela polícia e a levando até um hospital.
| Sexploitation
O que a foda é isso?
Como o próprio nome diz de forma didática, é a exploração do sexo. Nos anos 50 e 60, a moda para quem curtisse ver gente pelada na telona eram os chamados “filmes de nudismo”, tipo o longa Paraíso dos Nudistas, em seu tom quase documental e ingênuo, carregando uma certa mensagem moral e educacional sobre um estilo de vida. Foi o visionário Russ Meyer que, em 1959, pegou os filmes de sexo e a celebração do corpo feminino nas telas e elevou a outro nível, inventando o subgênero do subgênero conhecido como “nude-cutie”, tirando a nudez dos campos de nudismo, colocando-a em uma temática contemporânea e, mais importante, acrescentando um roteiro! Meyers quem daria o troco tirou do cinema o estereótipo da mulher frágil e dependente dos mocinhos, colocando no seu lugar as vixens autênticas que exploram muito bem sua sexualidade.
Qual é o filme?
Faster, Pussycat! Kill! Kill! (1965)
Por que diabos assistir?
“Senhoras e senhores, bem-vindos à violência. Tanto da palavra como da ação. Porque a violência pode manifestar-se de várias maneiras, sendo que sua forma preferida ainda continua sendo… sexo”. Com essa introdução, Faster, Pussycat! Kill! Kill! reúne um monte de mulheres que lutam contra o patriarcado e não vêem nenhum problema em meter a porrada em marmanjos, dirigir carros possantes e mandar as boas maneiras às favas! Aqui temos o surgimento da mulher perigosa nos cinemas, amparado pela insólita história das três go go dancers que pegam suas carangas envenenadas, vão para o deserto, apostam racha com um coxinha e sua namoradinha ingênua, matam o rapaz, sequestram a menina e ainda querem roubar toda a grana de um velho misógino. Tudo isso como pano de fundo para decotes enormes, calças justas, barriguinhas de fora, roupas provocantes, cenas de nudez e fortíssima conotação sexual. E no elenco, a rainha Tura Satana, cuja história de vida, por si só, daria um filme: aos dez anos foi estuprada por cinco homens, que não foram condenados pelo crime. Ela passou então a treinar artes marciais e, anos depois, vingou-se de seus agressores. Além disso, organizou uma gangue feminina de autodefesa chamada The Angeles, formada por jovens garotas imigrantes.
| Slasher
O que a foda é isso?
Mario Bava já havia deixado sua enorme contribuição para o cinema de terror italiano dando início ao giallo. Quando já estava por aí há um tempinho mostrando todo o esplendor de assassinos seriais enluvados retalhando violentamente suas vítimas, em 1971, com o lançamento de A Mansão da Morte, ele foi o responsável pela protogênese do que seria o mais rentável e popular subgênero do terror na década seguinte: o slasher, servindo de inspiração rasgada (ou cópia descarada) para Sexta-Feira 13 de Sean S. Cunningham. Michael Myers, Jason, Freddy, Chucky e cia limitada são os verdadeiros filhos do exploitation, só que a diferença é que o slasher acabou por se fundir ao mainstream e arrebatou multidões para os cinemas, gerando rios de dinheiro para os grandes estúdios.
Qual é o filme?
Noite do Terror (1974)
Por que diabos assistir?
Apesar de só em 1978 o slasher atingir de vez o público médio jovem norte-americano por conta de Halloween – Uma Noite de Terror de John Carpenter, responsável por ditar os DO’S AND DONT’S do gênero, quatro anos antes ele nascia oficialmente nas mãos do canadense Bob Clark com seu emblemático Noite do Terror. Todo o conceito de adolescentes sendo perseguidos por um maníaco psicopata aproveitando-se de datas comemorativas – como nesse caso, o Natal – se deve a este obscuro e pouco conhecido filme de Clark, e se é moda até hoje vermos filmes de terror se passando em fraternidades estudantis em universidades e o assassino passar trotes para jovens indefesos, o mérito também é desta película natalina que vos apresento.
| Woman in Prison
O que a foda é isso?
Mulheres encarceradas, mas com a libido ainda lá em cima! Os WIP também tiveram seus anos áureos durante os 70’s e foram parte determinante da cultura grindhouse, capazes de “emprestar” sua estrutura narrativa para outros subgêneros adaptarem a seu bel prazer. Foi em As Condenadas da Prisão do Inferno de Jack Hill (com a Jackie Brown em pessoa, Pam Grier, no elenco) que o estilo cinematográfico se rebelou, exibindo prisioneiras que funcionam como metáforas de mulheres que confrontam os complexos freudianos e se libertam dos grilhões da sociedade enquanto usam roupas mínimas, brigam entre si, desafiam o sistema e tomam banhos coletivos.
Qual é o filme?
Barb Wired Dolls (1975)
Por que diabos assistir?
Porque é um filme de Jess Franco, diacho! O papa do Eurotrash, a lenda da grindhouse com seus mais de 200 filmes no currículo – incluindo aí até pornô hardcore. Maria Da Guerra (nome mais propício, impossível) é presa após matar seu pai abusador (interpretado pelo próprio Franco). Daí o que se segue é tortura, nudez, sexo, insanidade, conspiração, rebelião e um perverso plot twist final. A produção suíça-alemã foi terminantemente rejeitada pelo BBFC (British Board of Film Classification, o órgão censor britânico) e acabou figurando na famigerada lista dos videos nasty. O que, cá entre nós, não é nenhum demérito. ;)